sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Knopfli

Admira-me a pouca importância que se tem dado a um poeta como Rui Knopfli. Límpido, sarcástico, directo, contido, e simultaneamente eloquente no esbanjamento imagístico, que colheu nos modernos escritores a orgia vocabular e o conceito dessacralizador do modelo artístico clássico, os temas variados, segundo os ideais humanísticos defensores de liberdade e críticos da exploração, ou apenas cônscios do mundo íntimo do homem, entregue ao sentido do absurdo existencial...
Não resisto a transcrever-lhe o poema “Amor das Palavras”, contido em “O País dos Outros”, como exemplo a seguir nas novas pedagogias escolares, que há muito perderam o sentido daquilo que valoriza o homem – o estudo, o gosto pelo conhecimento, a “filo sofia” que apregoavam os povos gregos:
Amo todas as palavras, mesmo as mais difíceis / que só vêm no dicionário. / O dicionário ensinou-me mais um atributo / para o sabor dos teus lábios: / São doces como sericaia. / Faz-me pensar ainda se a tua beleza não será / comparável à das huris prometidas. / No dicionário aprendi que o meu verso é / por vezes fabordão e sesquipedal. / Nele existe o meu retrato moral (que / não confesso) e o de meus inimigos, / rasteiros como seramelas sepícolas/ e intragáveis como hidragogos destinados à comua. / O dicionário, as palavras, irritam muita gente. / Eu gosto das palavras com ternura / e sinto carinho pelo dicionário, / maciço e baixo e pelo seu casaco, azul / desbotado, de modesto erudito”.
Sim, o gosto pelo saber não deu a Rui Knopfli a capacidade de se safar na vida, apesar do dom extraordinário que possuía. Assumiu a sua liberdade de se destruir, e ninguém lhe valeu, talvez por culpa dele. A Pátria é refractária a quem não sabe rastejar e a quem não valoriza o sacrossanto dinheiro. E muito menos hoje.
Mas continuo a pensar que os versos acima deviam permanecer como intróito em cada manual escolar de português, como estímulo para as novas gerações que quase perderam a capacidade de consultar um dicionário.

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