sábado, 21 de março de 2009

A Boceta

Foi Pandora a mãe Eva dos antigos Gregos, criada pelo ferreiro Hefaístos por ordem de Zeus, como instrumento de vingança sobre Prometeu, para lhe destruir a raça humana que este criara com o fogo roubado do Olimpo. Assim, enviada à Terra munida de todas as graças, e mais a boceta dos males, encantou Epimeteu, que casou com ela apesar da oposição do irmão deste, o Prometeu de maus fígados. Aberta a boceta da Pandora, os maiores males se espalharam descontroladamente na Terra, consumando-se a vingança de Zeus sobre o pobre Prometeu, para mais, agrilhoado.
Vem isto a lume, por conta da opinião de alguém da “Opinião Pública” da Sic, que chamou à Igreja, fechada à humanidade, vivendo autisticamente, de longa data, segundo os seus modelos de ostentação granjeados à custa da ignorância, fanatismo e miséria dos povos a quem arranca os dinheiros com a promessa do paraíso, responsável pela difusão dos males, qual boceta de Pandora, ao não regredir desse autismo.
Assim, o Papa, que em Angola se mancomuna com os governantes, igualmente pouco escrupulosos na distribuição das riquezas, dirigindo-se aparentemente às massas, que o recebem com afecto provindo de velho preconceito fanático, a quem aconselha a virtude e desaconselha o preservativo como fonte de vício, é repudiado na “Opinião Pública” por alguns, que entendem chegada a hora de a Igreja despejar os seus bens pelos pobrezinhos em vez de pretender politizar dentro de ideias já muito estafadas. Mas a verdade é que a boceta há muito que se destapou.
E não é a Igreja que se deve condenar. A Igreja, apesar das suas falhas humanas – e não podemos esquecer o nosso desassombrado Gil Vicente, mandando para a Feira das Graças, “as Igrejas, os Mosteiros, os Papas adormidos”, convidando-os vestir as “samarras dos antecessores”, mais humildes, – pois, apesar disso e até dos crimes inquisitoriais apontados, a ela se deve a difusão de tantas luzes da solidariedade e da cultura, feitas pelos seus vários apóstolos no mundo inteiro, homens e mulheres abnegados que em nome da religião contribuiram e contribuem para tornar o mundo um pouco menos cruel.

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