quarta-feira, 18 de março de 2009

Os cabedais

De “Os Filhos de Saturno” de António José Saraiva, transcrevo a parte final do texto 9 – “Capitalismo”:
Mas para a sociedade mundial do nosso tempo, com os seus diferentes níveis e zonas de riqueza, com a possibilidade de os mais ricos dominarem os mais pobres, e sobretudo com a recusa, tanto maior quanto mais o capital cresce, de quaisquer valores que não sejam económicos, tecnológicos, produtivos, não encontrei ainda uma resposta.”
Texto escrito em 1974, com a lucidez de sempre, iniciado com a referência ao “cabedal” do sapateiro, com origem no latino “capitale” que o tornou “capitalista” - parcial, se simultaneamente patrão e trabalhador (ou explorador de si próprio), ou integral, como explorador de outro sapateiro – o trabalhador explorado. E todo este discurso em torno dos cabedais, integrado numa ideologia marxista, que opunha capital e trabalho, naquele tempo do Karl Marx.
Mas há muito o capitalismo ultrapassou essa dicotomia mais ou menos criteriosa de ganho/trabalho, explorador/explorado. O explorador tornava-se capitalista pela exploração do trabalhador, mas fornecia-lhe trabalho, era, pois, elemento de desenvolvimento, ou benemérito social.
Hoje em dia, o que mais se vê, são os capitalistas egocêntricos, os que vivem na sombra, interessados, sim, na satisfação das seus próprias necessidades e dos seus, quer materialistas, se confinadas às riquezas materiais várias, quer mais espiritualistas, se confinadas aos gozos das artes, das viagens pelo mundo, da vivência milionária.
Mas a forma como angariaram esse capital, foi através da extorsão, da gatunice, da fraude, dos jogos escusos, do esbulho puro e simples, da falcatrua sem pejo, da desonestidade, da falta de amor pátrio, pela sangria que a cada passo provocam nos dinheiros que não são deles. Ratoneiros sem ponta de moral, fundando empresas com o dinheiro alheio e escapando, sempre isentos de castigo, numa trama onde ninguém pode acusar ninguém, num país sem rei nem roque.

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