domingo, 29 de março de 2009

Terror de lebre

Os nossos meios mediáticos exploram muito, actualmente, o tema do “Estado Ibérico”, que os inimigos das crises acham que é imprescindível para resolvemos a nossa. Esquecem-se dos povos que também estão na crise, e que vão tentando solucioná-la conforme os seus meios, uns, “cantando, praguejando, batalhando”, em expressão de Cesário, outros, “apedrejando”, em jeito antigo de entifada e apito, outros, remendando aqui, ajudando além, despedindo em força, fazendo trafulhices de arromba sem que sejam chamados à ordem, cada um tentando sobreviver no naufrágio em que todos mergulham. Mas o tamanho das barbatanas não é igual para todos, além de que a maioria não sabe nadar.
Foi o mesmo Cesário que descreveu o povo labutador, que se referiu ao “terror de lebre” com que a peste o fez fugir: “Foi quando em dois verões, seguidamente, a Febre / E a Cólera também andaram na Cidade / Que esta população, com um terror de lebre / Fugiu da capital como da tempestade”.
Uma metáfora insultuosa para a consciência da bravura que sempre definiu o povo português, sem metáfora mas com pejorativo diminutivo: “portuguesinhos valentes”, assim nos apelidámos sempre e o provámos, desde as pancadas do ardoroso defensor do nosso condado dos inícios, à mãe Tareja, fidalga sem igual fibra patriótica.
Tal fibra foi, contudo, demonstrada ao longo do nosso percurso nacional, apesar dos momentos de quebra mais ou menos prolongada mas sempre ultrapassada. Todavia, já não estamos no tempo das Restaurações.
Habituados à pacatez e ao comodismo, vingamo-nos dos opressores - sejam eles governantes, vigaristas ou exploradores - por meio da anedota ou da sátira folhetinesca, revisteira ou romanesca. Não habituados, na nossa maioria, à responsabilização dos nossos actos, sempre confiantes nos Messias salvadores, povo atrofiado e atrasado sempre, sem consciência nacional, queremos é o nosso bem-estar, venha ele donde vier, aterrorizados com o descalabro. Di-lo o nosso Nobel das Letras, que sabe muito.

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