terça-feira, 10 de março de 2009

O erro e as estrelas

Dantes, a instrução primária era assente sobre a memorização – de regras (gramaticais, aritméticas...) - e de conhecimentos sobre história, geografia, ciências... que, duma forma progressiva iam ajudando a estruturar o pensamento. No caso do português, a gramática tradicional fornecia a distinção entre os elementos morfológicos, a organização sintáctica, o estudo da ortografia, com cópias, ditados, correcção dos erros... O ensino secundário, recuperando esses valores que ajudavam à descodificação do sentido dos textos, introduzia outros valores – os da formação das palavras, por exemplo, por via erudita, mergulhando directamente no latim clássico, por via popular, tendo em conta as transformações fonéticas e semânticas sofridas na linguagem oral, que a invasão de outros povos contribuiria também para enriquecer. A adaptação de estrangeirismos foi constante, acompanhando o progresso e os inventos. As alterações à escrita iam-se fazendo, num objectivo de simplificação - de fonemas, de acentos - mas de forma racional, sem grande desvinculação da etimologia, exceptuando os ph>f, as duplas consoantes, tais os ll...
A nossa língua deu origem a outras, que, naturalmente, seguiriam o seu próprio caminho, mercê da junção de características provindas da multiplicidade das suas etnias, que cada vez mais foram adulterando a sua estruturação sintáctica, lexical, fónica e ortográfica, sem preocupação pela primitiva etimologia clássica.
Daí que um Acordo Ortográfico entre as línguas lusófonas, já que se trata de línguas diferentes, não tem sentido que não seja o de subserviência económica a povos com maior expansão mundial. Como diz Herman José, através de uma das suas personagens - o diácono Remédios - “Não havia necessidade”...
Todo este longo intróito vem no sentido de contestar um comentário anónimo que transcrevo:
Mas os pontapés na gramática são a evolução da língua! É tão belo e emocionante assistir ao nascer de vocábulos e regras gramaticais como ao nascimento de estrelas ou de bebés! Sem esses pontapés ainda estávamos a falar indo-europeu”.
Trata-se de uma frase elegante, até poética, muito progressista, mas falsa. Porque não se trata tanto de pontapés na gramática mas de um fenómeno de evolução que justifica o faseamento da própria evolução dos hominídios, segundo a Ciência. Os pontapés na gramática são de outro calibre, e não têm beleza.
Aceitar esses pontapés como elementos do Belo, quando só sentimos indignação perante os dislates – e estou em crer que ao sr. Anónimo, que tão bem escreve, só provocarão o sorriso superior – é pretender desculpabilizar paternalisticamente e hipocritamente um grave fenómeno de penúria intelectual que infelizmente nos caracteriza. É, pois, um falso comentário desdenhoso, que não abona moralmente quem o escreveu.

Um comentário:

Helder Guégués disse...

Realmente, cara Berta Brás, esse comentário sobre os pontapés apresenta um argumento refalsíssimo. Não é assim que as línguas evoluem, como sabemos.
Cordialmente,
Helder Guégués