Os
fabulistas antigos
Usaram os
animais
Como
exemplos excepcionais
Dos desmandos
dos humanos
Atribuindo-lhes
sentimentos
E falas e actuações
Como se
fôssemos nós próprios,
Nas nossas
contradições.
Tais contos tão
principescos,
Gratos à
inocência da infância,
Formaram os
fabulários,
- Ou até mesmo
bestiários -
Por serem
animalescos.
Florian, que
é mais moderno,
E como
fabulista,
Mais
realista,
Perdida a crença
primitiva,
Não se
importou de utilizar
Na sua
rábula,
O homem como
exemplo de fábula:
«O Rei
e os dois Pastores»
«Certo
monarca deplorava um dia a sua miséria,
E
lamentava-se de ser rei;
“Que
penoso ofício! dizia; na terra
Existirá
um único mortal contrariado como eu sou?
Eu queria
viver em paz, forçam-me à guerra,
Com muita
léria
Com muita
treta:
Amo os
meus vassalos, e carrego-os com impostos;
Amo a
verdade, a cada passo sou enganado;
O meu
povo é consumido de males,
De
tristeza eu vivo acabrunhado;
Por toda
a parte procuro pareceres,
Uso todas
as tácticas, em esforço vão;
Quanto mais
faço, mais me foge o êxito.”
O nosso
monarca avista então
Um
rebanho de magros carneiros
Tosquiados
de fresco,
As
ovelhas sem cordeiros, os cordeiros sem as mães,
Dispersos,
balindo, desgarrados,
E uns carneiros
sem força errando
Nos descampados.
O seu
condutor Guillot ia, vinha, corria, procurava
Ora o
carneiro que na mata se perdia,
Ora o
cordeiro que para trás ficava,
Corre em
seguida à sua mais querida ovelha;
E
enquanto está a um lado,
Um lobo
agarra no carneiro
Que leva
a correr.
O pastor
acorre, o cordeiro que deixou,
Uma loba
o filou.
Guillot pára,
sufocado,
Arranca
os cabelos, não sabe aonde acudir,
E com os
punhos batendo na cabeça,
Pede ao
céu para morrer.
“Eis a fiel
imagem da minha figura!
Exclama o
monarca nessa altura;
E os
pobres dos pastores,
Tal como
nós, rei,
Rodeados
de perigos, de desamor,
Não têm nada
doce escravatura,
O que não
deixa de ser consolador.
Dizia ele
estas palavras sem grande lisura,
Descobre
num prado o mais belo dos rebanhos,
Carneiros
gordos, numerosos,
Mal
podendo caminhar,
Tanto o
seu rico velo lhes pesa.
Carneiros
grandes e altivos,
Todos em
ordem pastando,
Ovelhas ao
peso da lã vergando,
E cuja
teta cheia
Atrai de
longe os cordeiros saltitando.
O pastor -
autor -
Fazia
versos para a sua Iris,
Cantava-os
docemente em ecos enternecidos,
E depois
repetia a ária
No seu
rústico oboé.
Espantado,
o rei dizia: “ - Este belo gado
Em breve
será destruído;
Os lobos
não temem
Os pastores
amorosos que cantam
A sua
pastora, seja ela Iris, ou Fílis,
Ou lá
como é;
Não será
com uma cana que os afastam.
Ah! Como
eu me riria se!...
No mesmo
instante o lobo passa,
Como para
lhe dar prazer,
Um cão,
pronto a apanhá-lo,
Lança-se
e vai expulsá-lo.
Ao barulho
que fazem a combater,
Dois carneiros
amedrontados fogem, pela planura:
Um outro
cão parte, que os vai trazer,
E, para a
ordem repor,
Um instante
é bastante.
O pastor tudo
isso via, deitado no relvado,
A gaita
de foles, que não largava,
Ao seu
lado.
Então o
rei, bem irritado,
Disse-lhe:
“- Como fazes tu isso?
Os
bosques estão cheios de lobos,
Os teus
carneiros, gordos e belos,
São para
cima de mil,
Consegues
mantê-los na maior das calmas,
Tu só, e ainda
por cima
Cantando.”
“-
Senhor, disse o pastor,
A coisa é
mesmo fácil
E tem suas
prescrições;
O meu
segredo consiste
Em escolher
bons cães.”»
E andamos
nós nestes enganos
Sem perceber
as razões
Por que há já
tantos anos
Vivemos com
tantos danos,
Tantas
desmotivações
Que até são
mais que as mães,
Ouvindo razões,
sem-razões
Dos varões,
Decanos bem
brincalhões
Nestas questões,
Quando o que
era indispensável
-
Incontornável -
É que
houvesse cá bons cães,
Olhos e
ouvidos do rei,
A aplicar a
lei
Para nosso
bem.
Eu sei.
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