quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Será que quer comprar?


Vem esta fábula a propósito
Do que ao ministro da Economia
Disse Ana Drago, sem cortesia,
Aproveitando a leva de despedimentos
Que o Governo resolveu fazer
No seu staff.
Olhos nos olhos, sem pestanejar,
A voz doce, com atrevimento,
Afirmou que julgara
Que ele também não voltaria
Àquele  Parlamento,
Pois a sua presença
Só causava sofrimento.
Seria?
O facto é que o Ministro da Economia
Se ria,
Fitando-a com simpatia.

O sonho dum habitante do Mogol

Outrora um certo Mogol viu em sonhos o Vizir
Nos Campos Elíseos,  senhor dum prazer
Tão puro como infinito, em duração e valor.
O mesmo sonhador viu, noutro local,
Um Eremita, de fogo rodeado,
Que deixava pesaroso qualquer desgraçado.
O caso pareceu estranho e pouco usual:
Minos, nestes dois mortos, tinha-se enganado.
O dorminhoco acordou, tão surpreendido ficou.
Pressentindo, todavia, neste sonho, um mistério,
Foi pedir, muito sério,
A sua explicação.
O intérprete lhe disse que não se espantasse:
 “O vosso sonho tem sentido, e se eu tenho razão,
Como aprendi, nesta questão,
Trata-se dum aviso dos Deuses:
Durante a humana estadia
Este Vizir procurava a solidão,
Mas este Eremita espertalhão
A sua corte ia fazer aos Vizires.”

Se eu ousasse uma ideia acrescentar
À palavra do intérprete,
O  gosto dos retiros aqui viria lembrar:
Ele oferece aos amantes, bens sem embaraços,
Bens puros, presentes do Céu, debaixo dos pés nascidos.
Solidão, em que encontro uma secreta doçura,
Lugares que sempre amei, não poderei eu mais
Longe do mundo e dos ruídos banais
Saborear a sombra e a frescura?
Oh! Quem me deterá sob os vossos sombrias recantos?
Quando poderão as Nove Irmãs,
Nove deidades,
Longe das cortes e das cidades,
Inteiramente ocupar-me
E ensinar-me
Os movimentos diversos dos céus,
Desconhecidos dos olhos meus?
Os nomes e as virtudes das claridades errantes,
Pelas quais são tão diferentes
Os nossos costumes e os nossos destinos?
Porque, se eu não nasci para grandes projectos,
Ao menos que os regatos me ofereçam doces objectos!
Que eu pinte nos meus versos alguma margem florida!
A Parca de fios de ouro não urdirá a minha vida,
Eu não dormirei sob ricos tectos:
Mas alguém nota que o sono perde o seu valor?
Será ele menos profundo, e menos cheio de delícias?
No deserto novos sacrifícios lhe farei.
Quando chegar o momento de ir encontrar os mortos
Eu terei vivido sem cuidados, e sem remorsos morrerei.»

La Fontaine gostaria sobremaneira
De se sentar à sombra duma parreira,
Faia ou mesmo bananeira,
Para saborear a doce mediania
Dourada porque bem meditada,
Tal como o nosso Sá de Miranda
Que já dizia também
Que “homem dum só parecer
Um só rosto, uma só fé,
De antes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser
Mas da corte homem não é.”
Muitos outros assim escreveram,
Cansados das ruindades
E vilanias das cortes,
Preferindo manejar
Os livros do seu saber
Bem juntos da mãe natura
Fonte de meditação, de ternura.
Mas isso era antigamente.
Agora ninguém vai para o campo
Especificamente
Para apreender o sentido
Da vida e da morte.
Pelo menos nós por cá
Envolvidos nas disputas
Das nossas diárias lutas,
Só nos lembramos da natureza
Para enviarmos para lá
Aqueles a quem se despreza,
Mandando-os pastar com presteza.
O que é muita baixeza.
E quem assim desdenhar
Ao inferno vai parar.
Mas bem me posso enganar.

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