Para animar a minha amiga
que sofre , como todos nós, as dores destes tempos tenebrosos, gemendo e
chorando neste vale de lágrimas, sobretudo quando desbobina os ditames dos seus
saberes audiovisuais diários, descarregando-os sobre o meu mutismo atento,
lembrei-me de lhe entoar a canção dos anos sessenta que costumava cantar com as
minhas alunas, como forma de aprendizagem motivante, a par de “Et maintenant” ,
“La Marseillaise”, etc.
A minha amiga, apenas com uns
laivos de reconhecimento da música, desistiu, após as tentativas da minha garganta completamente
desfocada dos tons agudos que a Soeur Sourire tão limpidamente entoava, e em inesperada voz de
cana rachada que me surpreendeu e atribuí ao facto de estar há muito tempo sem
uso, desmotivada, mesmo para a Grândola da fraternidade.
Ainda se riu a minha amiga, trocista,
no orgulho dos seus volteios cantantes em velhas canções do seu repertório, em
que o “Ai quem me dera ter outra vez vinte anos” faz parte das minhas
exigências deslumbradas de ouvinte, em datas assinaláveis. Mas na Internet
procurei o “Dominique nique nique” da Soeur Sourire e pude recordar na
íntegra a velha canção de que tantas quadras repentinamente reproduzira, no
espanto – meu e da minha amiga - de uma memória que cada vez mais vai
esquecendo a quantas anda.
Levei-lhe
a letra, que escrupulosamente retirei da voz lesta da Irmã Sorriso, e comentámos
o quanto nos ajudaria um santo com as características deste, de doçura,
modéstia, simplicidade, desprendimento dos bens terrenos e alegria de viver,
espalhando o nome de Deus. Um santo Dominique que nos mandasse dois anjos a providenciar
para que não nos faltasse o pão dourado. E que nos guardasse simples e alegres,
em busca da Vida e da Verdade.
Eis o texto da Soeur Sourire:
Dominique nique nique
Dominique
nique nique
S’en allait
tout simplementRoutier, pauvre et chantant
En tous chemins en tous lieux
Il ne parle que du Bon Dieu
Il ne parle que du Bon Dieu.
À l’époque où Jean-sans-Terre
D’Angleterre était le Roi
Dominique notre Père
Combattit les Albigeois.
Mais notre père Dominique
Par sa joie le convertit.
Scandinavie ou Provence
Dans la sainte pauvreté.
Enflamma de
toute école
Filles et
Garçons pleins d’ardeurEt pour semer la parole
Inventa les Frères-Prêcheurs
Chez Dominique
et ses Frères
Le pain
s’en vint à manquer.Et deux anges se présentèrent
Portant de grands pains dorés.
Sous le Manteau de la Vierge
En grand nombre rassemblés.
Dominique,
mon bon Père,
Garde-nous
simples et gais.Pour annoncer à nos frères
La Vie et la Vérité.
Mas como diria tão intelectualmente Álvaro de Campos, no poema "Tabacaria",
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido...»
Somos, de facto ambiciosos, os versos da Soeur Sourire já
não contagiam ninguém. Não há santo, Dominique que seja, que até percorreu a Europa
a pé, que nos livre das nossas embrulhadas europeias e nacionais, mostrando-nos
o caminho.
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