quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A chiadeira da decência


O Ministro Rui Machete pediu umas desculpas ao governo angolano que, pondo o governo português em xeque, o pôs a ele em apuros, como afirmou ontem, diante da assembleia dos inimigos, aptos em linchamentos ilocutórios de cariz assertivo, mas sobretudo imperativo: “Saia”.

É claro que Rui Machete se defendeu, e julgo que bem, explicando que, ao pedir as tais desculpas do estrebuchante alvoroço nacional, nele sobretudo prevaleceu o desejo diplomático de manter um clima de bom relacionamento com o país altaneiro que, a irar-se, poderia fazer derrapar os milhares de portugueses que aí lutam pela vida. Isto todos o sabem – PS, PCP; BE mais todos os decentes patriotas deste país, que não desconhecem quanto às vezes é necessário engolir os sapos da nossa modéstia, por falta do poder da arrogância pátria, há muito não “apagada em austera e vil tristeza”, mas assinalada na exaltação das marchas das reclamações e das greves da nossa “eficiência construtiva”. Os homens e mulheres dos seus partidos apoiaram-no, é certo, falando em progressos económicos do país e desmentindo as incorrecções noticiosas veiculadas nos ataques, que todos os mais passaram em branco, porque a nossa política se pratica em inimizade e cizânia sempre – os que se arrogam do poder de governar e os que fazem por boicotar a governança, indiferentes ao acréscimo de prejuízo nacional que as suas rixas desencadeiam, acobertadas pelo sofisma da defesa dos direitos do povo, na realidade relegando-os cada vez mais para a travagem no seu cumprimento.

Mas o importante é que a ninguém admitimos desconsiderações, tal como o Dâmasozinho   Salcede, em paralelo definidor do nosso brio e da nossa valentia, na pena magistral de Eça de Queirós:

«E repetiu mais uma vez a Carlos essa história que o magoava. Desde a sua chegada de Bordéus, logo que o Castro Gomes se instalara no Hotel Central, ele fora deixar-lhe bilhetes duas vezes - a última na manhã seguinte ao jantar do Ega. Pois bem, s. Ex.ª não se dignara agradecer a visita! Depois eles tinham partido para o Porto; fora aí que, passeando só na Praça Nova, vendo a parelha de uma caleche desbocada, duas senhoras em gritos, Castro Gomes se lançara ao freio dos cavalos - e, cuspido contra as grades, tinha deslocado um braço. Teve de ficar no Porto, no Hotel, cinco semanas. E ele imediatamente (sempre com o olho na mulher) mandara-lhe dois telegramas: um de sentimento, lamentando, outro de interesse, pedindo noticias. Nem a um, nem a outro, o animal respondeu! - Não, isso - exclamava Salcede, passeando pelo terraço, e recordando estas injurias - hei de lhe fazer uma desfeita!... Não pensei ainda o quê, mas há de amargar-lhe... Lá isso, desconsiderações não admito a ninguém! A ninguém!

Arredondava o olho, ameaçador. Desde o seu feito no Grémio, quando o raquítico apavorado emudecera diante dele, Dâmaso ia-se tornando feroz. Pela menor coisa falava em «quebrar caras.» - A ninguém! repetia ele, com puxões ao colete. Desconsiderações, a ninguém!» (Cap. VII de “Os Maias”)

 

 

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