O Ministro
Rui Machete pediu umas desculpas ao governo angolano que, pondo o governo
português em xeque, o pôs a ele em apuros, como afirmou ontem, diante da
assembleia dos inimigos, aptos em linchamentos ilocutórios de cariz assertivo,
mas sobretudo imperativo: “Saia”.
É claro que
Rui Machete se defendeu, e julgo que bem, explicando que, ao pedir as tais
desculpas do estrebuchante alvoroço nacional, nele sobretudo prevaleceu o
desejo diplomático de manter um clima de bom relacionamento com o país
altaneiro que, a irar-se, poderia fazer derrapar os milhares de portugueses que
aí lutam pela vida. Isto todos o sabem – PS, PCP; BE mais todos os decentes
patriotas deste país, que não desconhecem quanto às vezes é necessário engolir
os sapos da nossa modéstia, por falta do poder da arrogância pátria, há muito não
“apagada em austera e vil tristeza”, mas assinalada na exaltação das
marchas das reclamações e das greves da nossa “eficiência construtiva”. Os
homens e mulheres dos seus partidos apoiaram-no, é certo, falando em progressos
económicos do país e desmentindo as incorrecções noticiosas veiculadas nos
ataques, que todos os mais passaram em branco, porque a nossa política se
pratica em inimizade e cizânia sempre – os que se arrogam do poder de governar
e os que fazem por boicotar a governança, indiferentes ao acréscimo de prejuízo
nacional que as suas rixas desencadeiam, acobertadas pelo sofisma da defesa dos
direitos do povo, na realidade relegando-os cada vez mais para a travagem no
seu cumprimento.
Mas o
importante é que a ninguém admitimos desconsiderações, tal como o Dâmasozinho Salcede,
em paralelo definidor do nosso brio e da nossa valentia, na pena magistral de
Eça de Queirós:
«E
repetiu mais uma vez a Carlos essa história que o magoava. Desde a sua chegada
de Bordéus, logo que o Castro Gomes se instalara no Hotel Central, ele fora
deixar-lhe bilhetes duas vezes - a última na manhã seguinte ao jantar do Ega.
Pois bem, s. Ex.ª não se dignara agradecer a visita! Depois eles tinham partido
para o Porto; fora aí que, passeando só na Praça Nova, vendo a parelha de uma
caleche desbocada, duas senhoras em gritos, Castro Gomes se lançara ao freio
dos cavalos - e, cuspido contra as grades, tinha deslocado um braço. Teve de
ficar no Porto, no Hotel, cinco semanas. E ele imediatamente (sempre com o olho
na mulher) mandara-lhe dois telegramas: um de sentimento, lamentando, outro de
interesse, pedindo noticias. Nem a um, nem a outro, o animal respondeu! - Não,
isso - exclamava Salcede, passeando pelo terraço, e recordando estas injurias -
hei de lhe fazer uma desfeita!... Não pensei ainda o quê, mas há de
amargar-lhe... Lá isso, desconsiderações não admito a ninguém! A ninguém!
Arredondava
o olho, ameaçador. Desde o seu feito no Grémio, quando o raquítico apavorado
emudecera diante dele, Dâmaso ia-se tornando feroz. Pela menor coisa falava em
«quebrar caras.» - A ninguém! repetia ele, com puxões ao colete.
Desconsiderações, a ninguém!» (Cap. VII de “Os Maias”)
Nenhum comentário:
Postar um comentário