Terá razão, Pacheco Pereira. É um homem sério, de muito
estudo e eloquência. Concordo inteiramente com o que diz das eleições:
«Amanhã vota-se nas eleições autárquicas. Apesar do
enjoo que suscitam no pedantismo nacional e no engraçadismo que substituiu o
debate público, foram e são particularmente interessantes. São-no pelo seu
significado nacional e local, são-no pela imensa participação cívica, pelo que
revelam de tendências mais profundas da vida político-partidária, com a
emergência de “independentes” fortes, mas são-no acima de tudo porque mostram
um fugaz retorno da política e da democracia ao país da “emergência
financeira”. Durante um mês não fomos “intervencionados”, seja por escapismo
irrealista, seja por liberdade, a política soltou-se. Não é por acaso que
partidários do “estado de excepção financeira” as tratam tão mal como à
democracia.
Estas eleições foram eleições livres da troika, para a
asneira e para a coisa boa, capazes ainda de manter algum espaço saudável em
que o garrote vil das “inevitabilidades” não entra. Foram eleições em que o PSD
e o CDS prometeram pontes e calçadas, túneis e aquedutos, livros gratuitos e
medicamentos para todos…”
…”Se houver segundo resgate, como muito provavelmente
haverá, de forma aberta ou encapotada, agradeçam-lhe (a Portas) um lugar
de honra. Não é o único, bem pelo contrário, mas foi de todos aquele que mais
mal fez ao país, pela futilidade da sua vaidade e do seu gigantesco ego. …”
…”O que nos vai ser dito, com toda a brutalidade, é que
os nossos credores entendem que ainda não estamos suficientemente pobres para o
seu critério do que deve ser Portugal. Apenas isto: vocês ganham muito mais do
que deviam, não podem ser despedidos à vontade, têm mais saúde e educação do
que deveriam, trabalham muito menos do que deviam, vivem num paraíso à custa do
dinheiro que vos emprestámos, e por isso se não mudam a bem mudam a mal. Isto
será dito pelos mandantes. E isto vai ser repetido pelos mandados da troika,
sob a forma de “não há alternativa” senão fazer o que eles querem. Haver há,
mas nunca ninguém as quer discutir, quer quanto à saída do euro, quer quanto à
distribuição desigual dos sacrifícios, de modo a deixar em paz os mecânicos de
automóveis e as cabeleireiras e olhar para os que ser “esquecem” de declarar
milhões de euros, mas isso não se discute……»
Ora, eu sempre ouvi Pacheco Pereira criticar a política de
austeridade do Governo, nessa imposição de pagar a dívida “custasse o que
custasse”, travando deste modo o desenvolvimento económico da Nação, com o
aumento de impostos, redução contínua dos vencimentos, política de
despedimentos. Mas Pacheco Pereira não
aponta outras alternativas credíveis e sabe bem quanto a saída do euro, que
propõe, conduziria o país à catástrofe.
A burlesca e falsa saída de Portas colocando Passos Coelho em palpos de aranha,
pôs o país – e Pacheco Pereira – bem furiosos contra os passos de dança
daquele, o que prova quanto Paulo Portas era necessário na coesão de um Governo
que quer e é forçado a ir em frente no saldo da dívida.
Penso que a entrada na União Europeia nos foi propícia, em
reformas rápidas de construção e modernização, de alargamento de quadros, de
melhoria nas condições de Saúde e de nível cultural e de vida. Não devemos ser
ingratos com esses que promoveram tais
desenvolvimentos, apesar do desenvolvimento paralelo da corrupção que concederam,
quantos em proveito próprio.
O país modernizou-se, mas o desperdício foi grande. E maior
seria se o actual Governo não lhe pusesse travão, para isso tendo que recorrer ao
FMI que nos controla e exige. Pacheco Pereira sabe-o bem, como o sabem todos os
outros partidos, até mesmo o PS que participou no convénio e agora se desliga
para patentear o pranto dos bons
sentimentos, lançando impropérios contra os seus parceiros no compromisso. Mas
passado o susto da falsa saída de Portas, já repousados num novo estado de
graça, apesar das novas exigências de rigidez que se anunciam, Pacheco Pereira
volta a atacar e todos os outros com ele.
Leiamos antes a prosa optimista, realista e de sã moral de
Salles da Fonseca, saída hoje no seu blog “A Bem da Nação”: “Democracia e
facilitismo”
«O crédito não é um direito:
merece-se ou não; conquista-se e perde-se. Portugal mereceu crédito, perdeu-o e
tenta agora recuperá-lo.
Mereceu crédito enquanto era
ou parecia ser viável e os detentores dos capitais acreditavam que os
empréstimos que faziam consistiam em operações de tesouraria atenuantes das
cavas nos ciclos económicos; perdeu o crédito quando os credores se aperceberam
de que o «modelo de desenvolvimento» português era absurdo; tenta agora
recuperá-lo introduzindo mudanças estruturais no modelo vicioso, despesista,
transformando-o em produtivo.
O esgotamento da capacidade
de crédito externo do sistema bancário foi o maior incentivo à produção interna
de bens transaccionáveis; a substancial redução dos meios de pagamento em poder
dos consumidores, foi o maior incentivo para que o empresariado consciente e
dinâmico enveredasse pela exportação.
O escol empresarial português não perguntou ao Governo o que deveria fazer: fez!
E os resultados são
evidentes com a balança de bens e serviços a sair de negativismos que já todos
julgávamos eternos e a apresentar sucessivos saldos positivos.
Mas a pergunta que nos
ocorre agora tem a ver com a capacidade do sistema bancário se redimir do
desbragamento creditício ao consumo que praticou até há pouco, com a capacidade
de reforço dos capitais próprios reintegrando substanciais volumes de crédito concedido
mais ou menos «à la diable» e hoje logicamente mal parado, com a capacidade de
relançamento de linhas de crédito à produção de bens e serviços
transaccionáveis.
A recuperação económica de
Portugal não pode passar ao lado do sistema bancário mas é imprescindível que
quem concede crédito também seja credível. A começar pelo próprio Banco de
Portugal e sua actividade de supervisão.
Chamemos-lhe como cada um de
nós quiser mas os próximos dinheiros que Portugal vier a receber a título de
apoio à recuperação não poderão ter outro destino que não a consolidação
bancária. Por mais que as esquerdas políticas blasfemem.
Mas esperemos que essa nova
situação não sirva para repetir os erros que nos atiraram para o buraco pela
vulgata consumista. Não nos esqueçamos de que devemos ser dos países com maior
propensão marginal à importação; não nos esqueçamos de que o consumidor tem
agora que pagar o que ficou a dever na crise anterior; não nos esqueçamos de
que deverão ser as actividades produtoras de bens e serviços transaccionáveis a
absorver as hostes de desempregados pela falência das actividades típicas do
«modelo de desenvolvimento» que definiu um capítulo da vida nacional que
queremos ver encerrado.
Até porque democracia não é
sinónimo de facilitismo; pelo contrário, é-o de responsabilidade.»
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