sexta-feira, 4 de outubro de 2013

As eleições já foram, o inferno não vai

Pacheco Pereira é sempre muito crítico de Paulo Portas. Creio que não aprecia os  seus ademanes, não propriamente de arrogância, mas de esbanjamento de uma simpatia risonha, de aparência antes tímida, de quem vai na passadeira agradecendo os aplausos à esquerda e à direita. E mesmo em frente. Digo-o com pena, pois o admirei nas manifestações de coragem na defesa de princípios que eram os da responsabilidade na preservação de um passado, tanto na questão da Educação como na dos outros valores que lhe ouvi despender que tinham por marca o amor pátrio. Mas meteu-se no Governo, e Pacheco Pereira o acusa de coisas graves sempre. E no artigo “Depois de amanhã acordamos mais perto do inferno”, saído no Público de 28/9, responsabiliza-o particularmente pelo segundo resgate, no caso de acontecer, por virtude dos seus saracoteios de falsas saídas do Governo, a pretexto de discordâncias em relação à austeridade nascida na rigidez das medidas de Vítor Gaspar. O certo é que as medidas de austeridade permanecem, apesar dos novos poderes de Paulo Portas, com a sua reentrada.

Terá razão, Pacheco Pereira. É um homem sério, de muito estudo e eloquência. Concordo inteiramente com o que diz das eleições:

«Amanhã vota-se nas eleições autárquicas. Apesar do enjoo que suscitam no pedantismo nacional e no engraçadismo que substituiu o debate público, foram e são particularmente interessantes. São-no pelo seu significado nacional e local, são-no pela imensa participação cívica, pelo que revelam de tendências mais profundas da vida político-partidária, com a emergência de “independentes” fortes, mas são-no acima de tudo porque mostram um fugaz retorno da política e da democracia ao país da “emergência financeira”. Durante um mês não fomos “intervencionados”, seja por escapismo irrealista, seja por liberdade, a política soltou-se. Não é por acaso que partidários do “estado de excepção financeira” as tratam tão mal como à democracia.

Estas eleições foram eleições livres da troika, para a asneira e para a coisa boa, capazes ainda de manter algum espaço saudável em que o garrote vil das “inevitabilidades” não entra. Foram eleições em que o PSD e o CDS prometeram pontes e calçadas, túneis e aquedutos, livros gratuitos e medicamentos para todos…”

…”Se houver segundo resgate, como muito provavelmente haverá, de forma aberta ou encapotada, agradeçam-lhe (a Portas) um lugar de honra. Não é o único, bem pelo contrário, mas foi de todos aquele que mais mal fez ao país, pela futilidade da sua vaidade e do seu gigantesco ego. …”

…”O que nos vai ser dito, com toda a brutalidade, é que os nossos credores entendem que ainda não estamos suficientemente pobres para o seu critério do que deve ser Portugal. Apenas isto: vocês ganham muito mais do que deviam, não podem ser despedidos à vontade, têm mais saúde e educação do que deveriam, trabalham muito menos do que deviam, vivem num paraíso à custa do dinheiro que vos emprestámos, e por isso se não mudam a bem mudam a mal. Isto será dito pelos mandantes. E isto vai ser repetido pelos mandados da troika, sob a forma de “não há alternativa” senão fazer o que eles querem. Haver há, mas nunca ninguém as quer discutir, quer quanto à saída do euro, quer quanto à distribuição desigual dos sacrifícios, de modo a deixar em paz os mecânicos de automóveis e as cabeleireiras e olhar para os que ser “esquecem” de declarar milhões de euros, mas isso não se discute……»

Ora, eu sempre ouvi Pacheco Pereira criticar a política de austeridade do Governo, nessa imposição de pagar a dívida “custasse o que custasse”, travando deste modo o desenvolvimento económico da Nação, com o aumento de impostos, redução contínua dos vencimentos, política de despedimentos.  Mas Pacheco Pereira não aponta outras alternativas credíveis e sabe bem quanto a saída do euro, que propõe,  conduziria o país à catástrofe. A burlesca e falsa saída de Portas colocando Passos Coelho em palpos de aranha, pôs o país – e Pacheco Pereira – bem furiosos contra os passos de dança daquele, o que prova quanto Paulo Portas era necessário na coesão de um Governo que quer e é forçado a ir em frente no saldo da dívida.

Penso que a entrada na União Europeia nos foi propícia, em reformas rápidas de construção e modernização, de alargamento de quadros, de melhoria nas condições de Saúde e de nível cultural e de vida. Não devemos ser ingratos com esses que  promoveram tais desenvolvimentos, apesar do desenvolvimento paralelo da corrupção que concederam, quantos em proveito próprio.

O país modernizou-se, mas o desperdício foi grande. E maior seria se o actual Governo não lhe pusesse travão, para isso tendo que recorrer ao FMI que nos controla e exige. Pacheco Pereira sabe-o bem, como o sabem todos os outros partidos, até mesmo o PS que participou no convénio e agora se desliga para patentear o pranto  dos bons sentimentos, lançando impropérios contra os seus parceiros no compromisso. Mas passado o susto da falsa saída de Portas, já repousados num novo estado de graça, apesar das novas exigências de rigidez que se anunciam, Pacheco Pereira volta a atacar e todos os outros com ele.

Leiamos antes a prosa optimista, realista e de sã moral de Salles da Fonseca, saída hoje no seu blog “A Bem da Nação”: “Democracia e facilitismo

«O crédito não é um direito: merece-se ou não; conquista-se e perde-se. Portugal mereceu crédito, perdeu-o e tenta agora recuperá-lo.
 Mereceu crédito enquanto era ou parecia ser viável e os detentores dos capitais acreditavam que os empréstimos que faziam consistiam em operações de tesouraria atenuantes das cavas nos ciclos económicos; perdeu o crédito quando os credores se aperceberam de que o «modelo de desenvolvimento» português era absurdo; tenta agora recuperá-lo introduzindo mudanças estruturais no modelo vicioso, despesista, transformando-o em produtivo.

 O esgotamento da capacidade de crédito externo do sistema bancário foi o maior incentivo à produção interna de bens transaccionáveis; a substancial redução dos meios de pagamento em poder dos consumidores, foi o maior incentivo para que o empresariado consciente e dinâmico enveredasse pela exportação.

O escol empresarial português não perguntou ao Governo o que deveria fazer: fez!

 E os resultados são evidentes com a balança de bens e serviços a sair de negativismos que já todos julgávamos eternos e a apresentar sucessivos saldos positivos.

 Mas a pergunta que nos ocorre agora tem a ver com a capacidade do sistema bancário se redimir do desbragamento creditício ao consumo que praticou até há pouco, com a capacidade de reforço dos capitais próprios reintegrando substanciais volumes de crédito concedido mais ou menos «à la diable» e hoje logicamente mal parado, com a capacidade de relançamento de linhas de crédito à produção de bens e serviços transaccionáveis.

 A recuperação económica de Portugal não pode passar ao lado do sistema bancário mas é imprescindível que quem concede crédito também seja credível. A começar pelo próprio Banco de Portugal e sua actividade de supervisão.


Chamemos-lhe como cada um de nós quiser mas os próximos dinheiros que Portugal vier a receber a título de apoio à recuperação não poderão ter outro destino que não a consolidação bancária. Por mais que as esquerdas políticas blasfemem.

 Mas esperemos que essa nova situação não sirva para repetir os erros que nos atiraram para o buraco pela vulgata consumista. Não nos esqueçamos de que devemos ser dos países com maior propensão marginal à importação; não nos esqueçamos de que o consumidor tem agora que pagar o que ficou a dever na crise anterior; não nos esqueçamos de que deverão ser as actividades produtoras de bens e serviços transaccionáveis a absorver as hostes de desempregados pela falência das actividades típicas do «modelo de desenvolvimento» que definiu um capítulo da vida nacional que queremos ver encerrado.

 Até porque democracia não é sinónimo de facilitismo; pelo contrário, é-o de responsabilidade.»

 

 

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