domingo, 13 de outubro de 2013

Uma de nós



 
 
 

Era nas vésperas do Novo Orçamento de Estado,
éramos quatro mulheres
dos tempos da ditadura –
embora uma delas ainda menina,
por essa altura,
a discutir sobre o próximo Novo Orçamento
e a concluir que não há fome
que não dê em fartura,
querendo com isso salientar
as discrepâncias entre aqueles tempos de tristeza
em que se vivia apertado
por um vencimento limitado
e nunca alterado
em sucessivos anos de vilipêndio
na pobreza,
na poupança,
sem perspectiva de mudança,
nunca se dando
um Novo Orçamento de Estado
mas o que tínhamos não endividado.E menos ainda
No tempo dos nossos pais,
que trabalhavam com esforços reais,
com as filhas a terem só dois ou três vestidinhos
lavadinhos, passadinhos,
com que iam e vinham da escola,
embora houvesse sempre as excepções
das maria-rapazes destemidas
que brincavam e os sujavam
e davam mais trabalhos às mães
que sem descanso os lavavam
para as filhas andarem compostinhas,
como as outras sempre lavadinhas
ou com mais roupinhas.
Tal  como os livros que então se usavam
que percorriam as várias gerações
desde os da primeira classe aos do sétimo ano dos liceus
fossem de história, de português ou de filosofia,
que abarcavam muita sabedoria
sem precisarem de apoiar cada noção
com as imagens da facilitação
para melhor compreensão,
e desta maneira se poupava
e se aprendia como competia
a quem queria
estudar como devia,
que o estudo sempre deveria
estar em primeiro lugar
na vida de cada ser.
Mas voltando à vaca fria,
nós, as quatro mulheres,
 como representantes dos muitos,
que têm sucessivamente sido despojados
nos seus vencimentos, de que dantes
tinham sido sucessivamente aumentados,
- no tempo das vacas gordas
em que a Europa se prontificara
a pôr-nos erguida a cara
com o dinheiro que sobre nós despejou
e nos tornou
mais ricos e mais percorridos
por estradas e outras vias
do nosso bem-estar sucessivo,
com os ordenados
cada ano melhorados,
e outras traças e trapaças
de outros factos criticados,
- até que se deu a hecatombe
dos cortes continuados
nos vencimentos,
pois chegara a hora das contas
e dos descontos à fonte -
entre os protestos que apontámos,
- não sem primeiro lembrarmos
os desastres de Lampedusa
sem escusa,
pelo excesso de carga
que acaba
nas profundas do inferno
ou do Mediterrâneo, sempre palco
de histórias inverosímeis,
embora com homens do norte,
e agora se vê pejado
com corpos de homens do sul,
nos barcos com excesso de gente
que o medo faz cair
nas malhas de batoteiros
que os enganam impunemente -
nós,
pusemos, pois, a questão
se era verdade ou não
o que soou por aí,
sobre a parte do vencimento
que recebiam do falecido
as viúvas e os viúvos,
a qual iria acabar, para se poder pagar
a dívida do país, reduzido
a uma viuvez contínua na estabilidade,
na qualidade de devedor
de uma dívida perene de que se diz
que nunca iremos pagá-la,
nem à lei da bala,
de que já se fala.
Nem no tempo de Salazar
o dinheiro do falecido
deixava de ser repartido
entre  o Estado e o enviuvado!
Então uma de nós, preocupada,
mas optimista até dizer chega,
lembrou que no estado social actual
em que as famílias se dão tão mal,
com violências de tipo penal,
se se ameaçar cortar
a meia pensão do falecido,
(disse a tal de nós com ar
não de todo convencido),
as famílias se irão
dar melhor, com diminuição
da verborreia da má criação,
e até dos crimes que por aí se dão
em que se esfola e se mata ao calha
por dá cá aquela palha.
Eis, pois, uma boa razão
para a prossecução do corte na pensão
da viuvez: a diminuição
dos crimes conjugais actuais,
fatais,
a preservação
dos maridinhos e das mulherzinhas
com novos carinhos e tento nas línguas
impeditivos dos crimes passionais
conjugais.
Não há como estes governos que assim sabem
manter a densidade da população
com drásticas medidas de correcção
na pensão e repercussão
na educação!
E assim reconfortadas,
com o que disse uma de nós
sem nenhum salamaleque,
continuámos a comer o queque
e a beber o café da manhã,
que outra de nós pagou,
porque fazia anos e agradeceu
os parabéns que nos mereceu,
na tristeza das previsões,
mas na desculpa das próximas pensões
redutoras de emoções
sobretudo nas velhas gerações.
Como diria Camilo,
- embora só  contra as mulheres letradas
o tivesse dito -
“Pais de família! Tento nas bofetadas
entre malcasados e malcasadas!
Que o Estado não paga pensões
a gentes desencaminhadas
que se matam entre si, mal informadas.
As balas
Deixai-as para os suicídios
Não para os assassínios!
Para que melhor se alombe
com a hecatombe
do desespero,
a auto-imolação,
quer seja pela droga ou pelo tiro
dá mais notoriedade,
mais dignidade,
na filosofia
da redução da demografia.
E o país fica mais bem-visto
com isto
de ser riscado do mapa
sem a capa
do papa a proteger,
nem sequer a ideia
do chegar, vir e vencer
que já nos foi.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Dona Berta Brás, bom domingo.
Cumprimentos respeitosos de Casimiro Rodrigues