«O “5 de
Outubro”» - eis como
Vasco Pulido Valente apelida o seu artigo do “Público” de 5 out. 13, com
a costumada mestria do seu saber histórico aliado ao seu saber crítico, embora
não desapaixonado, mas irresistivelmente lúcido. As lutas entre os partidos
monárquicos – o “Partido Regenerador” e o “Partido Progressista” -
resultando em divisionismos destruidores
da coesão pátria, em que o Ultimato Inglês, aliado ao desequilíbrio financeiro,
seriam os factores-charneira para a progressiva sublevação e desmantelamento da
nação e do regime: de Monarquia Constitucional a uma Primeira República de
sucessivos Governos, uma Segunda estável mas execrada pela minoria da
inteligência “livre”, a Terceira República, dos direitos e das liberdades
incondicionais.
Nesta vivemos, em aparente liberdade, de uma
fraternidade extinta, os dos partidos do Governo odiados pelos dos partidos que
o não são e que fazem por desmantelar cuidadosamente todas as iniciativas de
governança. São esses os da inteligência benemérita, os das alternativas
angariadoras de votos e educadoras dos povos, que depressa aprendem a defender
direitos em loquacidade, e a desprezar deveres, de maneira tácita e astuta.
(Aconteceu em África, nas ex-colónias, em que o povo, bem industriado contra o
explorador branco, nas contínuas sessões de esclarecimento sobre os seus
direitos de espoliado de longa data, depressa aprendeu a reivindicar da sua justiça - e de tal maneira se lhe
facilitou o caminho, que, além das guerras que posteriormente às
descolonizações, estropiaram e aniquilaram tantos, nas suas lutas partidárias,
além das suas fomes e das prepotências dos novos governantes seus irmãos de
raça, que fizeram encaminhar tantos deles para o continente setentrional, mais
à mão e o maior responsável das hecatombes, em hordas sucessivas de fugas
assustadas, as consequências, na nova actualidade, são os naufrágios de
Lampedusa que inspirarão os Géricaults da nossa sensibilidade, pois que
sentimento e arte andam sempre associados nas marchas das civilizações).
Mas Vasco
Pulido Valente não lembra estas analogias entre as demagogias partidárias e o
aprendizado dos povos de aquém e de além-mar, é mesmo só uma página de história
a lembrar andanças e semelhanças dum outrora com um agora, de uma nação onde o
amor pátrio parece inexistente, substituído pela pluralidade dos egoísmos e dos
sentimentalismos balofos, numa ditadura real de destempero social impune, reflectido
numa corrupção ilimitada e numa real ditadura de um patronato licencioso, que
as mais das vezes se aproveita da crise geral, para impor regras de trabalho
desumanas, sob a ameaça de despedimento, onde se concede que o maior
responsável do caos há quarenta anos criado, se permita julgar e condenar – não
sei se com direito a pena de morte, como fizeram os patrocinadores do regicídio
de 1908 – os que agora tentam gerir, o melhor que podem, o caos de agora, e a
cujo rastilho de desbocada e canhestra proposta os jornais dão o relevo da
insensatez e da abjecção que definitivamente nos enodoa, para mais com direito
a fotografia em primeira página: ”MÁRIO SOARES Ex-Presidente da República: “Acho
que estes senhores têm de ser julgados depois de saírem do poder”
(DN, 13/10).
Leiamos, antes,
a “Página Histórica” de Pulido Valente - “O 5 de Outubro”:
«Este é
o primeiro ou segundo ano em que não se comemora o “5 de Outubro”. Mas nunca a “estranha”
queda da Monarquia foi tão importante para compreender a política portuguesa. A
origem dessa queda começou na degradação dos partidos do regime (o Partido
Regenerador e o Partido Progressista), que pouco a pouco se dividiram em
quadrilhas (cada uma com o seu chefe ou “marechal”) e se combateram ferozmente
com a prestante ajuda dos revolucionários republicanos. A história começou com
o vexame diplomático do “Ultimato Inglês”, continuou com sucessivas crises
financeiras de 1890 a 1902, para acabar no assassinato de D. Carlos em 1908 e no caos que ele
necessariamente provocou. Durante vinte anos, nem os regeneradores, nem os
progressistas se conseguiram entender para fortalecer a Monarquia de que, afinal
de contas, a sua própria sobrevivência dependia.
Desde o
princípio (1890-1891) explodiram querelas no Partido Regenerador entre os três candidatos,
que persistentemente se acusavam e caluniavam para chegar à chefia absoluta,
que, supunham eles, lhes garantia um poder quase ilimitado sobre o país: João
Franco, Hintze Ribeiro e Júlio de Vilhena. Mas depois da morte do rei,
apareceram outros. João Franco chegou mesmo a uma cisão definitiva, criando o
Partido Regenerador-Liberal, a que a “inteligência” portuguesa aderiu
entusiasticamente. Um pouco mais tarde, José Maria Alpoim também se resolveu
separar do Partido Progressista e fundou a “Dissidência Progressista”, famosa
pela sua Radical falta de escrúpulos.
D.
Carlos, que percebia os perigos da situação, ainda tentou reorganizar o sistema
partidário, com a ajuda de Franco e dos regeneradores-liberais. Infelizmente
era tarde para um exercício tão profundo e duro. Ele foi mesmo morto no
Terreiro do Paço e Franco exilado. O desprezo que os portugueses tinham pela
política, e muito particularmente pelos partidos, fez com que não mexessem um
dedo para pôr alguma ordem e seriedade na política e, no “5 de Outubro”, para
defender o regime da insurreição republicana. Basta dizer que no exílio (e
tirando meia dúzia de obstinados), nem o rei D. Manuel queria voltar a
Portugal. Embora odiassem a República, a classe média e grande parte da
população não a tencionavam trocar por um regresso à vida velha; e até se
divertiam a observar a humildade dos seus depenados senhores.»
E assim,
depenar e penar são parte integrante dos nossos genes, com o folguedo do povo
que assim se ilustra, pelo ouvir dizer burlesco e mal-intencionado, de
preferência à maçadoria do estudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário