Apetece
comentar o texto do Dr. César das Neves, publicado no blog “A Bem da Nação” com
uma frase de fé, destinada a designar uma verdade que todos sabem sem réplica,
mas que a maioria, por farisaísmo de conveniência, contestará, indiferente à imagem
nossa de uma gulodice anterior, que se propõe progredir na continuação do
sorvedoiro, sem participar na fabricação do bolo da sua mastigação. É a frase
introdutória do Evangelho de S. João “No princípio era o Verbo e o Verbo era
Deus”, passe a heresia do paralelo.
As verdades
que no texto vão ditas deviam ser aceites humildemente , como afirmações da
nossa culpa e orientação de mudança. Mas
a palração dos sabedores prova que, se a “palavra de Deus” pouca fidelidade
merece hoje, menos seguidismo encontrarão os dizeres da sensatez, embora sejam
também os da verdade – do texto seguinte, de César das Neves. Resta-nos a
possibilidade democrática da concordância:
«DEPOIS LOGO SE VÊ»
«Dizem por
aí que não há alternativa à austeridade. Isto é uma das poucas coisas que
irritam quase tanto quanto a austeridade. Para tanta gente que está certa de
que o problema nacional é a política do Governo, afirmar-se que ela não tem
alternativa parece uma tolice. Então e os múltiplos opositores, não seriam eles
capazes de encontrar opções?
Na
economia, como na vida, existem sempre alternativas. Dizer que algo não tem
saída é apenas mostrar a própria ignorância. A dificuldade não está em achar
outros caminhos; o que é raro é que sejam melhores do que os que temos. Aí,
dizem os críticos, a resposta é óbvia: dado este ser tão mau, qualquer outro é
preferível. Mas afirmar isto é mostrar a própria ignorância. Porque, se não há
situações sem alternativa, em muitas circunstâncias más é habitual todas as
variantes serem piores.
Para avançar
no raciocínio é importante começar por limpar o terreno, precisamente o oposto
do que fazem os que dizem ter alternativas. Nos debates sobre a situação
nacional abundam os enganos e contradições, dramatizações e zangas, golpes de
teatro e interesses escondidos, que ocultam, distorcem, tapam e obscurecem as
argumentações. Antes de identificar as hipóteses é importante estabelecer
limites óbvios.
Portugal
pretende continuar a ser um país respeitável, cumpridor dos tratados e
responsabilidades internacionais. Mesmo que, como dizem tantos, a Europa esteja
mal concebida ou os nossos parceiros sejam perversos e oportunistas, romper com
eles traria custos enormes. Qualquer solução que implicasse a perda do nosso
estatuto externo destruiria os canais económicos, agravando muito a conjuntura
nacional, pelo menos no curto prazo, certamente por muito tempo. Casos do Irão,
Argentina, Grécia, vêm à mente.
Esta simples consideração,
óbvia e linear, chega para invalidar grande parte das supostas alternativas.
Repudiar a dívida, sair do euro ou da Europa, por muitos benefícios imediatos
que trouxessem (e os que se enunciam são bastante ilusórios) teriam
consequências históricas que poucos, para lá dos seus autores, quereriam
suportar.
Se este
grupo de propostas arrisca a identidade nacional, boa parte das restantes faz
batota, modificando subtilmente a questão.
Reestruturar ou mutualizar a
dívida, rever prazos ou condições, implicaria sempre a boa vontade dos
credores. Ora isso é algo que um endividado, sobretudo com facturas tão antigas
e pesadas, nunca pode garantir. Os que elaboram essas alternativas podem ter
muita razão nas suas opiniões, sugerindo que dando tempo para a economia
recuperar todos ganhariam ou que a Europa funcionaria melhor com mecanismos de
solidariedade financeira. Mas não é esse o nosso problema. Nem estamos
propriamente em condições de dar conselhos. Só ganharíamos credibilidade se nos
mostrássemos empenhados em cumprir pontualmente as obrigações, que é
precisamente aquilo que se quer evitar com tais conselhos.
São bem
evidentes os enormes custos do caminho que percorremos. Esse terrível
sofrimento foi previsto pelos muitos estudos e opiniões que nos últimos vinte
anos avisaram que a trajectória portuguesa acabaria mal. Os erros foram vastos
e pesados, e as consequências inevitáveis. Opções fáceis há muito que não
existem. Acima de tudo porque o nosso verdadeiro problema é continuarmos ainda
hoje, e depois de tantos esforços, a gastar mais do que produzimos. Isso
chama-se "défice" e, mesmo que a dívida fosse perdoada, exigiria
sempre fortes apertos, aliás bastante parecidos com o que Governo e troika
impõem. Quem fala em soluções milagrosas, e alguns desses detinham o poder nos
anos de delírio, só o faz porque oculta cuidadosamente os contornos da situação,
acenando com hipóteses fabulosas.
Aliás, em
geral nem as soluções míticas se dignam apresentar. A verdade é que a
esmagadora maioria dos que repudiam a via que trilhamos acha que a sua justa
fúria os dispensa de apresentar alternativas. Domina a ideia de "a troika
que se lixe e depois logo se vê". Atitude bem portuguesa, que nos trouxe à
crise.»
14 de Outubro de 2013
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