sábado, 19 de outubro de 2013

Pacotes, paquetes…



Foi a respeito do novo pacote orçamental, desfavorecedor do nosso repoltrear nas cadeiras do nosso bem-estar – que ainda as há bastantes, cadeiras ou mesmo poltronas, para as tagarelices sobre o nosso mal-estar social. Vejo-o nas filas intermináveis de carros para Lisboa, mesmo às dez horas da manhã, que logo atrai o nosso comentário sobre o cumprimento da pontualidade e do rigor nos horários e a improvável eficiência no trabalho; vejo-o nas bichas de carrinhos de compras a abarrotar, nos supermercados; vejo-o nos cafés das esplanadas, onde também me sento a ler ou a parolar, com a minha amiga, sobre os desencantos e os encantos da vida.

Foi, pois, a respeito do tal pacote e ainda das altivas explosões de José Eduardo dos Santos sobre as difamações feitas pelas elites corruptas portuguesas ao regime angolano de elites também corruptas, conta-se, (e Henrique Raposo o expõe com os exemplos da sua seriedade), embora o presidente angolano tenha ignorado regiamente a parangona social no respeitante ao seu país, aquando da questão das parcerias anteriormente assinadas, limitado à demonstração cortante do seu majestoso poder sobre a eliminação das mesmas.

Foi a respeito desses eventos da nossa exaltação nacional, que escutei os seguintes dizeres do Dr. Mário Soares, patrioticamente incomodado com os desmandos de agora: “Mas estes tipos acham que se pode fazer tudo e não se demitir?” – esta, a respeito, salvo erro, do pedido de desculpas do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, ao governo de Angola. Custou-me, sobretudo, a inábil expressão gramatical do seu pueril desespero. Outra foi que, “Como não há Justiça em Portugal, todos roubaram mas ninguém os julgou. Porque é que o Presidente da República não é julgado?” Creio que se referia ao Dr. Cavaco Silva, que já foi seu concorrente e continua, por ser mais jovem, o que deve afligir o Dr. Mário Soares, chamado novamente à liça, como forcado protegido, a enfrentar os cornos do touro, pelos que desejam aniquilar depressa Governo e País, e se ficam por trás do touro, à espera de o ver encurralado.

Refiro estes dados da nossa miséria, já depois de ler mais um texto acusatório de Vasco Pulido Valente sobre as inépcias de Passos Coelho e de Paulo Portas, como vendedores de banha de cobra, comparados a um Oliveira de Figueira, português  subserviente e prestável nas histórias do Tintim. Trata-se do artigo do Público de 12 de Outubro “Prodigalidade e improvisação”, escrito com bastante acrimónia, provavelmente com bastante razão, como todos os que malham unilateralmente, sem terem em conta não só os palpos de aranha na meada de nós cegos já antigos que ambos vão forcejando por desfazer, paquetes aos tropeções, mas calando igualmente as anomalias dos que, nos bastidores actuais, vão jogando safadezas e mais safadezas de mais nós cegos para a teia.

De um velho livro arrumado numa velha mala de livros do meu pai – “Monárquicos e Republicanos”, de Francisco Manuel Homem-Cristo, publicado em 1928, extraio os passos seguintes reveladores e exemplificadores da nossa eterna “divagação” pelas estradas da nossa presença como nação ingovernável. São do final do capítulo V, cujos “prolegómenos” são os seguintes: “Oliveira Martins, o da “Vida Nova”, alvitra, como os da “Vida Velha”, que seja expulso do trono o rei D. Luís. Continua-se a demonstrar a falta de sinceridade e de probidade com que o rei era combatido”:

«Sem dúvida D. Luís era um homem dissoluto. Mas mais dissoluto era o seu próximo parente, o rei dos belgas. Mas mais dissoluto era um outro seu próximo parente, aquele que veio a ser na história o grande rei Eduardo VII. E nem por isso a Bélgica deixou de progredir, e de progredir imenso, a  Inglaterra de continuar a ser uma grande nação, coagindo, pela necessidade e o exemplo, o príncipe dissoluto a ser um grande soberano.

D. Luís tinha defeitos. Graves defeitos tinha seu filho. Mas ambos eles tinham, a par, grandes qualidades. Ambos eles teriam sido, num povo organizado e educado, dois belos reis constitucionais.

O que matava e mata Portugal, monarquia e república, era e é a sua velha desorganização, a sua velha indisciplina, a sua falta de educação, de preparação para entrar, ovante, na vida moralizadora e trabalhadora da democracia e do progresso. E neste sentido é que uma elite dirigente poderia ter prestado relevantíssimos serviços se o país não houvesse tido a dirigi-lo, invariavelmente, com gregos e troianos, uma récua… de cavalos.»

Hoje a violência panfletária é mais sofisticada, usam-se metáforas retiradas de uma fauna mais distante do homem, como abutres, tubarões, em tom iroso mas reverente, ou de outra fauna mais caseira, como asnos, pavões, em tom desdenhoso que nos exclui a nós, os criadores dos animais da fábula.

O meu pai vibrava com o discurso verrinoso dos poetas como Junqueiro, ou os jornalistas como Homem Cristo, ou os escritores como Ferreira de Castro, Aquilino, Torga…

Provavelmente já não se adaptaria a esta contínua palração dos novos tempos, com que somos bombardeados hoje, na continuação dos seus, dos de Homem-Cristo, dos de José Agostinho de Macedo … É que amava a Pátria, isso sim.

Hoje, amam-se os homens de que falou Cristo, a solidariedade faz parte do nosso mundo, mas também – e sobretudo - para justificarmos as nossas próprias reivindicações de direitos. Se a palavra “Pátria” contasse, de facto, os políticos trabalhariam mais para a prestigiar, apoiando-se, ao invés de se exibirem por meio de tanta crítica e patranha. Leia-se a alegoria criada pelo defensor de D. Miguel, Padre José Agostinho de Macedo em “A Besta Esfolada”:

“Aparecem na grande cena do Mundo certos demagogos, certos revolucionários, que no fundo da sua alma não querem nem Rei, nem Roque, nem Constituição, nem Ordenação, nem forma alguma de Governo que não seja uma tumultuosa e mal entendida Democracia. Como verdadeiros camaleões, tomam sempre diversas cores e diferentes aspectos; dão tombos como as enguias, mas quem olha para elas e para os tombos sempre descobre o rabinho, que se inclina e toma a direcção da água. Inculcam e assoalham planos de reformas, procuram embair os incautos com mudanças e melhoramentos, fazem arear as classes, que a soberba julga ínfimas no Povo, com as nivelações e igualdades diante da lei, detrás da lei, à ilharga da lei…..»  (in “As Grandes Polémicas Portuguesas II”).

Vale a pena ler o resto do excerto para contrariarmos a lei de Lavoisier: Nem tudo se transforma, na Natureza.

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