Foi nos tempos de Santana Lopes como Primeiro Ministro,
há oito ou nove anos já.
Diz-se – é
sentença antiga – que o tempo cura mais que o sal, mas nem sempre isso é
verdadeiro, até porque se diz também que Cronos, que destronou seu pai Ouranós,
foi engolindo os filhos que a esposa Reia lhe dava, com medo de ser por algum
deles destronado, o que aconteceu com o último filho – Zeus – salvo pela mãe, o
qual conseguiu não só destronar o pai como recuperar os irmãos. Mas foi muito
mal feito isso de engolir os filhos, por isso o provérbio sobre o tempo/Cronos
curar, está mais que visto que é falso, pois às vezes mata – embora o sal
também tenha os seus efeitos perniciosos no nosso organismo, segundo afirmação
preocupada do Serviço Mundial da Saúde.
O que se
verifica entre nós é que o tempo agrava. No tempo de Santana Lopes, por
exemplo, a cidade começou a ser plantada de cartazes esclarecedores sobre os
embelezamentos na cidade, julgo que encimados da foto de Santana – segundo o
nosso carinhoso costume de plantar cartazes eleitorais, para criar
postos/postes de trabalho. O meu marido trabalhava na Câmara de Lisboa, fazia
parte da equipa encarregada de recuperar as velhas casas dos tempos pombalinos.
Mas observou que as reformas santanistas também se faziam ao nível dos
interiores, nos gabinetes de trabalho e nas casas de banho que as amigas de Santana
recém colocadas exigiam – e eu costumava
lembrar-lhe que a Jacqueline Kennedy já o fizera na Casa Branca quando
lá se instalou, que serviu de exemplo à nossa classe média elitista na questão
dos arranjos. Também recentemente o Palácio da Justiça mudou de poiso, diz-se
que para um sítio esplêndido com vistas para o Tejo, para amenizar as tarefas
de descodificação dos processos da acumulação prolongada.
Outros muitos
exemplos poderia acrescentar, deste esbanjamento narcisístico que o tempo
acentua, mas o introito já vai excessivo, de apoio às preocupações que Vasco
Pulido Valente revela na sua reflexiva crónica do Público, de 19/10, “A Classe Média de Estado”,
denunciadora de um plano revolucionário sem volta, de “filhos” e “enteados”
abocanhando o “pai” Estado até às entranhas, e fazendo greves
reivindicativas dos direitos adquiridos:
E porque a
longa fila dos pretendentes não parava de aumentar, os governos começaram a
usar artifícios para “colocar” o pessoal que lhes batia à porta. Inventaram
novas funções para um Estado que já não conhecia limites, dividiram e
redividiram os serviços, fundaram com, ligeireza e gozo as centenas de
organismos vaguíssimos, que eram verdadeiros depósitos de empregados sem uso
nem utilidade. E este novo funcionalismo também ajudou à obra: imaginava
constantemente novos cantos da vida portuguesa em que a sua presença lhe
parecia indispensável; e pedia sempre com tenacidade o “espaço” que
imaginariamente lhe faltava e o alargamento dos “quadros”, que achava sempre
estreitos, mas sobretudo impeditivos da felicidade do povo. O “monstro” de que
falava Cavaco foi assim feito (também por ele mesmo).
Da enorme
multidão que trabalha para o Estado trata o seu emprego (que o contribuinte
paga) como uma espécie de rendimento garantido, a que acrescenta vários géneros
de actividade privada ou de negócios. Basta pensar nos médicos, por exemplo, ou
em gente que dirige empresas (muito suas) com os recursos do ministério onde se
instalou. Qualquer abalo sério e racional a
este arranjo iria ameaçar a subsistência a centenas de milhares de
pessoas, que se habituaram a um certo estatuto social e se julgam na perpétua
posse de “direitos” garantidos pela Constituição. Pior ainda: como, de maneira
geral, mandam no PS e no PSD, não lhes faltam meios de impedir que a sua
posição seja definitivamente posta em causa. O Estado que os sirva e eles
fingem que servem o Estado.»
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