quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A moldagem social e o medo, segundo a fantasia

Tem La Fontaine a fábula de um camelo,
Que por ser desconhecido e nada belo
Meteu medo ao primeiro homem que o viu,
Que fugiu,
Mas o segundo dele já se aproximou
E o terceiro não só dele se aproximou
Como a arreata lhe lançou
Para que o transportasse
Nas longas caminhadas do deserto
Para as negociatas do seu prazer,
Ou as passeatas para as Pirâmides de Gizé,
Se não preferisse
Ir lá pelo seu pé,
Ou com outros meios de locomoção
Mais à mão.
Quer isto dizer
Que o tempo torna habitual e acessível
O que primeiro causara estranheza.
Mas o caso seguinte da mesma fábula
- Que ambos são, afinal, exemplos importantes,
Retirados das fábulas de Esopo
E fundidos por La Fontaine
Na mesma fábula “O camelo e os barcos flutuantes -
Mostra que também o encurtamento da distância
Dissipa a aparência
E relativiza a noção das coisas.
É o caso do objecto visto ao longe
Pelos homens de atalaia
Que lhe atribuem a importância,
Não do “Navio Fantasma”
Que trata de amores de tragédia,
Mas dum navio muito poderoso
Mais passível de comédia,
Se não acabar virado
No mar bravo.
Mas na continuação do seu aproximar,
Os homens da atalaia,
Vêem nele, sucessivamente,
Um navio incendiário,
Depois uma barca, um pacote, e, finalmente,
Apenas paus a boiar
No mar indiferente.
E La Fontaine de concluir:
«Conheço muitos homens por esse mundo
A quem a fábula se pode aplicar:
De longe, uma extrema importância,
De perto, pura insignificância.»

 O  visionarismo produz, de facto,
Destes efeitos,
 Provocados por ilusão óptica,
Segundo a distância quilométrica.
Por isso se diz que tudo
É necessário relativizar,
Antes de concluir
Sobre a importância
Do que é muitas vezes
Só aparência.
Não falo, é claro,
Do visionarismo
Dos poetas
E de outros artistas similares
Que bebem os ares
Pela recriação
Segundo a sua imaginação,
Com mais ou menos metáfora,
Anáfora ou aliteração,
Hipérbole ou outro jeito,
Ou mesmo heróis e acções
De extraordinário efeito .
Os homens de quem fala a fábula
São vulgares
Como tu ou como eu
Vêem mais com o sentimento,
Aliado à frustração,
Pois se julgam mal também.
Por isso é que alguns casados
Que se acham malcasados
Pelo enfado do que têm,
Julgam que o que está à distância
Tem muito mais relevância
Para a sua vivência.
Daí a existência
De tanto divórcio actual,
E outras histórias complicadas
Saídas no jornal
Deste nosso mundo paradoxal
Em que o navio-cruzeiro da distância
Mais não é,
Junto às margens paradas,
Do que feixe de paus a boiar
No enxovalho de águas estagnadas.

 

Nenhum comentário: