José Pacheco Pereira diverte-se com o comportamento de um homem surgido no
inesperado de convulsas eleições já passadas, e que culminam num vocábulo esquisito
por ele pronunciado, criando, talvez, expectativas de prodígios sibilinos favorecedores
dos muitos que o veneram, dele esperando algum prodígio salvador, embora os
mais cépticos se engasguem em surpresa sucessiva e no receio do desastre.
Lembrei-me do “Elogio da Loucura” tentando
achar aí alguma possível explicação do fenómeno, dentre as muitas explicações com
que Erasmo foi tentando esclarecer os homens sobre os homens e os deuses
de todos os tempos, movidos pela força da Loucura, que a si própria se
elogia, no seu discurso conceituoso que tanto influenciou os humanos do seu
tempo pela liberdade de pensamento destruidor de falácias, de tanta actualidade
sempre, como se pode comprovar.
Eis alguns passos da obra, que nos levam a ter
esperança, justificados que estão os comportamentos - de uns e de outros, de
Trump incluído:
«ELOGIO DA LOUCURA» - por Erasmo
XXIV: «Quem
é que celebrará ainda a famosa sentença de Platão: “Felizes as Repúblicas em
que imperem os filósofos e em que filosofem os imperadores” Se consultardes a
História, vereis que não houve piores príncipes para as repúblicas do que os
que se ocuparam de filosofia ou de literatura. ….. Como este género de homens
que dedica o seu estudo à sapiência costuma ser infelicíssimo em todas as coisas,
e em particular na sua progénie, penso que a providente Natura impede assim que
mais largamente se propague entre os mortais o mal da sapiência…..»
XXVI: «Aos homens nascidos nas cavernas e nas
florestas, que força os reuniu na cidade, se não a adulação? Nada mais significa
a lira de Anfião e de Orfeu. Quem reuniu na concórdia da cidade a plebe romana,
sempre prestes a extremas violências? Foi um discurso filosófico? De maneira
nenhuma. Foi o ridículo e pueril apólogo do ventre e das outras partes do
corpo. ….. É com estas tolices que se comove essa monstruosa e temível besta, o
povo.»
XLIII: «Se, como vimos, a Natura dá a cada mortal a
sua filáucia, também a distribui singularmente por cada nação ou comunidade
cívica. É por isso que os britânicos reivindicam, entre outras famas, a beleza
física, o talento musical e a mesa lauta; os escotos prezam-se de terem títulos
nobiliárquicos, afinidades régias, a argúcia dialéctica; os gauleses jactam-se
de civilizados nos costumes; os parisienses julgam-se os únicos versados nas
ciências teológicas; os italianos consideram-se os primeiros nas belas letras e
na eloquência, e julgam que por terem esse nome são os únicos que não pertencem
aos povos bárbaros. Mas neste género de felicidade a primazia pertence aos
romanos, que sonham jucundissimamente com o esplendor da velha Roma. Os
venezianos põem a sua felicidade na nobreza; os gregos reivindicam o título de
autores das disciplinas, e de herdeiros dos velhos heróis; os turcos essa
aluvião de verdadeiros bárbaros, pretendem ter a melhor religião, e riem dos
cristãos que consideram supersticiosos. Muito mais divertidos estão os judeus
que ainda esperam pelo seu Messias, e que ainda hoje veneram o seu Moisés; os
espanhóis não concedem a ninguém a glória bélica; os alemães comprazem-se com a
sua robustez e com os seus conhecimentos de magia».
LXVII- … Deste modo encontrar-se-á fora de si o homem
inteiro, e a única razão da felicidade futura será a submissão ao sumo Bem, que
tudo atrai a si….
Os que tiveram o raro privilégio de tais sentimentos
sofrem de qualquer coisa de semelhante à demência; falam sem bastante
coerência, sem modo humano, pronunciam palavras sem sentido, e subitamente
transformam todo o aspecto do rosto. Ora alacres, ora tristes, ora
lacrimejando, ora sorrindo, ora suspirando, estão verdadeiramente fora de si. Quando
regressam a si, não sabem dizer onde estiveram, se no corpo ou fora do corpo,
se vigilantes ou dormentes. Que viram? Que disseram? Que fizeram? Não se
lembram, tudo se passou como entre nuvens, como num sonho. Deploram ter voltado
a si e nada mais desejam do que a perpétua insânia….»
Opinião
Covfefe
– o gerador de patetice
Há várias razões para
achar que Donald Trump não está muito bem da cabeça.
Público, 3 de Junho de
2017
O
presidente Trump publicou uma nota no Twitter que começa a atacar a comunicação
social e depois acaba abruptamente com uma palavra que ninguém sabe o que
significa, ninguém sabe como se pronuncia e ninguém sabe, sequer, se é uma
palavra: “Covfefe.” Há uma explicação simples para o que aconteceu, mas com
Trump não há explicações simples, só simplistas ou irracionais, ou seja,
não-explicações. A explicação simples é que ele se enganou e queria escrever
outra palavra qualquer e como era de noite e devia estar cansado ou adormeceu
ou mandou para o éter o tweet sem o verificar e foi à sua vida, cuja eu não
quero de todo saber qual foi. Erros de ortografia, lexicais e outros são comuns
nos seus tweets, por isso não é novidade a falta de cuidado com que os escreve.
Acontece
que, quando toda a gente se interrogava sobre o que é que significava
“covfefe”, com literalmente centenas de milhares de mensagens, consultas a
dicionários, procuras na Internet, e perplexidade geral, ele, de novo a horas
impróprias, retirou o tweet original e substituiu-o por outro: “Quem é que é
capaz de descobrir qual o verdadeiro significado de ‘covfefe’??? Divirtam-se!!”
Na versão do tradutor do Google, tão apropriada na asneira que é o ideal para
“traduzir” Trump, fica assim: “Quem pode descobrir o verdadeiro significado de
“covore”??? Apreciar!” “Covore”? O que é “covore”? Agora já temos duas
“palavras” enigmáticas. A Google está feita com o Trump.
Claro
que eu me interrogo sobre quanto tempo Trump nos faz gastar para perceber o que
é “covfefe”, que ele reafirma ser uma palavra com “significado” e o pobre do
Sean Spicer teve de explicar que o “Presidente e o seu círculo mais próximo”
sabiam muito bem o que era “covfefe���.
Ele, apesar de ser o porta-voz do Presidente, não sabe o que é, visto que teve
de fugir de cena com os gritos dos jornalistas a perguntar-lhe o que é que
significava. Sim, tenho imensa sensação de tempo perdido — e de artigo perdido,
visto que estou a escrever sobre isso — com este “covfefe”, que é uma espécie
de gerador de patetice que nos faz também ser patetas. Mas, que raio, ou à
Trump, QUE RAIO!!!, ele é Presidente dos EUA e o que diz e o que escreve tem
sempre enorme importância, visto que o faz com os mesmos dedinhos com que pode
digitar os códigos nucleares. E se ele estiver doido?
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