sexta-feira, 9 de junho de 2017

Uma pesada achega interpretativa



José Pacheco Pereira diverte-se com o comportamento de um homem surgido no inesperado de convulsas eleições já passadas, e que culminam num vocábulo esquisito por ele pronunciado, criando, talvez, expectativas de prodígios sibilinos favorecedores dos muitos que o veneram, dele esperando algum prodígio salvador, embora os mais cépticos se engasguem em surpresa sucessiva e no receio do desastre.
Lembrei-me do “Elogio da Loucura” tentando achar aí alguma possível explicação do fenómeno, dentre as muitas explicações com que Erasmo foi tentando esclarecer os homens sobre os homens e os deuses de todos os tempos, movidos pela força da Loucura, que a si própria se elogia, no seu discurso conceituoso que tanto influenciou os humanos do seu tempo pela liberdade de pensamento destruidor de falácias, de tanta actualidade sempre, como se pode comprovar.
Eis alguns passos da obra, que nos levam a ter esperança, justificados que estão os comportamentos - de uns e de outros, de Trump incluído:

«ELOGIO DA LOUCURA» - por Erasmo
XXIV: «Quem é que celebrará ainda a famosa sentença de Platão: “Felizes as Repúblicas em que imperem os filósofos e em que filosofem os imperadores” Se consultardes a História, vereis que não houve piores príncipes para as repúblicas do que os que se ocuparam de filosofia ou de literatura. ….. Como este género de homens que dedica o seu estudo à sapiência costuma ser infelicíssimo em todas as coisas, e em particular na sua progénie, penso que a providente Natura impede assim que mais largamente se propague entre os mortais o mal da sapiência…..»

XXVI: «Aos homens nascidos nas cavernas e nas florestas, que força os reuniu na cidade, se não a adulação? Nada mais significa a lira de Anfião e de Orfeu. Quem reuniu na concórdia da cidade a plebe romana, sempre prestes a extremas violências? Foi um discurso filosófico? De maneira nenhuma. Foi o ridículo e pueril apólogo do ventre e das outras partes do corpo. ….. É com estas tolices que se comove essa monstruosa e temível besta, o povo.»

XLIII: «Se, como vimos, a Natura dá a cada mortal a sua filáucia, também a distribui singularmente por cada nação ou comunidade cívica. É por isso que os britânicos reivindicam, entre outras famas, a beleza física, o talento musical e a mesa lauta; os escotos prezam-se de terem títulos nobiliárquicos, afinidades régias, a argúcia dialéctica; os gauleses jactam-se de civilizados nos costumes; os parisienses julgam-se os únicos versados nas ciências teológicas; os italianos consideram-se os primeiros nas belas letras e na eloquência, e julgam que por terem esse nome são os únicos que não pertencem aos povos bárbaros. Mas neste género de felicidade a primazia pertence aos romanos, que sonham jucundissimamente com o esplendor da velha Roma. Os venezianos põem a sua felicidade na nobreza; os gregos reivindicam o título de autores das disciplinas, e de herdeiros dos velhos heróis; os turcos essa aluvião de verdadeiros bárbaros, pretendem ter a melhor religião, e riem dos cristãos que consideram supersticiosos. Muito mais divertidos estão os judeus que ainda esperam pelo seu Messias, e que ainda hoje veneram o seu Moisés; os espanhóis não concedem a ninguém a glória bélica; os alemães comprazem-se com a sua robustez e com os seus conhecimentos de magia».

LXVII- … Deste modo encontrar-se-á fora de si o homem inteiro, e a única razão da felicidade futura será a submissão ao sumo Bem, que tudo atrai a si….
Os que tiveram o raro privilégio de tais sentimentos sofrem de qualquer coisa de semelhante à demência; falam sem bastante coerência, sem modo humano, pronunciam palavras sem sentido, e subitamente transformam todo o aspecto do rosto. Ora alacres, ora tristes, ora lacrimejando, ora sorrindo, ora suspirando, estão verdadeiramente fora de si. Quando regressam a si, não sabem dizer onde estiveram, se no corpo ou fora do corpo, se vigilantes ou dormentes. Que viram? Que disseram? Que fizeram? Não se lembram, tudo se passou como entre nuvens, como num sonho. Deploram ter voltado a si e nada mais desejam do que a perpétua insânia….»

Opinião
Covfefe – o gerador de patetice
Há várias razões para achar que Donald Trump não está muito bem da cabeça.
Público, 3 de Junho de 2017
O presidente Trump publicou uma nota no Twitter que começa a atacar a comunicação social e depois acaba abruptamente com uma palavra que ninguém sabe o que significa, ninguém sabe como se pronuncia e ninguém sabe, sequer, se é uma palavra: “Covfefe.” Há uma explicação simples para o que aconteceu, mas com Trump não há explicações simples, só simplistas ou irracionais, ou seja, não-explicações. A explicação simples é que ele se enganou e queria escrever outra palavra qualquer e como era de noite e devia estar cansado ou adormeceu ou mandou para o éter o tweet sem o verificar e foi à sua vida, cuja eu não quero de todo saber qual foi. Erros de ortografia, lexicais e outros são comuns nos seus tweets, por isso não é novidade a falta de cuidado com que os escreve.
Acontece que, quando toda a gente se interrogava sobre o que é que significava “covfefe”, com literalmente centenas de milhares de mensagens, consultas a dicionários, procuras na Internet, e perplexidade geral, ele, de novo a horas impróprias, retirou o tweet original e substituiu-o por outro: “Quem é que é capaz de descobrir qual o verdadeiro significado de ‘covfefe’??? Divirtam-se!!” Na versão do tradutor do Google, tão apropriada na asneira que é o ideal para “traduzir” Trump, fica assim: “Quem pode descobrir o verdadeiro significado de “covore”??? Apreciar!” “Covore”? O que é “covore”? Agora já temos duas “palavras” enigmáticas. A Google está feita com o Trump.
Claro que eu me interrogo sobre quanto tempo Trump nos faz gastar para perceber o que é “covfefe”, que ele reafirma ser uma palavra com “significado” e o pobre do Sean Spicer teve de explicar que o “Presidente e o seu círculo mais próximo” sabiam muito bem o que era “covfefe���. Ele, apesar de ser o porta-voz do Presidente, não sabe o que é, visto que teve de fugir de cena com os gritos dos jornalistas a perguntar-lhe o que é que significava. Sim, tenho imensa sensação de tempo perdido — e de artigo perdido, visto que estou a escrever sobre isso — com este “covfefe”, que é uma espécie de gerador de patetice que nos faz também ser patetas. Mas, que raio, ou à Trump, QUE RAIO!!!, ele é Presidente dos EUA e o que diz e o que escreve tem sempre enorme importância, visto que o faz com os mesmos dedinhos com que pode digitar os códigos nucleares. E se ele estiver doido?

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