quarta-feira, 21 de junho de 2017

O previsível também é tramado


Fora, na Europa, as coisas vão-se acertando, a Alemanha com Merkel construindo o seu futuro próximo, em bases de autoridade feita de estabilidade, Macron igualmente preciso e decidido, numa de cooperação com Berlim para estabelecer 0s alicerces de um novo eixo de poder, até ver, com os satélites em vénia. Isto e muito mais foi o que sublinhou Teresa de Sousa. Aguardemos confiantes. Vicente Jorge Silva não parece ainda tão confortável, citando as coisas imprevisíveis que aconteceram, caso do Brexit, por jogos inesperados entre trabalhistas e conservadores com chefias deficientes, caso da eleição de um Trump desarticulado em atabalhoada autogeringonça, caso da inesperada vitória de Macron e cá por casa a eleição da nossa própria geringonça. Vicente Jorge Silva aguarda desconfiado, e nós com ele, embora Teresa de Sousa pareça optimista. Eu lembro-me sempre da inefável Capuchinho Vermelho a interrogar o Lobo Feroz sobre a enormidade do tamanho dos olhos, do nariz e da boca do Lobo Feroz e recordo outros passados em que as grandes potências nunca se fartavam de poder, em formas de demonstração perfeitamente imprevisíveis. De facto, o imprevisível sempre acompanhou a evolução e nem vale a pena sofrermos por antecipação. Quanto a nós, portugueses, é o previsível que faz sofrer, nesta inércia de solução dos problemas, todos os anos castigados por incêndios que se prevêem e não se atalham nunca, outros valores, provavelmente, surgindo como instituição da nossa mediocridade ambiciosa e impunível. Mas temos sempre, consoladoras, a presença e as palavras medidas do nosso PR, que nada resolvem mas que dão conforto. Diz-se. Há quem fale em vazio.  Ou em asco. Ou em sina, mais ao nosso jeito temperamental, coitadinhos.

ANÁLISE
As palavras de Merkel e o pragmatismo de Macron
Teresa de Sousa
29 de Maio de 2017
1. Angela Merkel mede sempre as palavras. Aquelas que proferiu no domingo, em Munique, não foram excepção. Chegaram, no entanto, para provocar uma pequena tempestade. Quando disse que a Europa não pode continuar a depender dos EUA, acrescentou um “completamente”. Vinha de uma cimeira da NATO e outra do G7 que foram a estreia de Donald Trump na casa dos seus aliados europeus e que correram bastante mal. Ficar em silêncio não era uma opção. Está em campanha eleitoral. Mas a conclusão do seu raciocínio não podia ser mais clara: “A Europa tem de tomar o seu destino nas próprias mãos”. Para quem tivesse dúvidas, Donald Trump encarregou-se de demonstrar em Bruxelas e em Taormina que há, de facto, uma ruptura na sua política externa em relação à aliança transatlântica e à integração europeia. Não vale a pena ficar à espera que venha a evoluir para posições mais consensuais. Se quisesse, tê-lo-ia feito em Bruxelas e fez precisamente o contrário.
Segunda-feira, o porta-voz da chanceler tratou de fazer alguns esclarecimentos sobre as suas palavras em Munique, lembrando que ela continua a ser uma “atlantista profundamente convicta”. Merkel sempre valorizou a relação transatlântica, que é um pilar da política externa alemã desde o pós-guerra, mas também porque vinha do Leste e sabia por experiência própria o papel dos EUA na libertação do domínio soviético. Mesmo assim, os seus primeiros anos de mandato não foram propriamente exemplares no que diz respeito à segurança europeia e às suas relações com o mundo. Viu o poder da Alemanha como decorrente da sua força económica e levou tempo demais a compreender que a falência da Grécia e a crise da dívida ameaçavam directamente o euro. Quando, em 2011, o Conselho de Segurança votou a intervenção na Líbia, absteve-se ao lado da China e da Rússia. Quando Hollande interveio no Mali, deixou entender que não estava disponível para financiar as guerras da França. Mudou radicalmente com a crise ucraniana. Percebeu que o terrorismo e a Síria diziam respeito à Europa. Hoje, dá apoio logístico às operações militares dos EUA e dos aliados europeus contra o Daesh. A referência que Merkel fez ao Reino Unido no mesmo discurso quis dizer apenas que o "Brexit" terá consequências. Londres já veio dizer que a Europa pode contar com o Reino Unido em matéria de defesa. A primeira-ministra britânica está na posição insustentável de querer utilizar a América como uma alternativa à Europa e, ao mesmo tempo, mostrar aos europeus que precisam do seu país para uma defesa credível. Arrisca-se a perder nos dois tabuleiros.
2.A defesa europeia já subiu na lista de prioridades da União. A Alemanha e a França querem um comando operacional em Bruxelas para operações apenas europeias e tudo indica que vão lançar uma “cooperação estruturada” (prevista no Tratado de Lisboa) para a segurança e defesa com os países que quiserem avançar neste sentido. Já têm o aval da Espanha e da Itália e dos países de tradição atlântica, como Portugal ou a Holanda. Mas é apenas o início de um caminho que será muito longo e que não depende apenas do dinheiro investido. Já não se trata do soft-power, que a Europa pratica em larga escala, desde a ajuda humanitária e ao desenvolvimento às missões de peacekeeping ao serviço da ONU. O problema é outro. A Europa tem sensivelmente o mesmo número de soldados que a América, mas apenas uma pequena parte está em condições operacionais. Apenas a França e o Reino Unido têm capacidade de projecção de forças. E, mesmo assim, dificilmente dispensam o apoio norte-americano. Um exemplo: na Líbia, os navios americanos dispararam centenas de tomahawks para neutralizar a aviação de Kadhafi, antes dos bombardeamentos britânicos e franceses. A questão é saber até que ponto os europeus conseguem definir a sua própria estratégia. Olivier de France (do IRIS de Paris) e Sophia Besh (do Centre for European Reform de Londres) resumiram no siteeuObserver o que está em causa: os europeus têm de começar por um exercício de auto-avaliação (que nunca fizeram) sobre as suas capacidades efectivas, que inclua “a utilização e a projecção de forças, a sustentabilidade, um gasto devidamente planeado, a prontidão e a definição dos sectores onde têm de aumentar o seu hard power.” Os dois autores lembraram também que a Europa precisa de salvar a NATO do Presidente americano.
3. A eleição de Emmanuel Macron pode ajudar a fazer a diferença. O Presidente francês já começou a provar que a França está de regresso à cena internacional, orquestrando aquilo a que Pierre Haski chama de “momento Macron”, com um timing e um simbolismo perfeitos. Almoçou com Trump em Bruxelas, para receber ontem o Presidente russo no Palácio de Versalhes, a pretexto de uma exposição sobre Pedro o Grande, “o czar reformador que há três séculos veio procurar a França a via e os meios da modernidade”, lembra o mesmo analista francês. O tom não foi de cedência mas de pragmatismo. Antes do encontro, Macron tratou de esclarecer que nada ainda mudou para levantar as sanções e resolver a “intervenção” russa na Ucrânia. Depois de almoçar com Trump, disse que se tratou de “uma primeira experiência para ambos e [o Presidente americano] compreendeu o interesse de uma discussão multilateral”. Recusou-se a entrar na lógica dos “seis contra um” no G7. “Não é do nosso interesse”. Com ambos, sublinhou que a sua prioridade é combater o terrorismo.
Trump acabou por funcionar como um sinal de alarme para a Europa, que ninguém pode dizer que não ouviu. Basta que Macron e Merkel estejam à altura do que se espera deles. 

OPINIÃO
A era do imprevisível
Não são apenas a pós-verdade e os «factos alternativos», tão caros a Trump, que estão em voga.
11 de Junho de 2017
Vicente Jorge Silva
Não era previsível que a maioria dos cidadãos do Reino Unido votassem a favor da saída da União Europeia ou que Donald Trump fosse eleito Presidente dos Estados Unidos. Não era previsível que um partido derrotado nas eleições legislativas em Portugal conseguisse um inédito apoio parlamentar dos partidos à sua esquerda para formar Governo, que esse Governo sobrevivesse até hoje, possa completar a legislatura e o partido em questão esteja em condições de alcançar a maioria absoluta nas próximas eleições. Não era previsível que um candidato quase sem historial político ganhasse as presidenciais francesas e que o partido formado com base nessa candidatura se encontre à beira de alcançar o maior número de deputados no Parlamento, renovando radicalmente a paisagem política do país. E não era também previsível que a primeira-ministra britânica, a quem se vaticinava há menos de um mês uma folgada maioria em Westminster, tenha ficado dependente de um partido norte-irlandês para formar um novo Governo e levar por diante – em posição obviamente muito debilitada – a negociação do Brexit com a União Europeia. Não, não era de todo previsível.
Se cada caso é um caso, esta conjugação de imprevisibilidades, de volatilidades, num tão curto espaço de tempo, não deixa de ser perturbante, como se tivéssemos perdido as referências em que nos habituáramos a confiar, desde os instrumentos habituais de previsão e análise – sondagens, estudos de opinião – até à nossa própria percepção da realidade.
Tanto assim é que os próprios actores dos acontecimentos tendem a ser ultrapassados por eles, como vimos em Portugal com a anterior maioria governativa mas, sobretudo, como sucedeu por duas vezes no Reino Unido, com os clamorosos erros de previsão dos líderes conservadores: David Cameron ao apostar no referendo sobre o Brexit, convicto de que a maioria dos britânicos não desejavam sair da União Europeia (UE), ou a sua sucessora Theresa May, acreditando num triunfo eleitoral esmagador sobre os trabalhistas que lhe daria um trunfo decisivo no processo negocial com a Europa.
Pode dizer-se que May foi vítima da sua própria mediocridade política, da sua incoerência de princípios – apoiou, embora frouxamente, Cameron, também ele dúplice, aliás, quanto à permanência do Reino Unido na UE – ou do clima de tensão suscitado pelos atentados terroristas de Manchester e Londres. Mas o processo dos acontecimentos em apenas algumas semanas, contrariando a grande maioria das expectativas e convicções iniciais, mostra como a velocidade de propagação do imprevisível pode provocar um abalo sísmico do que supúnhamos ser as tendências solidamente implantadas da realidade.
Imprevisível, de facto, um líder tão pouco carismático e anacrónico como Jeremy Corbyn – típico representante do velho socialismo britânico de extracção trotskista – ter-se tornado, no tempo de uma campanha que deveria servir para enterrá-lo definitivamente, o emblema da insubordinação face a um remake amadorístico de Thatcher, como é May. As receitas arcaicas de Corbyn, com o regresso ao Estado providência e nacionalizador dos saudosos tempos do Labour, disfarçando o seu jogo duplo sobre o Brexit, acabaram por parecer quase uma ousadia refrescante face ao conservadorismo amorfo e enfatuado de May.
Não são apenas a pós-verdade e os «factos alternativos», tão caros a Trump, que estão em voga. Vivemos também numa era do imprevisível, em que as certezas aparentemente implantadas podem voar em estilhas por força do que nos surge – para o mal ou para o bem – como um sinal de mudança ou novidade. Nada se perde tudo se transforma. 


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