Fora, na Europa, as coisas
vão-se acertando, a Alemanha com Merkel construindo o seu futuro próximo, em
bases de autoridade feita de estabilidade, Macron igualmente preciso e
decidido, numa de cooperação com Berlim para estabelecer 0s alicerces de um
novo eixo de poder, até ver, com os satélites em vénia. Isto e muito mais foi o
que sublinhou Teresa de Sousa. Aguardemos confiantes. Vicente Jorge
Silva não parece ainda tão confortável, citando as coisas imprevisíveis que
aconteceram, caso do Brexit, por jogos inesperados entre trabalhistas e
conservadores com chefias deficientes, caso da eleição de um Trump desarticulado
em atabalhoada autogeringonça, caso da inesperada vitória de Macron e cá por
casa a eleição da nossa própria geringonça. Vicente Jorge Silva aguarda desconfiado,
e nós com ele, embora Teresa de Sousa pareça optimista. Eu lembro-me sempre da
inefável Capuchinho Vermelho a interrogar o Lobo Feroz sobre a enormidade do
tamanho dos olhos, do nariz e da boca do Lobo Feroz e recordo outros passados
em que as grandes potências nunca se fartavam de poder, em formas de
demonstração perfeitamente imprevisíveis. De facto, o imprevisível sempre
acompanhou a evolução e nem vale a pena sofrermos por antecipação. Quanto a
nós, portugueses, é o previsível que faz sofrer, nesta inércia de solução dos
problemas, todos os anos castigados por incêndios que se prevêem e não se
atalham nunca, outros valores, provavelmente, surgindo como instituição da nossa
mediocridade ambiciosa e impunível. Mas temos sempre, consoladoras, a presença
e as palavras medidas do nosso PR, que nada resolvem mas que dão conforto.
Diz-se. Há quem fale em vazio. Ou em
asco. Ou em sina, mais ao nosso jeito temperamental, coitadinhos.
ANÁLISE
As palavras de Merkel e o
pragmatismo de Macron
Teresa de Sousa
29 de Maio de 2017
1.
Angela Merkel mede sempre as palavras. Aquelas que proferiu no domingo,
em Munique, não foram excepção. Chegaram, no entanto, para provocar uma pequena
tempestade. Quando disse que a Europa não pode continuar a depender dos EUA,
acrescentou um “completamente”. Vinha de uma cimeira da NATO e outra do G7
que foram a estreia de Donald Trump na casa dos seus aliados europeus e que
correram bastante mal. Ficar em silêncio não era uma opção. Está em campanha
eleitoral. Mas a conclusão do seu raciocínio não podia ser mais clara: “A Europa tem de tomar o seu
destino nas próprias mãos”. Para quem
tivesse dúvidas, Donald Trump encarregou-se de demonstrar em Bruxelas e em
Taormina que há, de facto, uma ruptura na sua política externa em relação à
aliança transatlântica e à integração europeia.
Não vale a pena ficar à espera que venha a evoluir para posições mais
consensuais. Se quisesse, tê-lo-ia feito em Bruxelas e fez precisamente o
contrário.
Segunda-feira, o porta-voz da chanceler tratou de
fazer alguns esclarecimentos sobre as suas
palavras em Munique, lembrando que ela continua a ser uma “atlantista
profundamente convicta”. Merkel sempre valorizou a
relação transatlântica, que é um pilar da política externa alemã desde o
pós-guerra, mas também porque vinha do Leste e sabia por experiência própria o
papel dos EUA na libertação do domínio soviético. Mesmo assim, os seus
primeiros anos de mandato não foram propriamente exemplares no que diz respeito
à segurança europeia e às suas relações com o mundo. Viu o poder da Alemanha
como decorrente da sua força económica e levou tempo demais a compreender que a
falência da Grécia e a crise da dívida ameaçavam directamente o euro. Quando,
em 2011, o Conselho de Segurança votou a intervenção na Líbia, absteve-se ao
lado da China e da Rússia. Quando Hollande interveio no Mali, deixou
entender que não estava disponível para financiar as guerras da França. Mudou
radicalmente com a crise ucraniana. Percebeu que o terrorismo e a Síria diziam
respeito à Europa. Hoje, dá apoio logístico às operações militares dos EUA e
dos aliados europeus contra o Daesh. A referência que Merkel fez ao
Reino Unido no mesmo discurso quis dizer apenas que o "Brexit" terá
consequências. Londres já veio dizer que a Europa pode contar com o Reino Unido
em matéria de defesa. A primeira-ministra britânica está na posição
insustentável de querer utilizar a América como uma alternativa à Europa e, ao
mesmo tempo, mostrar aos europeus que precisam do seu país para uma defesa
credível. Arrisca-se a perder nos dois tabuleiros.
2.A
defesa europeia já subiu na lista de prioridades da União. A Alemanha e a
França querem um comando operacional em Bruxelas para operações apenas
europeias e tudo indica que vão lançar uma “cooperação estruturada” (prevista
no Tratado de Lisboa) para a segurança e defesa com os países que quiserem
avançar neste sentido. Já têm o aval da Espanha e da Itália e dos países de
tradição atlântica, como Portugal ou a Holanda. Mas é apenas o início de um
caminho que será muito longo e que não depende apenas do dinheiro investido. Já
não se trata do soft-power, que a Europa pratica em larga escala, desde
a ajuda humanitária e ao desenvolvimento às missões de peacekeeping ao
serviço da ONU. O problema é outro. A Europa tem sensivelmente o mesmo
número de soldados que a América, mas apenas uma pequena parte está em
condições operacionais. Apenas a França e o Reino Unido têm capacidade
de projecção de forças. E, mesmo assim, dificilmente dispensam o apoio
norte-americano. Um exemplo: na Líbia, os navios americanos dispararam
centenas de tomahawks para neutralizar a aviação de Kadhafi,
antes dos bombardeamentos britânicos e franceses. A questão é saber até que
ponto os europeus conseguem definir a sua própria estratégia. Olivier de
France (do IRIS de Paris) e Sophia Besh (do Centre for European Reform de
Londres) resumiram no siteeuObserver o que está em
causa: os europeus têm de começar por um exercício de auto-avaliação (que
nunca fizeram) sobre as suas capacidades efectivas, que inclua “a utilização e
a projecção de forças, a sustentabilidade, um gasto devidamente planeado, a
prontidão e a definição dos sectores onde têm de aumentar o seu hard power.” Os
dois autores lembraram também que a Europa precisa de salvar a NATO do
Presidente americano.
3.
A eleição de Emmanuel Macron pode ajudar a fazer a diferença. O Presidente
francês já começou a provar que a França está de regresso à cena internacional,
orquestrando aquilo a que Pierre Haski chama de “momento Macron”, com
um timing e
um simbolismo perfeitos. Almoçou com Trump em Bruxelas, para receber ontem o Presidente
russo no Palácio de Versalhes, a pretexto de
uma exposição sobre Pedro o Grande, “o czar reformador que há três séculos veio
procurar a França a via e os meios da modernidade”, lembra o mesmo analista
francês. O tom não foi de cedência mas de pragmatismo.
Antes do encontro, Macron tratou de esclarecer que nada ainda mudou para
levantar as sanções e resolver a “intervenção” russa na Ucrânia. Depois de
almoçar com Trump, disse que se tratou de “uma primeira experiência para ambos
e [o Presidente americano] compreendeu o interesse de uma discussão
multilateral”. Recusou-se a entrar na lógica dos “seis contra um” no G7.
“Não é do nosso interesse”. Com ambos, sublinhou que a sua prioridade é
combater o terrorismo.
Trump acabou por
funcionar como um sinal de alarme para a Europa, que ninguém pode dizer que não
ouviu. Basta que Macron e Merkel estejam à altura do que se espera deles.
OPINIÃO
A era do imprevisível
Não
são apenas a pós-verdade e os «factos alternativos», tão caros a Trump, que
estão em voga.
11 de Junho de 2017
Vicente Jorge Silva
Não era previsível que a maioria dos cidadãos do Reino Unido
votassem a favor da saída da União Europeia ou que Donald Trump fosse eleito
Presidente dos Estados Unidos. Não era previsível que um partido derrotado nas
eleições legislativas em Portugal conseguisse um inédito apoio parlamentar dos
partidos à sua esquerda para formar Governo, que esse Governo sobrevivesse até
hoje, possa completar a legislatura e o partido em questão esteja em condições
de alcançar a maioria absoluta nas próximas eleições. Não era previsível que um
candidato quase sem historial político ganhasse as presidenciais francesas e
que o partido formado com base nessa candidatura se encontre à beira de
alcançar o maior número de deputados no Parlamento, renovando radicalmente a
paisagem política do país. E não era também previsível que a primeira-ministra
britânica, a quem se vaticinava há menos de um mês uma folgada maioria em
Westminster, tenha ficado dependente de um partido norte-irlandês para formar
um novo Governo e levar por diante – em posição obviamente muito debilitada – a
negociação do Brexit com a União Europeia. Não, não era de todo previsível.
Se cada caso é um caso, esta conjugação de
imprevisibilidades, de volatilidades, num tão curto espaço de tempo, não deixa
de ser perturbante, como se tivéssemos perdido as referências em que nos
habituáramos a confiar, desde os instrumentos habituais de previsão e análise –
sondagens, estudos de opinião – até à nossa própria percepção da realidade.
Tanto assim é que os próprios actores dos
acontecimentos tendem a ser ultrapassados por eles, como vimos em Portugal com
a anterior maioria governativa mas, sobretudo, como sucedeu por duas vezes no
Reino Unido, com os clamorosos erros de previsão dos líderes conservadores: David
Cameron ao apostar no referendo sobre o Brexit, convicto de que a maioria dos
britânicos não desejavam sair da União Europeia (UE), ou a sua sucessora
Theresa May, acreditando num triunfo eleitoral esmagador sobre os trabalhistas
que lhe daria um trunfo decisivo no processo negocial com a Europa.
Pode dizer-se que May foi vítima da sua própria
mediocridade política, da sua incoerência de princípios – apoiou, embora
frouxamente, Cameron, também ele dúplice, aliás, quanto à permanência do Reino
Unido na UE – ou do clima de tensão suscitado pelos atentados terroristas de
Manchester e Londres. Mas o processo dos acontecimentos em apenas algumas semanas,
contrariando a grande maioria das expectativas e convicções iniciais, mostra
como a velocidade de propagação do imprevisível pode provocar um abalo sísmico
do que supúnhamos ser as tendências solidamente implantadas da realidade.
Imprevisível, de facto, um líder tão pouco
carismático e anacrónico como Jeremy Corbyn – típico representante do velho
socialismo britânico de extracção trotskista – ter-se tornado, no tempo de uma
campanha que deveria servir para enterrá-lo definitivamente, o emblema da insubordinação
face a um remake amadorístico de
Thatcher, como é May. As receitas arcaicas de Corbyn, com o regresso ao Estado
providência e nacionalizador dos saudosos tempos do Labour, disfarçando o seu
jogo duplo sobre o Brexit, acabaram por parecer quase uma ousadia refrescante
face ao conservadorismo amorfo e enfatuado de May.
Não são apenas a pós-verdade e os «factos
alternativos», tão caros a Trump, que estão em voga. Vivemos também numa era do
imprevisível, em que as certezas aparentemente implantadas podem voar em
estilhas por força do que nos surge – para o mal ou para o bem – como um sinal
de mudança ou novidade. Nada se perde tudo se transforma.
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