De facto, a imprensa não tem dado muito relevo
ao problema dos portugueses que há muito escolheram a Venezuela como local de
trabalho e de enriquecimento ou apenas de sobrevivência, fora de uma terra que
sempre se revelou madrasta dos seus filhos, numa idiossincrasia específica de
atropelo e discriminação, característica natural de atraso e pequenez que se
nos colou à pele, desde os primórdios, e forçou os mais destemidos
ou ambiciosos a emigrarem em busca de melhor sorte. É natural que os
portugueses da Venezuela sejam alvo de perseguição de muitos venezuelanos
actualmente em luta contra uma ditadura que pareceu ser apetecível, no seu
início, e se revelou extremamente apalhaçada, no deslumbramento orgulhoso e parolo
com que chefes como Hugo Chaves - e hoje Nicolás Maduro - se instalaram no
poder, que a riqueza em petróleo pareceu fortalecer, mas que, como informa
António Barreto, foi reduzido drasticamente nas suas estruturas económicas e
sociais. António Barreto, voz triste de uma pregação experiente, alerta e
aconselha. É preciso apoiar os novos retornados em fuga e não fingir que nada
se passa. E compara com o que aqui já se passou com mais ruído, porque se
tratava, então, de portugueses de terras portuguesas a quem a pátria madrasta
devia apoio, pois que fora a causadora-mor do distúrbio que os forçara a
retornar. E deu apoio, que, todavia, foi recíproco, pois que as gentes enxotadas
do seu habitat, habituadas a outros horizontes mais amplos de luta, trouxeram muito
empenho para a sua sobrevivência por cá, adaptando-se tant bien que mal,
num país ainda não tão destroçado na sua economia, que a República anterior
soubera proteger melhor. Não sei se o mesmo se irá passar com os portugueses
estabelecidos na Venezuela, que encontram agora um país endividado e deficiente
nas suas estruturas, embora indiscutivelmente mais modernizado, mas sem poços
de petróleo que o fortaleçam, apesar de uma Senhora de Fátima a velar por nós.
Veremos o que se vai passar. Entretanto, uma fotografia extraordinária da ponte
sobre o Tejo, que não transponho, transcrevendo, todavia a bela legenda, que
nos mostra - e a António Barreto também - que aqui se trabalha bem, e
não só em engenharia. Também em fotografia.
Caracas
António Barreto
D.N., 4/6/17
O
que se passa na Venezuela é, a todos os títulos, grave. Sob o domínio de uma
ditadura demagógica e populista, um país rico encontra-se falido, dá sinais de
caos e miséria, em permanente revolução e à beira de uma perigosa insurreição.
O seu governo é imprevisível e goza de uma grande tolerância internacional,
talvez por ser uma ditadura esquerdista e tropical, que destruiu, em pouco mais
de quinze anos, um país moderno e em desenvolvimento, apesar de muito desigual.
Os primeiros anos de ditadura serviram para uma radical distribuição de riqueza
e uma diminuição da pobreza, facilitadas pelas receitas do petróleo, cujas
reservas estão entre as mais vastas do mundo. A política americana em relação à
Venezuela pecou várias vezes por interferência. A quebra de proventos com o
petróleo e a política dos governos de Chávez e Maduro são as causas essenciais
da actual desordem.
Há
muitas décadas, os emigrantes portugueses elegeram a Venezuela como um dos
países de destino favoritos. Talvez sejam hoje quase 500 000, ninguém sabe ao
certo, mas este número deve incluir muitos de segunda geração. Parece que
haverá quase 200 000 pessoas inscritas nos consulados. É muita gente. Com a
evolução da situação actual, muitos vão querer regressar a Portugal. Não se
sabe quantos. Mas o país precisa de estar pronto para que regressem muitos.
Mais vale estar preparado a mais do que a menos. A Madeira é a principal origem
de emigrantes para a Venezuela. Será também o principal ponto para retorno.
Já
regressaram à Madeira, em poucos meses, cerca de mil. Ao todo, em dois ou três
anos, perto de quatro mil. Mais de 800 já se inscreveram nos centros de
emprego. Muitos procuram casa. E lugar nas escolas para os filhos. O governo
da República tem a estrita obrigação de fazer tudo e mais alguma coisa. Directamente
e através do governo regional. As instituições europeias têm a obrigação de
apoiar estes refugiados que não podem ser penalizados pelo facto de não serem
africanos ou asiáticos.
Tanto
quanto sei, o governo regional está a fazer o que pode. Se está, muito bem. Mas
deve ser pouco. Tem de ter o apoio do governo da República, assim como das
instituições europeias. Se portugueses regressarem da Venezuela, serão, a
muitos títulos, refugiados. Mais ainda, serão também retornados. Sobre estes, temos
obrigação de saber aquilo de que falamos. Não é possível imaginar que os
portugueses da Venezuela sejam tratados como foram muitos retornados das
colónias, em 1975, nem como muitos refugiados muçulmanos e africanos que hoje
chegam à Europa. Convém não esquecer que não é apenas à Madeira que aqueles
emigrantes estão a regressar, é a Portugal!
O
governo não deve falar alto. Deve estar calado. E ser discreto. E não fazer
demagogia. Mas deve estar pronto e mostrar aos portugueses de lá que está
preparado. O governo não deve fazer barulho a mais sobre este problema. Um
secretário de Estado foi a Caracas e tratou do assunto com cuidado? Muito bem.
Há dispositivos de segurança que começam a estar preparados, para as viagens e
os transportes? Há sistemas prontos a funcionar para a saúde, os cuidados de
emergência, a habitação e as primeiras necessidades? Há cuidados para crianças
e idosos? Há sistemas imaginados para rapidamente ajudar quem pode trabalhar?
Há apoios para apoiar quem quiser criar empresas? Há uma boa articulação, sem
política de permeio, entre o governo da República, o governo regional e as
instituições europeias?
O
facto de a ditadura venezuelana ser de esquerda não deve embaraçar o governo
português. O facto de os portugueses da Venezuela não serem muçulmanos não deve
inibir o governo. Esses mesmos factos não deveriam impedir a imprensa de estar
mais atenta. A discrição, em todo este tema, obriga o governo e as
autoridades, não os privados nem os jornalistas. O que, neste caso, se fizer a
mais, com ruído excessivo e exibicionismo, será criminoso. Tanto como se não se
fizer nada nem o suficiente.
As minhas fotografias
Ponte sobre o Tejo - Começou por ser
de Salazar. Depois foi do 25 de Abril. Mas é sempre a ponte sobre o Tejo!
Demorou menos de quatro anos a construir. Inaugurada em 1966, terminaria seis
meses antes da data prevista. Entre 1996 e 1999, foram feitas as obras que
levaram à construção do segundo tabuleiro, isto é, do caminho-de-ferro. Ao
mesmo tempo, construía-se a nova ponte. A certa altura, um grupo de engenheiros
suíços e alemães veio a Portugal para, segundo uma amiga, "ver essa
formidável ponte que vocês estão a aí fazer...". Dispus-me imediatamente a
conduzir os senhores. Quando chegámos à ponte Vasco da Gama, olharam para mim
com surpresa e riram com vontade. "Esta ponte é muito bonita, mas não tem
nada de especial. Verdadeira proeza foi o que fizeram na ponte de ferro
suspensa, para adaptar ao comboio! Essa, sim, vai ficar na história da
engenharia!". Esta vista não é das mais comuns. Parece uma construção
do Meccano... Será que alguém sabe hoje o que é o Meccano?
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