sexta-feira, 4 de abril de 2014

A Ocidente, os campos das guerras



«Uma lição de coisas» é como  Vasco Pulido Valente intitula o seu artigo do Público de 28/03/2014 , a respeito da confrontação entre a Rússia e o Ocidente sobre a questão ucraniana de que resultou a anexação da Crimeia por aquela potência, que deseja continuar a ser potência, com boas razões para isso. «Uma lição de coisas» ironiza sobre as hipocrisias habilidosas da América e da Europa, fingindo indignação e ameaça por conta da violação de direitos democráticos da Ucrânia à sua independência, mas nos bastidores mantendo os seus jogos de interesses e os salamaleques com uma Rússia consciente da sua importância de séculos, e que por isso não se importa de pôr em risco a paz do mundo. E ironiza uma vez mais também sobre os que querem acreditar que o Ocidente democrático será barreira suficiente contra as perversidades e ambições russas,  provando o contrário.
De facto, a Rússia sabe que tal risco é inexistente, os Estados Unidos, porque já deram por várias vezes o corpo ao manifesto, com eficácia ou sem ela, e acham que já chega de sacrifício, a Europa porque está esfacelada e falida, pelo menos nalguns sítios e também dependente da Rússia, noutros. Além de que as democracias vieram demonstrar que as suas guerras são essencialmente pessoais, guerras de prazer viradas para os jogos de diversão – de pés, sobretudo, embora os de mãos também sejam muito aprazíveis, a começar pelo snooker  - e os outros jogos dos bastidores pessoais, que têm mais a ver com o singrar próprio, integrado numa qualquer malha lucrativa.  Os povos amantes da guerra estão mais confinados às Áfricas e às Ásias endiabradas, onde, por vezes, sobressaem líderes mediáticos, com naufrágios terríficos como consequência, também mediáticos. O  Ocidente presta um auxílio solidário, de preferência, igualmente  mediático, como expressão da sua força. Putin não tem que temer.
«Uma lição de coisas», por Vasco Pulido Valente
«O que a crise da Crimeia claramente deixou ver foi que a América já não é uma potência global.
Qual foi o resultado da suposta “confrontação” entre o Ocidente e a Rússia? A Rússia anexou a Crimeia sem resistência militar ou outra. O Ocidente manifestou com muito cuidado a sua desaprovação. A América retirou o visto a meia dúzia de comparsas de Putin e prometeu à Europa que lhe forneceria gás para a tornar menos “dependente” da Rússia. A Europa e a América também expulsaram a Rússia dos G8, que voltam agora a ser os G7. O resto não passou de uma retórica mansa, para consolo da “opinião” com impulsos alegadamente “democráticos”.
Isto bastou para que “eurófilos” de vária pinta viessem falar do fracasso de Putin, da “aproximação da Europa e da América” e do “isolamento” da Rússia; e a farsa, apoiada pela viagem de Obama a Bruxelas, convenceu quem se quis convencer.
Infelizmente, as coisas são, de maneira geral, ao contrário. Em primeiro lugar, o Ocidente demonstrou ao mundo inteiro que recusa um novo conflito, na Ucrânia ou no pólo Norte: a América porque, ao fim de uma guerra perdida no Iraque e no Afeganistão, o eleitorado está maciçamente contra uma nova aventura; a Europa porque não tem dinheiro, nem poder militar para ameaçar ninguém (Obama até pediu que a França, a Inglaterra e a Alemanha investissem em armamento um pouco mais do que investem hoje). E, em segundo lugar, porque, longe de ficar “isolada”, a Rússia continua, imperturbável, a receber investimento americano, alemão e até francês; e a absorver uma parte vital do que a Alemanha e a Inglaterra exportam. Com ou sem declamações para consumo popular, os negócios não vão ser perturbados.
A Rússia, disse Obama, é uma “potência regional”. Este exemplo de arrogância, e de inconsciência, não muda a realidade. O que a crise da Crimeia claramente deixou ver foi que a América já não é uma potência global. Não admira que a China se aproximasse da Rússia; e que, na África e na Ásia, se fale cada vez com maior insistência na “hipocrisia americana” (para não falar na “hipocrisia europeia”). Como não admira que a sra. Merkel, depois de se aliviar de umas frases pias, se preocupasse sobretudo em defender o interesse económico da Alemanha na Federação Russa. A América e a Europa saíram muito mal da suposta “confrontação” com Putin: sem unidade e sem iniciativa. Pior ainda: tão “apaziguadores” como os velhos de 1930, anunciaram em Bruxelas que reservam a sua verdadeira cólera para o caso de a Rússia persistir numa política de expansão, que Putin, por enquanto, rejeita. Mas que, se a confusão e a irresponsabilidade do Ocidente não acabarem depressa, não rejeitará sempre.

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