Dois artigos de Vasco Pulido Valente que me fizeram recuar, como já tenho feito, a 40 anos antes, em que a minha não direi “pluma”, mas sim “cana”, mais inclinada para o sopro - também não lhe chamarei vergastante mas ligeiro, “dessa cana”, apesar de uma ou outra farpa poder aflorar em ligeiros vergões, causados por rupturas nos canaviais dos tempos. Tempos de “Pedras de Sal” (1974), mas também de “Cravos Roxos” (1981), que incluíram aquele, tempos de “Anuário” (1999), tempos de antanho e de ogano, em que, se não fui repelida também nunca fui bem aceite, no desprezo moderno por quem seguiu sempre uma linha refractária àquilo que Vasco Pulido Valente tão sabiamente define: “Sob a tutela, e com a colaboração, do PC e da extrema-esquerda, o MFA descolonizou, nacionalizou, ajudou a ocupar a terra no Alentejo e no Ribatejo, “saneou”, onde o deixaram, personagens que não lhe pareciam, e às vezes não eram, de confiança, censurou a imprensa e a televisão, prendeu a torto e a direito, sem processo ou mandato, e acabou com uma campanha que se destinava a desprestigiar e a suprimir a Assembleia Constituinte. Em quase tudo, seguiu, letra a letra, o manual de Lenine.” Eis o artigo onde colhi a referência, do Público de 18/4/2014:
«Legitimidades»
«Uma “revolução” (ou um pronunciamento militar) contra
um regime político ilegítimo é, por definição, legítima. Mas dela não deriva
uma legitimidade revolucionária. A legitimidade revolucionária não existe. Não
passa de um poder de facto.
Desde o primeiro momento que os “capitães de Abril”
não perceberam (ou mesmo rejeitaram) esta realidade. Quando saíram à rua, já
traziam um “programa” para Portugal, feito não se sabe por quem e largamente
copiado do programa do PCP. Não viram, ou viram bem de mais, que estavam assim
a substituir a sua vontade à vontade do país. Por outras palavras, que estavam
a criar uma nova ilegitimidade. Isto não os comoveu. Os putativos “valores” da
“revolução” serviram para justificar qualquer espécie de arbítrio ou de
violência.
Sob a tutela, e com a colaboração, do PC e da
extrema-esquerda, o MFA descolonizou, nacionalizou, ajudou a ocupar a terra no
Alentejo e no Ribatejo, “saneou”, onde o deixaram, personagens que não lhe
pareciam, e às vezes não eram, de confiança, censurou a imprensa e a televisão,
prendeu a torto e a direito, sem processo ou mandato, e acabou com uma campanha
que se destinava a desprestigiar e a suprimir a Assembleia Constituinte. Em
quase tudo, seguiu, letra a letra, o manual de Lenine. Quando, em 2014, as
“luminárias” da política, do jornalismo e da cultura e até a dra. Assunção
Esteves, a segunda figura do Estado, se esforçam por manifestar aos “capitães
de Abril” o seu “carinho”, o seu “afecto” e a sua “gratidão”, esquecem que,
entre os primeiros dias do Verão de 1974 e o “25 de Novembro” de 1975, não
existiu em Portugal verdadeira liberdade; e que só oito anos mais tarde os
portugueses conseguiram abolir a tutela militar do Conselho da Revolução.
O coronel Vasco Lourenço e os seus consócios querem
agora falar na Assembleia da República, presumivelmente para defender aquilo a
que chamam “ideais” de Abril, que, na sua douta opinião, o Governo anda por aí
a trair. Sucede que o Governo foi eleito e que nenhum título assiste aos
militares, que se consideram depositários de uma herança hoje desacreditada e
morta, para expender no Parlamento as suas frustrações. Verdade que a fúria
contra a “austeridade” vai tomando formas cada vez mais dúbias. Mas seria
intolerável que a República se comprometesse com um gesto que afectaria
gravemente a sua própria legitimidade.»
Também o artigo “A poeira”, de 20/04/2014, repõe, com amplo saber,
verdades que nos distinguem como um povo que, endeusando figuras gratas aos
paladares dos ambiciosos de mudança, lhes mantém as prerrogativas de mentores
trapalhões e mal intencionados, que nunca amaram o seu país e continuam a
destruí-lo, chamando à liça esses tais dos capitães, que em tempos desprezaram
e agora acarinham num propósito vilmente pueril, que rasteiramente fingimos
ignorar. Eis o texto de Vasco
Pulido Valente:
“A poeira”
«Nunca em Portugal concorreram
tantos partidos a uma eleição. Alguns, como o PPM e a Nova Democracia, são
restos de uma direita morta. Outros vêm de uma extrema-esquerda que se divide e
subdivide, por razões que escapam ao comum dos mortais. Os partidos da direita
não incomodam ninguém. Os partidos da extrema-esquerda, com o seu atávico
fanatismo, vivem num mundo que não existe. Não que deliberadamente escondam a verdade
ao país, mas falam de um futuro impossível contra a evidência mais clara e
comprovada, anunciam políticas que levariam Portugal a uma inconcebível miséria
e alimentam esperanças que levarão inevitavelmente ao desespero. Contra isto
não há nada a opor, excepto a paciência e a consoladora previsão que o
eleitorado os varrerá de cena.
O pior é que, com meia dúzia de excepções, a
extrema-esquerda espalha a intolerância e o ódio em nome da liberdade. Por
enquanto, só verbalmente. Mas nada nos garante que o verbo não se torne em
acção à medida que a crise for durando e que os fracassos se acumularem. Quando
se vê o dr. Mário Soares, com a sua energia do costume, oferecer o seu apoio
aos “capitães de Abril” e à gente inominável que os segue, negando um a um os
princípios que defendeu no PREC e recolhendo à sua volta os pequenos ditadores
que ele nessa altura detestava, o mundo parece virado do avesso. O dr. Soares
não percebe talvez que este tributo que ele presta à irracionalidade e à raiva
oferecem um exemplo e uma justificação a uma extrema-esquerda que provavelmente
não saberá parar a tempo.
Estas desordens passaram também para o PS, onde Seguro
mistura alhos com bugalhos. O “maior partido da oposição”, como ele se descreve
e gosta que lhe chamem, não deu ainda por que em França Hollande, através de
Manuel Valls, é obrigado a engolir, como nos sucedeu aqui, uma versão local do
programa da troika, que durante anos jurou rejeitar. Do PC ao PS e à poeira de
oportunismo e pura estupidez que os rodeia, a esquerda já não é racional. Ganhe
ou não ganhe em 25 de Maio, a sua essencial mendacidade, consciente ou não,
ficará à mostra. Os portugueses compreendem que o dinheiro que hoje nos chega
da Europa e, em pequena parte, dos “mercados”, não chegaria, e não chegará, se
o furor da esquerda e da extrema-esquerda se puder expandir à sua vontade. E,
se por acaso não compreenderem, a realidade não desaparece por isso.»
Para acabar “em beleza”, transcrevo um breve texto de “Pedras
de Sal”, que na altura foi escrito com o humor de quem se sentia mergulhar
num atoleiro – aquele que fomos atravessando nos quarenta anos que nos separam
dessa altura, com homens e mulheres em debandada do antigamente, oportunisticamente
adaptados à mudança, que muitos – os mesmos
que a perpetraram - antevêem agora sem futuro – para melhor apearem o único
governo que mantém firmeza de rectidão e seriedade nas soluções escolhidas:
As Democratas
«As
democratas chiques vão às sedes dos democratas, tal como dantes era chique
ir-se aos chás do Governo Geral. A diferença reside apenas nas luvas e no chá,
de qualidade actual inferior, mas transmissores de um nobre sentido de orgulho
e realização plena
Com
efeito, sentem-se amplamente realizadas ao apelidarem-se de “democratas” coim
os seus maridos ou os seus amigos, desprezam o conceito “démodé” de pátria, e
acham generoso, também como eles, cederem a África aos africanos.
Para
procederem de acordo com esse nobre ideal, fazem as bagagens para levantar nobremente
ferro, mas outras democratas mais destemidas não levantam nada, ansiosas por
virem a usufruir, com os seus maridos ou os seus amigos, as regalias a que têm
jus da parte dos futuros governantes africanos, agradecidos pelo auxílio
inestimável dos democratas generosos.
As
democratas chiques fazem grupinhos com outras também chiques e também
democratas, escutam com reverência insuspeita as africanas e os africanos que
se fartam de dizer coisas sorridentes, desprezam as reacionárias, ou seja, as
não chiques e apenas patriotas ou sensatas . Também adoptam ares intelectuais, pois tão nobres
doutrinas surgiram, sem dúvida alguma, não na camada dos que lutaram alguma vez
(1) mas na camada dos que leram dez ou vinte livros na sua vida de profundo
êxito intelectual, sobretudo manifestado nestes tempos de liberdade de
manifestações.
Eu
fico extasiada a olhá-las, gosto muito das suas aparências, que se vê logo
serem do mais puro democrata, ou seja, do mais puro chiquismo.
(1)
Perdoe-se-me
a ingenuidade da crença, anterior ao 27/7/74*
*Em 27 de Julho de 1974, num discurso justificadamente
classificado de histórico, o general António de Spínola, presidente da
República Portuguesa, reconheceu às populações da Guiné, Angola e Moçambique o
direito à autodeterminação e à independência, declarando-se pronto a iniciar
imediatamente o processo de transferência de poderes. (Internet)
No mesmo livro “Pedras de Sal”
me referi a essa data da seguinte forma:
A Data Histórica
27 DE JULHO DE 1974
FIM DO IMPÉRIO UILTRAMARINO PORTUGUÊS
«DITOSA PÁTRIA QUE TAIS FILHOS TEM!»
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