Viu-se que estavam contentes por
estarem ali. A mostrar-se - como faziam dantes, em que eram figuras mediáticas
- para os meninos de agora, que não sabem história, os conhecerem, como figuras
que marcaram, no processo. Os meninos, que nasceram na liberdade, devida,
aparentemente, a estes - a qual já não conta muito, todavia, porque a têm em
excesso, e qualquer dia ver-se-á até o que eles desejarão para se sentirem
felizes, como desejaram, no seu tempo, estes libertadores, inimigos do governo
da altura – os meninos poderão começar a avaliar os heróis de quem um dia se
desfarão, no cepticismo resultante da consciência das coisas negativas que a
libertação trouxe para eles.
Mas os quatro estavam contentes por
estarem ali, heróis do passado próximo, e sentindo que ainda tinham muito para
dar, sobretudo em orientação política, pois que os jeitos ilocutórios nos
ficaram no sangue, pelo menos desde as “Conversas em Família” de Marcelo
Caetano, que as de Salazar afligiam os opositores da altura, talvez porque não
criou família, tomando a sua pátria como sua família de eleição, o que parecia esmagador
às mentes mais estreitas.
Por isso todos foram nessa do “valeu
a pena”, sobretudo o Dr. Mário Soares que falou desinibidamente na
descolonização, como sempre fizera, aliás, e sem explicar o seu papel na dita. Fez
finca-pé no tema proposto pela SIC – “Valeu a pena?, e dali não saiu – jamais
saiu, aliás, espécie de slogan seu de estimação - e não vinha ali para demitir
o Governo actual, que toda a gente sabe que ele demite por escrito, usualmente.
Pelo menos, foi o que declarou. Também leu uns versos da sua grande amiga
Sophia que muito lutara, com a “pena”, pelo passo da libertação que outros
alcançaram - com a “espada” (associada a cravos rubros), e falou com apreço no General
Ramalho Eanes, que lhe facilitara o caminho, e aos portugueses, em geral, aquando
do 25 de Novembro, por alturas do PREC e dos seus representantes no Governo provisório
– Spínola, Costa Gomes, Vasco Gonçalves, Pinheiro de Azevedo, com Otelo à
cabeça, mas de quem não quiseram falar, pois para todos os efeitos, eram águas
passadas, além de que esses foram provisórios, embora suficientemente aptos
para tramarem as ambições dos reais defensores das liberdades democráticas,
caso Ramalho Eanes, sobretudo, não pusesse travão e ordem nos desmandos de uma
esquerda violadora.
O General Ramalho Eanes agradeceu com
modéstia a referência do Dr. Mário Soares à sua acção em tempos desse PREC, mas
não quis aventurar-se pelos caminhos do passado, não só porque alguns desses intervenientes
já morreram, como porque agora são todos amigos e estes entendem que devem ser
gratos àqueles, deles se lembrando pelo menos nas comemorações de Abril, ou
para acharem aliados contra o Governo - ultrapassada a demanda do 25 de
Novembro que arrumou aqueles, e permitiu o singrar dos três representantes
entrevistados pelo Dr. Pinto Balsemão, com exclusão do Dr. Cavaco Silva que faz
parte dos repudiados, não só por não pertencer ao mesmo naipe social daqueles,
mas porque carrega ainda o cargo que eles já ocuparam, ainda por cima num
Governo que não se fartam de condenar, por ter assumido uma certa dignidade de
actuação, pagando uma dívida que todos permitiram que se fosse avolumando, o
que os desautoriza. Por isso, sobretudo, o atacam.
Mas o General Eanes mostrou-se
preocupado, e bem assim, o Dr. Jorge Sampaio, visivelmente comovido, ao falar
na geração sem esperança que aí vem, forma indirecta de atacar o Governo, mas
achando que sim, que valeu a pena a mudança de rumo.
Lembrei-me do poema de Torga, “Brinquedo”,
para definir o comportamento dos três – quatro – democratas, não que tivessem
bibe ou papagaio, mas, na sua ilusão infinita de corte de cordel para a
liberdade, nenhum deles teve uma lembrança pelo brinquedo-pátria que traíram. Nem
uma referência a um Governo que se esforça por recompor. Muito menos, é claro,
um apontar das próprias responsabilidades no esfacelamento económico em que a
pátria mergulhou. Uns brincalhões, apenas, que fingem esquecer que, se alguns
resultados positivos houve, isso se deveu ao natural desenvolvimento tecnológico
mundial, e no nosso caso concreto, aos dinheiros da ajuda exterior, mais os que
a Nação tinha de reserva. Tudo dilapidado, em nosso proveito – Saúde, Educação,
estradas, edifícios, campos de futebol, muitos veículos e telemóveis, férias de
sonho… Somos felizes. Mas os brinquedos pagam-se. Mesmo as estrelas. Os meninos
de agora ou os próximos, podem não ter mais direito às suas estrelas de papel. E
todos contribuíram para esse desfecho, para o corte do cordel da pátria-mãe.
BRINQUEDO
Foi um sonho que eu
tive:
Era uma grande estrela
de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.
O menino tinha lançado
a estrela
Com ar de quem semeia
uma ilusão;
E a estrela ia subindo,
azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua
mão.
Mas tão alto subiu
Que deixou de ser
estrela de papel.
E o menino, ao vê la
assim, sorriu
E cortou lhe o cordel.
Miguel Torga
Miguel Torga
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