quarta-feira, 16 de abril de 2014

Figurinos da História



Viu-se que estavam contentes por estarem ali. A mostrar-se - como faziam dantes, em que eram figuras mediáticas - para os meninos de agora, que não sabem história, os conhecerem, como figuras que marcaram, no processo. Os meninos, que nasceram na liberdade, devida, aparentemente, a estes - a qual já não conta muito, todavia, porque a têm em excesso, e qualquer dia ver-se-á até o que eles desejarão para se sentirem felizes, como desejaram, no seu tempo, estes libertadores, inimigos do governo da altura – os meninos poderão começar a avaliar os heróis de quem um dia se desfarão, no cepticismo resultante da consciência das coisas negativas que a libertação trouxe para eles.
Mas os quatro estavam contentes por estarem ali, heróis do passado próximo, e sentindo que ainda tinham muito para dar, sobretudo em orientação política, pois que os jeitos ilocutórios nos ficaram no sangue, pelo menos desde as “Conversas em Família” de Marcelo Caetano, que as de Salazar afligiam os opositores da altura, talvez porque não criou família, tomando a sua pátria como sua família de eleição, o que parecia esmagador às mentes mais estreitas.
Por isso todos foram nessa do “valeu a pena”, sobretudo o Dr. Mário Soares que falou desinibidamente na descolonização, como sempre fizera, aliás, e sem explicar o seu papel na dita. Fez finca-pé no tema proposto pela SIC – “Valeu a pena?, e dali não saiu – jamais saiu, aliás, espécie de slogan seu de estimação - e não vinha ali para demitir o Governo actual, que toda a gente sabe que ele demite por escrito, usualmente. Pelo menos, foi o que declarou. Também leu uns versos da sua grande amiga Sophia que muito lutara, com a “pena”, pelo passo da libertação que outros alcançaram - com a “espada” (associada a cravos rubros), e falou com apreço no General Ramalho Eanes, que lhe facilitara o caminho, e aos portugueses, em geral, aquando do 25 de Novembro, por alturas do PREC e dos seus representantes no Governo provisório – Spínola, Costa Gomes, Vasco Gonçalves, Pinheiro de Azevedo, com Otelo à cabeça, mas de quem não quiseram falar, pois para todos os efeitos, eram águas passadas, além de que esses foram provisórios, embora suficientemente aptos para tramarem as ambições dos reais defensores das liberdades democráticas, caso Ramalho Eanes, sobretudo, não pusesse travão e ordem nos desmandos de uma esquerda violadora.
O General Ramalho Eanes agradeceu com modéstia a referência do Dr. Mário Soares à sua acção em tempos desse PREC, mas não quis aventurar-se pelos caminhos do passado, não só porque alguns desses intervenientes já morreram, como porque agora são todos amigos e estes entendem que devem ser gratos àqueles, deles se lembrando pelo menos nas comemorações de Abril, ou para acharem aliados contra o Governo - ultrapassada a demanda do 25 de Novembro que arrumou aqueles, e permitiu o singrar dos três representantes entrevistados pelo Dr. Pinto Balsemão, com exclusão do Dr. Cavaco Silva que faz parte dos repudiados, não só por não pertencer ao mesmo naipe social daqueles, mas porque carrega ainda o cargo que eles já ocuparam, ainda por cima num Governo que não se fartam de condenar, por ter assumido uma certa dignidade de actuação, pagando uma dívida que todos permitiram que se fosse avolumando, o que os desautoriza. Por isso, sobretudo, o atacam.
Mas o General Eanes mostrou-se preocupado, e bem assim, o Dr. Jorge Sampaio, visivelmente comovido, ao falar na geração sem esperança que aí vem, forma indirecta de atacar o Governo, mas achando que sim, que valeu a pena a mudança de rumo.
Lembrei-me do poema de Torga, “Brinquedo”, para definir o comportamento dos três – quatro – democratas, não que tivessem bibe ou papagaio, mas, na sua ilusão infinita de corte de cordel para a liberdade, nenhum deles teve uma lembrança pelo brinquedo-pátria que traíram. Nem uma referência a um Governo que se esforça por recompor. Muito menos, é claro, um apontar das próprias responsabilidades no esfacelamento económico em que a pátria mergulhou. Uns brincalhões, apenas, que fingem esquecer que, se alguns resultados positivos houve, isso se deveu ao natural desenvolvimento tecnológico mundial, e no nosso caso concreto, aos dinheiros da ajuda exterior, mais os que a Nação tinha de reserva. Tudo dilapidado, em nosso proveito – Saúde, Educação, estradas, edifícios, campos de futebol, muitos veículos e telemóveis, férias de sonho… Somos felizes. Mas os brinquedos pagam-se. Mesmo as estrelas. Os meninos de agora ou os próximos, podem não ter mais direito às suas estrelas de papel. E todos contribuíram para esse desfecho, para o corte do cordel da pátria-mãe.
BRINQUEDO
Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê la assim, sorriu
E cortou lhe o cordel.
Miguel Torga

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