domingo, 27 de abril de 2014

Memoriais sem convento




Belas páginas de uma história que por nós passou, para lembrar um 25 de Abril de 74, nos seus objectivos e nas suas transfigurações. Pertencem a António da Cunha Duarte Justo e retiro-as do blog “A Bem da Nação”.
Os seus objectivos eram os dos capitães ledores de uma certa cartilha – os da descolonização imediata e da imediata deposição do regime vigente na altura. Todos – capitães, fugitivos do exército, militares escrevedores de livros sobre o futuro de Portugal e antigos prisioneiros de Caxias ou mesmo de Peniche (onde nascem os amigos) - se alambazaram nesses pratos fortes do “cozido” à portuguesa, mas, face ao atropelamento dos ideais de propriedade, incompatíveis com a nossa economia de courelas próprias, os dentre esses que discordavam dos defensores de reformas agrárias e de ocupações perversas, passaram a combatê-los depois, a partir dos idos de Novembro, em função de um retorno a uma ordem mais comedida e de defesa própria. Mário Soares bem se pode gabar de ter estado nas duas facções - a dos objectivos destruidores e a das transfigurações em proveito próprio e dos acompanhantes amigos – e bem se pode afirmar que agora sobrejaz nele a do retorno à delinquência contida nos ideais abrilinos radicais, para efeitos de novo apeamento governativo. E não é o único. Pegou moda o 25 de Abril na nossa mesa diária, mais do que nunca são evocadas as memórias da gloriosa data pelos nobres sucessores e herdeiros do programa quarentão. O último programa “O Eixo do Mal” foi um desfilar de evocações, pelos da casa, acrescidos de convidados especiais – Helena Roseta, Isabel do Carmo, Ana Gomes, Padre Vaz Pinto entre outros, incluindo um gracioso cantor, Manuel João Vieira, que, em meio das críticas ao Estado Novo e, para não destoar, ao Estado novíssimo, desfibraram as suas memórias desse dia, de jovens ainda vibrando segundo as vibrações familiares, ou, como no caso de Vaz Pinto, apenas segundo as suas de despaisado, outros já com cadastro na Pide e na prisão, como a valente Isabel do Carmo, já mãe de família na altura dos seus combates pela justiça. Mas também os jornais continuam a produzir memórias desse dia, caso do Público deste 25 de Abril, com inúmeros relatos de importância a somar às memórias dos 15 anos de Paula Torres de Carvalho da pág. 72, que tinha “a ideia de que tudo era para sempre”, o que compromete a imagem do rio que flui, segundo a opinião abalizada de Heraclito.
Um chorrilho, que promete não acabar, pois ainda hoje acordei com cantares do Zeca Afonso na rádio, entre os quais “Os Vampiros”, que regressam em força, donde se deduz que o 25 de Abril é para lavar e durar, tal a resistência do pano do seu fabrico.
E é por isso que eu volto também - (que se me desculpe a redundância) - a referir as minhas memórias desse dia memorável, que acho que já relatei, mas que nunca é demais relembrar, como andam todos a fazer, pois se nos colaram à alma como pegajoso grude: a minha amiga Flávia telefonou-me às sete da manhã a contar dum golpe nesse dia, aqui em Lisboa, que apeara Marcelo Caetano do sítio donde governava o país. Mas nem liguei, fui dar as minhas aulas, depois de despachar as crianças segundo as competências de cada uma, os mais velhos nas escolas, os mais novos entregues à Marta e ao Salvador. Mas a partir daí, já ciente dos factos, foi um ver se te avias de escritos breves tendentes a servir de obstáculo ao desabar babélico de espaços e fés, de que saíram “Pedras de Sal”. Em Julho desse ano, o sr. Folques da Livraria com esse nome, embora a medo, não resistiu à minha ânsia de publicar o livro na sua tipografia, cada dia acrescido de sucessivos textos que oneravam o custo inicial, embora o não tenha exigido, ciente da sua e minha loucura que nos livrava da definição de Pessoa, para D. Sebastião, de “besta sadia, etc”. Mas em 8 de Setembro, meu único dia de glória reconhecida, descia eu com a família para o Rádio Clube de Lourenço Marques - que as tropas portuguesas afectas ao regime tinham tomado de assalto e o povo moçambicano apoiava aos milhares, com comida e presença – quando uma colega, de pé com a sua família, num descapotável, me gritou, inflamadamente: “Berta, também lhe devemos isto a si!”. No dia seguinte, 9 de Setembro, foi o desmoronar definitivo da utopia. Um telefonema falou em retaliação e ordens de Lisboa, dando por findo o regabofe da utopia, e início à invasão descolonizadora da Frelimo. Tratei das papeladas para fixação cá, fomos retornados, o marido permanecendo ainda uns  meses lá, a trabalhar e a embalar os trastes dos sonhos desfeitos, para aqui serem reiniciados numa falsa aparência de continuidade, na derrota e  na readaptação.
E o 25 de Abril retorna em força, nos cantos e nas memórias, nas vozes desafiantes que desejam depor o Governo, na puerilidade maquiavélica de alguns, que um povo pueril volta a apoiar, indiferente às contradições desses tais.
Sic transit gloria mundi. Aos solavancos. Excepto a minha, que se apagou no mesmo momento, de conforto unicamente pessoal. Inútil.


«A REVOLUÇÃO COMUNISTA EM PORTUGAL E A CONTRA-REVOLUÇÃO PARTIDÁRIA – 1

«O 25 de Abril é um Marco histórico que introduz uma Matriz de Pensamento de Esquerda
O 25 de Abril é passível de muitas interpretações. Tal como afirma Josep Sánchez Cervelló, o objectivo do 25 de Abril (FMA) era a descolonização e a instauração de um regime socialista em Portugal.
Na madrugada do 25 de Abril de 74, Portugal sonhou e a 25 de Novembro de 75 acordou para uma discussão entre forças radicais e moderadas que impediu uma futura guerra civil entre as forças armadas divididas.
Fernando Rosas diz que a revolução portuguesa «foi a última revolução de esquerda da Europa do século XX». O mesmo povo que possibilitou o início da revolução impediu-a depois.
Do que observei, nos primeiros tempos da revolução poderia afirmar, que o que se passava nas ruas era a expressão de um povo dominado que saia à rua para cantar a liberdade.
Liberdade e libertinagem eram atitudes não claras tanto nos revolucionários como no povo que os aclamava. A festa foi mesmo boa e à maneira portuguesa; mas a liberdade e a desordem eram tão grandes que já assustavam os países vizinhos, numa época de caos e de inovação onde imperava a esquerda e a extrema-esquerda (Fase dos governos provisórios até ao fim do quinto governo de Vasco Gonçalves, 19 de Setembro de 1975). Entretanto Mário Soares servindo-se também do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros para os contactos com o estrangeiro, conseguiu, com o Grupo dos Nove, dar força à contra revolução que incluía também os interesses da burguesia. Durante o VI Governo provisório do 1° ministro Pinheiro de Azevedo e do Presidente Costa Gomes dá-se o golpe militar do 25 de Novembro de 1975 propriamente manejado pelas forças inerentes ao "Grupo dos Nove", as forças moderadas da esquerda e da direita; aqui dá-se o fim dos sonhos da esquerda radical (prisões de militares e desautorização do gonçalvismo e do otelismo). O PCP, Vasco Gonçalves e as forças revolucionárias da esquerda, opta pela luta ideológica do domínio político. Têm uma função de catarse no discurso político. O maquiavelista Mário Soares “ambicioso sem princípios nem convicções” como desabafa Vasco Gonçalves, pôde fortalecer os interesses dos parceiros europeus. Com o apoio dos socialistas franceses, austríacos, do SPD alemão e da CIA americana, conseguiu endireitar a revolução da esquerda radical. A Constituição institucionaliza depois uma democracia partidária. Acaba-se a era dos líderes militares para se iniciar a dos líderes políticos.
Com o começo do 1° Governo Constitucional (sob a chefia de Mário Soares a 23 de Setembro de 1976) inicia-se uma política no sentido da integração europeia, começando por devolver as terras e as casas ocupadas e as empresas nacionalizadas aos seus proprietários. A Europa respira fundo porque vê afastado o perigo de Portugal se tornar numa segunda Cuba.
Ainda me lembra de, na altura, haver expressões públicas contra a Europa, mas a autoridade indiscutível dos partidos conseguiu manter o povo nas suas fileiras, sem referendo tal como se fez com a integração de Portugal na zona euro (Na altura mais que discurso político reinava o discurso ideológico e a generalidade do povo não tinha ideia do que se estava verdadeiramente a passar). O povo teve, porém, papel muito importante, logo no início do 25 de Abril, porque com o seu acorrer às ruas impediu que os militares entrassem em conflito imediato entre eles. A força partidária esteve extremamente presente conseguindo domar à sua maneira, o caos “democrático” de um povo que então se sentia à solta, de ocupação em ocupação. Nesta altura ainda não havia verdadeiramente líderes onde o povo se pudesse alinhar, isso só veio a acontecer com a organização partidária que conseguiu alinhar e chamar a si um povo já de si desalinhado. Cantava-se, então, que o povo é quem mais ordena, o que em parte acontecia até ao 25 de Novembro; este mesmo povo que repetia a cantiga dos revolucionários cantava depois a cantiga dos Partidos organizados.
Aqueles que queriam uma revolução à maneira russa, de Mao Tsé-Tung ou cubana perderam logo nas Eleições para a Constituinte, obtendo a maioria o PS com 37,8% e o PPD com26,3%). O povo optou pela democracia representativa. Depois manteve-se uma discussão extremista e muitas das palavras que se hoje ouvem contra o fascismo são saudades frustradas de um tempo em que a revolução de carácter totalitário foi de facto impedida por Mário Soares e pelas forças inerentes ao grupo dos nove.
Foi um golpe de estado feito pelos capitães e não pela hierarquia militar superior. Decisivo no sentido de impedir a divisão da instituição militar foi a acção dos intermediários António de Spínola e Francisco Costa Gomes, tornados chefes de estado até às eleições presidenciais de 1976. O que temos é fruto da democracia de manifestações de interesses muito embora numa democracia formal.
Muitos, que antes atribuíam todo o bem adquirido ao 25 de Abril, responsabilizam-no agora, fazendo dele um bode expiatório de todo o mal, tal como foi feito outrora com o regime de Salazar. Também houve uma hiperbolização do 25 de Abril como se tudo se devesse a ele e não fosse possível desenvolvimento histórico sem ele e como se não houvesse outros Estados na altura em condições semelhantes às nossas e, apesar de não terem tido revolução, conseguiram acompanhar o desenvolvimento dos tempos.
Os que fizeram a revolução aproveitaram-se dela (vejam-se os partidos e seus membros relevantes que reservaram o amanhecer de Abril para eles e o anoitecer para a maioria); a falta de formação política e cívica que não se pode adquirir só na rua acentuou a dicotomia entre a História e o mito!

«A REVOLUÇÃO COMUNISTA EM PORTUGAL E A CONTRA-REVOLUÇÃO PARTIDÁRIA – 2

«Instalou-se uma Partidocracia

«A política, como “actividade nobre de servir os outros e governar o que é de todos”, tem um senão: é obra de pessoas habituais e votada e criticada por 90% de quem não entende de política nem de governação. Assim, em vez de uma democracia orientada para o povo, como é o caso da Suíça, instalou-se uma partidocracia todo-poderosa e incontrolável.
Torna-se cínica a forma como os nossos democratas falam dos privilégios do clero e da nobreza na Idade Média e se reservam para si privilégios que a plebe democrática não tem. Seria lógico que ganhassem mais mas que estivessem sujeitos aos mesmos direitos e deveres que o normal do cidadão e de instituições sociais. Marinho Pinto, bastonário dos advogados, relata, entre muitos privilégios dos partidos, os seguintes: os partidos políticos estão isentos de IRC, IVA, IMI, imposto de selo, imposto de doações e sucessões, isentos de imposto sob património, de imposto de automóvel, de imposto municipal de transmissão de imóveis, de taxas de justiça e de custas judiciais. “Tudo privilégios adquiridos às escondidas”. Cada voto rende para os partidos 3,1 Euros por ano. O MRPP, devido aos votos recebe mais de 15 mil euros por mês; o PSD vencedor das eleições irá receber entre as últimas eleições e as próximas 38 milhões de euros; o PS vai receber mais de 28 milhões; O CDS/PP 13 milhões; PCP e o VERDE mais de 10 milhões; Bloco de Esquerda mais de 6 milhões; e não parlamentares como PCTP/MRPP mais de 777 mil euros e o Partido dos Animais e da Natureza recebe mais de 730 mil euros.
Além disso os partidos parlamentares receberam mais de 8,3 milhões de euros para as despesas da última campanha eleitoral a dividir entre os partidos segundo os resultados obtidos. Cada grupo parlamentar também terá direito a uma subvenção anual para encargos de assessoria aos deputados no correspondente a cerca de 2.000 euros por cada deputado; a Assembleia da República paga as remunerações dos funcionários dos grupos parlamentares 2 milhões e 550 mil euros por ano; o PS recebe 2milhoes 104mil euros o CDS 1 milhão e 200 mil e o PCP 865 mil euros o bloco de esquerda 631 mil; e os Verde 244 mil euros.
Além dos 24 milhões de Euros ainda há verbas de 18 milhões e 500 mil euros para apoiar as campanhas para a assembleia da república, assembleias legislativas dos Açores e da Madeira parlamento europeu e depois ainda há outra verba para as autárquicas.
Mudança de padrões de pensamento: da matriz de pensamento de direita passou-se para a matriz de pensamento de esquerda
Passaram-se já 40 anos depois do canto de Grândola Vila Morena na Rádio Renascença a 25 de Abril de 1974. Numa altura de crise e em que as conquistas de Abril e os valores da civilização cristã são sistematicamente destruídos por forças da esquerda e da direita, a comemoração da “revolução dos cravos „ pode tornar-se cínica. Canta-se hoje o 25 de Abril como outrora se cantavam as proezas da Constituição de Salazar em 1933. O processo revolucionário caótico interrompido por Mário Soares e pelas forças em torno do “Grupo dos nove” deu origem a outro processo que embora avançado, é escuro e muito mais corrupto que o anterior.
O 25 de Abril deu-se na confusão de forças militares e partidárias continuando ambíguo.
O 25 trouxe-nos a paz e a democracia e direitos sociais e sindicais e criou a plataforma para o progresso em diversos campos contribuindo para o melhor bem-estar das pessoas, especialmente nos sectores da saúde, educação e comunicação mas não conseguiu a suficiente inclusão que entusiasticamente se propunha; pelo contrário fomentou a diferença dos mais ricos e dos mais pobres. Quanto aos pobres manteve-os no assistencialismo, que os mantem a pouco mais que a pão e água.
O alarido em torno da música de Abril conseguiu a grande adesão popular mas não envolveu depois o povo no processo cívico. Há deficiências que se devem à falta de formação política do povo mais configurado para a “res privada” do que para a “res publica”; isto explica-se pela falta de responsabilidade da classe política também ela demasiadamente condicionada por influências de grupos alérgicos à gerência do seu comportamento na praça pública.
A situação em que nos encontramos e o estado de corrupção estatal/partidária é tão grave que não seria responsável um discurso que pretende ajustar contas com a direita ou com a esquerda. Neste sentido, já há muito deveria haver coligações de maiorias governamentais de salvação nacional formadas pelos partidos mais fortes. A palavra de ordem só pode ser de reconciliação, responsabilização e metanoia.
A situação portuguesa não pode ser desintegrada da matriz económica da UE a que nos unimos e que vincula esquerda e direita, como a economia dos USA e da China que não nos deixa produzir artigos concorrentes em termos de preço. A globalização capitalista liberal com a falência dos bancos… e a má administração dos governos levaram Portugal à bancarrota, pondo-o nas mãos dos credores. A riqueza desenfreada de alguns provoca a dessolidarização social do Estado. A nível de infra-estruturas, apesar da crise económica, Portugal é um dos países mais avançados.» (Continua)

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