sexta-feira, 25 de abril de 2014

O fim à vista … ou não




«ACABARAM-SE PAPAS E BOLOS»

«Engodados por sabidões, houve-os então aos molhos que ainda hoje, passados 40 anos, cantam loas como se tudo não tivesse dado para o torto. Mas nós, os pagadores dos vícios assim criados, vemo-los carpirem o fim das papas e dos bolos e só não rimos porque a terapêutica também nos dói. Contudo, não tivemos culpas nos nossos bem humildes cartórios.

E o esforço árduo de alguns face às barricadas para correr com os sabidões só resultou, afinal, na asa livre para que os engodados na ribalta se armassem em heróis nesses idos de há quase 8 lustros e forrassem a tripa depois. Mas nós sempre achámos que mais valia gulosos do que bastardos.

Quem por certo se ri hoje são os sabidinhos, os filhos dos velhos sabidões já finados. Mas nós, os pagadores, continuamos a cumprir a razão de Mazarino quando questionado pelo seu Ministro da Economia, Colbert:

- Há uma quantidade enorme de gente entre os ricos e os pobres, os que trabalham sonhando em vir a enriquecer e temendo ficarem pobres. É a esses que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Esses, quanto mais lhes tirarmos mais eles trabalharão para compensarem o que lhes tirámos. É um reservatório inesgotável.[1]

Sim, a sina que me saiu na rifa foi, pois, idealizada por Mazarino, Cardeal, o que não é trato menor. Mais valera que fosse simples frade com votos de pobreza e me vaticinasse sorte mais leve que esta de ter que pagar os vícios dos gordos e gulosos a quem não há papas nem bolos que saciem. E quando o padeiro e o pasteleiro lhes disseram que tomassem daquilo se quisessem mais fiados e lhes apresentaram a factura, logo eles bradaram «NÃO PAGAMOS!» e fomos mais uma vez nós, os profissionais da pagadoria, chamados ao reforço do cumprimento da nossa sina.

Mas os telejornais não se cansam de lhes dar tempos de antena, de os porem a apregoar o mal que lhes fazemos ao dizermos que NÃO queremos continuar a pagar-lhes as mordomias que eles próprios decretaram em causa própria quando estavam na ribalta.

Entre sabidões, bastardos, blasfemos e gulosos mórbidos, o coração dos eleitores portugueses baloiçou durante anos demais sendo que já não falta muito para que possa de novo optar. Mas eu não quero imaginar que possamos ir parar de novo às mãos dos blasfemos, dos bastardos, dos sabidões ou dos gulosos, todos eles mórbidos.

É que, aplaudidos por todos aqueles que beneficiaram da chuva de guloseimas, o coro de bastardos blasfemos mórbidos sabidões gulosos só cantará afinado se nós, os da pagadoria, não nos dispusermos a confirmar que BASTA! Ou será que os tolos somos nós?

A esperança reside na hipótese de que, idas as papas e os bolos às urtigas, a partir de agora já só se candidatem pessoas de bem.»


Mais uma página de antologia de um homem corajoso – Henrique Salles da Fonseca – saída no seu blog “A Bem da Nação”, historiando os factos da nossa experiência de oito lustros, sujeitos aos engodos de uns quantos – 202 - (reminiscências literatas do número dos Campos Elíseos onde morou Jacinto de Tormes) - no mural de José Pacheco Pereira, publicado no Público de 19 de Abril sob o título “Os rostos dos anos da brasa”, - os tais sabidões que foram proliferando em proveito próprio atirando papas e bolos aos tolos para, espertos que eram, piedosamente se locupletarem à mesa do rei. Desfeita a mesa, já não há papas para ninguém, Salles da Fonseca o explica, com citações de “envergadura” – reveladoras de mentalidades de envergadura – daí, uma dessas ter chegado a cardeal. Mas na sua indignação, Salles da Fonseca revela uma certa falha conclusiva: a crença em “homens de bem” que restam para dirigir a “Barca”. É que, mesmo que os houvesse, os condicionalismos impostos pelos 202 (já acrescidos de muitos múltiplos) seriam tais e tantos que dificilmente poriam solução na crise.  Mas há sempre um Ideal para os homens de bem, mesmo que não seja de cariz romântico como o seguinte, de António Feijó, que Salles da Fonseca não deixará de ler ou de reler com prazer, neste 25 de Abril:

Ideal
Onde moras? Onde moras?
Se adivinhasse onde moras  
Em frente da tua porta,
Olhando a tua janela,
Veria passar as horas,
As minhas últimas horas.
Sem ti a vida que importa?
A vida, nem penso nela...
Veria passar as horas,
As minhas últimas horas,
Em frente da tua porta,
Olhando a tua janela...
Onde moras? Onde moras?
É num castelo roqueiro?
Se é num castelo roqueiro,
Erguido na penedia,
Sobre o rochedo mais alto  
À beira-mar sobranceiro,
Com a minha fantasia
Irei tomá-lo de assalto,
Esse castelo roqueiro,
Erguido na penedia,
Sobre o rochedo mais alto,
À beira-mar sobranceiro...

É nos abismos do mar?
Se é nos abismos do mar,
Sob a múrmura corrente,
No teu leito de amaranto
Irei também descansar,
Ficando perpetuamente
Naquele perpétuo encanto
Do Rei Hárald Horfagar...
No teu leito de amaranto
Irei também descansar,
Naquele perpétuo encanto
Do Rei Hárald Horfagar. 

É numa estrela, ilha de ouro? 
Se é numa estrela, ilha de ouro,  
- A Via-Láctea é uma ponte,
Subirei por ela ao céu...
Para achar o meu tesouro
Não há remoto horizonte,
Nem Sagitário ou Perseu... 
Onde moras? Onde moras? 
Se adivinhasse onde moras
- Em frente da tua porta,
Olhando a tua janela,
Veria passar as horas,
As minhas últimas horas.
Sem ti a vida que importa?
A vida, nem penso nela...
Veria passar as horas,
As minhas últimas horas,
Em frente da tua porta,
Olhando a tua janela
Numa extasiada emoção.
Dize-me pois onde moras,
Se porventura não moras
Dentro do meu coração...




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