É sobre o artigo do Público, SINDICALISMO E CASAS DE BANHO, de João Miguel Tavares, que transcrevo do blog “A bem da
Nação”:
Há realmente uma grande diferença no comportamento do povo
português, o de agora e o de outrora, no que toca a dedicação pela causa
política - entre o que alcandorou o Mestre de Avis ao posto de rei dos
portugueses e o que forceja por destituir o rei posto, que é como quem diz o
ministro lá posto por alguns, no anonimato dos votos, para se posicionar ele –
o povo de agora - e os seus representantes, para as conquistas pessoais, e em
conforto, que incluem os mictórios obrigatórios nos ministérios.´
São páginas admiráveis, as da Crónica de D. João I,
de Fernão Lopes, referentes ao envolvimento do povo em defesa do Mestre de
Avis, aquando do assassínio do conde Andeiro, em que, “soando as vozes do
arroído pela cidade” de que matavam o “Mestre”, o povo, “assi como viúva
que rei não tinha e como se lhe este ficara no lugar de marido, se moveram todos
com mão armada, correndo a pressa pera u deziam que esto se fazia, por lhe
darem vida e escusar morte…” “A gente começou de se juntar a ele (Álvaro Pais,
o arauto da patranha urdida pelos do Mestre), e era tanta que era estranha
cousa de veer. Nom cabiam pelas ruas principais, e atravessavam lugares
escusos, desejando cada um ser o primeiro…”
O mesmo povo que toma resoluções para a escolha do Rei: “Que
fazemos estando? (indecisos) Tomemos este homem por senhor e alcemo-lo
por Rei!”
…“Com taes ditos e outros semelhantes se trabalhavam todos
de mover o Meestre a se nom partir da cidade e ficar no reino por seu defensor;
mas ele se escusava com boas e doces razões, esforçando-os quanto podia com
palavras de conforto, que nenhuns deles receber podiam, nenhuma cousa lhes
outorgando do que lhe em tal feito iam requerer; e eles, nom embargando esto, quantas
vezes o Mestre cavalgava pela vila, era assim acompanhado pelo comum poboo, como
se das mãos dele caísse tesouros que todos ouvesse d’apanhar.
E seguindo-o as gentes com grande prazer, uns lhe tratavam a
rédea da besta, outros das fraldas da vestidura; e bradando todos, deziam altas
vozes que os nom quisesse desemparar, mas ficasse no reino por senhor e
regedor, prometendo-lhe cada um das riquezas e averes que tinham, oferecendo os
corpos aa morte por seu serviço; e ele olhava-os rindo do que deziam; e assi
chegavom com ele ataa onde o Mestre
pousava , e des i (em
seguida) tornavom-se.”
Foi deste povo que defendeu o seu território, que partiram
futuros heróis a desbravar outros mundos. Mas ao povo da Grândola tudo lhe foi
dado de bandeja, ensinando-lhe que ele era rei, na exigência, apenas tinha que
reclamar para si próprio. Terra, pátria,
história não interessavam, nem o respeito. Um “vamos a isto”, que isto é nosso.
A educação não foi nunca prato forte entre nós. Mas havia amor pátrio. Agora há
amor próprio, como “vozes de arroído” na cidade.
«SINDICALISMO E CASAS DE BANHO»
«Um dia
ainda nascerá um sindicalista da CGTP capaz de distinguir um protesto justo e
genuíno de um circo de lamentações.
A CGTP
descobriu recentemente que a forma mais eficaz de marcar reuniões com
secretários de Estado para discutir questões laborais é levar 200 trabalhadores
para a recepção de um ministério e pedir para ser atendido no meio de muitos
gritos, palavras de ordem, cartazes, reforços do contingente policial e câmaras
de televisão.
É certo
que, à primeira vista, a coisa pode parecer uma invasão e uma ocupação de um
edifício estatal, mas quando a CGTP estreou esta nova "forma de
luta", em Novembro passado, Arménio Carlos apressou-se a explicar que não
era nada disso: "Não houve nenhuma invasão nem ocupação, houve uma
intervenção dos sindicatos que reclamaram reuniões."
Ora, esta
espécie de milícias do vade-mécum é uma daquelas originalidades que nos deixam
indecisos sobre se devemos lamentar a falta de segurança e dignidade das
instalações do Estado português, onde se permite alegremente a tomada do hall de
entrada de ministérios por parte de sindicalistas aos gritos de "o povo
não quer/ fascistas no poder!"; ou se devemos, por outro lado, celebrar a
brandura única dos nossos costumes, na medida em que após a expensão de certos
decibéis tudo acaba invariavelmente em bem, com intercâmbio de pancadinhas nas
costas entre manifestantes (perdão, agendadores de reuniões) e polícias.
Eu,
francamente, divirto-me a ver aquilo e no último agendamento de reunião em
formato turba multa, ocorrido sexta-feira no Ministério da Educação sob a
batuta da Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções
Públicas e Sociais, que inclui o Sindicato dos Trabalhadores em Funções
Públicas e Sociais do Norte, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas
e Sociais do Centro, o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e
Sociais do Sul e Regiões Autónomas e o Sindicato dos Trabalhadores Consulares e
em Missões Diplomáticas (que eu acho que deveria chamar-se, por razões óbvias
de pendant federalista, Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e
Sociais das Regiões Fora do País), houve alguns momentos facetos, com particular
destaque para o escândalo em boa hora denunciado pela sindicalista Lurdes
Ribeiro: os manifestantes, que ficaram cinco horas dentro do edifício da 5 de
Outubro, foram – imagine-se – impedidos de usar o WC.
A sério.
Eu vi na TV uma senhora dirigir-se para a câmara (desconheço se seria Lurdes
Ribeiro) muito indignada, para denunciar o facto de não lhe deixarem – e cito –
"fazer chichi". Se, por estritas razões escatológicas, não se pode
considerar este um dos momentos mais altos do sindicalismo português, pode-se,
pelo menos, transformá-lo em emblema de um tique: o perpétuo queixume, a eterna
querela, a infindável caramunha. Lurdes Ribeiro e seus amigos decidiram ocupar
a entrada do Ministério da Educação contra a vontade das autoridades, durante
cinco horas permaneceram por lá, e no meio da invasão ainda protestaram por os
invadidos não lhes permitirem o acesso aos sanitários.
Tivesse a
senhora Lurdes acedido à casa de banho, e com certeza reclamaria contra as
deficiências de limpeza das porcelanas ou acerca da inexistência de papel de
dupla folha, derivado da entrada da troika em Portugal. Mas não percamos a
esperança: um dia ainda nascerá um sindicalista da CGTP capaz de distinguir um
protesto justo e genuíno de um circo de lamentações. E quando esse dia chegar,
todos nós, trabalhadores portugueses, seremos muito mais felizes. Haja fé. E
casas de banho, enquanto esperamos.»
João Miguel Tavares, 10/04/2014
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