Agora
que Costa ganhou a Seguro e se prevê que será o sucessor de Passos, começam os
retratos de meio corpo, já que os de corpo inteiro, só depois de estar no palco
do seu próximo pastoreamento do rebanho, se farão, em que ovelhas e carneiros
iniciarão os volteios, com os balidos do seu apreço ou as marradas da sua indignação.
Já
no tempo de Salazar éramos o rebanho, Vasco Pulido Valente retoma a designação
com o desprezo que sempre sentiu por um povo que se deixa docilmente conduzir.
Excepto Pulido Valente, que de fora estuda, avalia e condena, geralmente com as
perícias do seu aprofundar, e as subtilezas do seu raciocínio crítico. É certo
que quem governa olha o rebanho de cima do seu estrado, e se for esperto
consegue desenvencilhar-se da contestação alheia, os balidos e as marradas mal
o atingindo, entregue ao seu ofício de gerência, com que sonhou, como os demais
que por lá passaram.
António
Costa continua no seu dever camarário até nova ordem, passando a pasta a Ferro
Rodrigues, inicialmente cheio de garra aniquiladora do partido no poder, mas a
quem há dias ouvi já tergiversando, já concedendo que uma governação nossa
depende forçosamente do exterior, e das suas políticas, apercebendo-se, pois,
que as políticas de rigor não provêm tanto de indiferença ou crueldade de quem
governa, mas de condicionantes impostas pelo exterior desfalcado e exigente de método e
honorabilidade, que governações esbanjadoras e de acertos levianos causaram.
Fiquei de ouvido alerta quando ouvi Ferro Rodrigues, que saberá tanto da poda
como os outros que por lá passaram, e que foram mais ou menos dilapidando o que
outros se tinham esforçado por juntar - talvez na previsão do esbanjar futuro,
sem lei e sem controle - que foi o que sucedeu com os cravos a encobrir tanta
perversão de ambição, altruísmo mais ou menos sincero, reconstrução no
esbanjamento com a moeda alheia, destruída a nossa. Os partidos da esquerda, a
quem só interessa o bem estar do povo, cantam a canção dos oprimidos, para
mudança social, e tudo farão para um novo abril de cravos de reviravolta. Costa
provavelmente se aliará a esses, para a imagem da sua glória de mandar,
novamente fazendo evocar o épico da nossa estranheza de Velhos do Restelo previdentes:
IV, 95 «Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Cũa aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
Desta vaidade a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Cũa aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
96 «Dura inquietação d'alma e da vida
Fonte de desemparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
Fonte de desemparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
97 «A que novos desastres determinas
De levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
D' ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
De levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
D' ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?
Mas
já tantas vezes passámos por estas estradas, de esquinas encobridoras, e curvas e contra curvas, que
ansiamos pelo deslizar na recta de uma esperança pelos que vêm a seguir, a continuar
o “reino”!
O
texto de Vasco Pulido Valente. Público 03/10/2014
:
« Quem é ele?»
«António Costa ganhou as “primárias”
por inteiro mérito de Seguro. Não vale a pena repetir que Seguro foi um péssimo
secretário-geral e um desastroso candidato. Esse, esperemos, passou à história.
Mas Costa não passou. Pelo contrário, agora tem de se explicar em público em
vez de ouvir olimpicamente, na Quadratura do Círculo, a oposição que Pacheco
Pereira fazia por ele.
E,
passada a vociferação, não é hoje difícil de constatar que não sabemos nada do
presuntivo primeiro-ministro que o PS nos resolveu apresentar. Parece que andou
pelo Governo, que inventou o “Simplex” e que acabou por ser um razoável
presidente da Câmara de Lisboa. Este currículo, embora regular, não deslumbra
ninguém, nem o qualifica a ele para pastorear os portugueses. Costa saiu com
habilidade e uma certa limpeza do demi-monde do PS. Parabéns.
Mas,
no fim dessa aventura, o país continua sem saber o que ele quer. Pior ainda, e
a começar por mim, o país não o conhece. Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, era
um brilhantíssimo aluno na Faculdade de Direito. Depois trabalhou no escritório
de advogados de Jorge Sampaio, Vera Jardim e Júlio Castro Caldas. E a seguir
(suponho) na Assembleia da República. O que não o distingue dos milhares de
indivíduos da classe média e da idade dele que tentaram a mesma carreira. Esta
bagagem típica e ligeira mostra só a superfície do homem. Para falar
francamente, e tirando o seu desatinado amor pelo PS, não há maneira de apurar
o que ele pensa: sobre a situação da Europa e do mundo, sobre a farsa da
reforma do Estado, sobre a dívida e o défice, sobre a educação e a saúde, sobre
a Segurança Social e por aí fora. Por mim, e sem maldade, desconfio que muito
bom português votou num buraco.
Seja
como for, António Costa talvez se pudesse revelar (e é de uma revelação que no
fundo se trata) através da gente que goza da reputação (neste momento
invejável) de o ajudar e aconselhar. Acontece que os jornais trazem umas
dezenas de nomes, mas nem um único tem uma reputação nacional e, com meia dúzia
de excepções, quase todos seguiram a via-sacra, que o próprio Costa no seu
tempo seguiu: partido, adjunto (ou assessor), uma freguesia qualquer, uma
ignota secretaria de Estado e expedientes do estilo, perfeitos para provar a
“fidelidade” ao “chefe” e para o servir. As “primárias” substituíram o deserto
que rodeava Seguro por outro deserto, que não animará o país daqui a três
meses.»
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