sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Hércules na coragem



Como sempre, assertivo, conclusivo nas suas opiniões fundamentadas e estruturadas no estudo e na inteligência crítica e por isso de grande dimensão histórica e humanista. Naturalmente que o parti pris da subjectividade não deixa de fazer parte dessas críticas formativas, na sua graça feroz.
 Nem sempre concordo, mas admiro-o sempre. Desta vez é sobre Passos Coelho, com passagem pelos outros do PS, com fraca idoneidade, Seguro porque sem competência, na conversa mole, Costa porque com arteirice, na conversa rija, e os outros do PSD que falharam – talvez por excesso de trabalho – qualquer deles hercúleo, o da Educação e da Justiça.
Vasco Pulido Valente mostra-se zangado, talvez decepcionado, retira a Passos a confiança definitiva sua e do povo português, após o caso do escândalo – o da Tecnoforma. Esquecido das pedradas bíblicas libertadoras de pruridos condenatórios dos condenadores zelosos, por um Cristo de compreensão, já seguidor, talvez, do aforismo clássico “errare humanum est”. Não, não creio que Pulido Valente tenha razão, Passos Coelho é um jovem a ficar careca de preocupações, o sofrimento está-lhe contido no nome de Passos, que Camões não deixa de frisar no seu “Tudo passei”, verbo de raiz bem latina. Cometeu um erro. Era jovem, ambicioso, mas assumiu o seu papel com uma força e seriedade de louvar, no cargo de pagar uma dívida monstruosa proveniente de tantos erros de tantos que ainda aí estão, palradores, politiqueiros, benfeitores de palavras fáceis, desviando de si as pedras próprias. Pobre Passos Coelho, timoneiro a naufragar, mas olhando corajosamente os astros da sua navegação à vela e defendendo os companheiros da jornada! Eu defendo-o, porque o considero minimamente íntegro. Tal como foi Salazar, no endireitamento e reconstrução de um país com os proventos próprios, que a 1ª República deixara à deriva, e desde há tantos anos usando do empréstimo do Estrangeiro.
Mas eles aí estão, os da nova ordem rotativa, a querer participar, não para lançar o país para cima, mas para deitar abaixo o Governo e manter os camaradas primeiros e a si próprios na velha graça de Deus, dos seus heroísmos floridos e palreiros.
É isso que queremos? Valorizar-nos pela palavra? Sobretudo a que deita abaixo o parceiro? Aquele lema “Um por todos e todos por um” não encaixa em nós. Os mosqueteiros pertencem a outros grupos étnicos, e, para já, passados. Agora o “Um contra todos e o todos contra um” é o mais comezinho.

1ºTexto:
O regime e os partidos
Vasco Pulido Valente,
Público, 27/09/2014
A Monarquia caiu por causa da impopularidade da dinastia? Não. D. Luís era um rei popular e D. Carlos até certo ponto também, porque o público, e principalmente o povo urbano, o sabia anticlerical, bom copo e bom garfo e, além disso, apesar da gordura, um notório femeeiro.
Claro que D. Carlos cometeu um desastroso erro quando tentou reformar a monarquia, sem uma organização de massas, com o único e solitário apoio de uma elite de Lisboa e de alguns palacianos que o país detestava. Mas no “5 de Outubro”, se o exército não resistiu aos militantes da Carbonária, foi porque não estava disposto a defender os partidos que sustentavam o regime: o partido regenerador e o partido progressista. Na essência, as queixas não variavam do que se diz do PS e do PSD: programaticamente não se distinguiam, tinham caído na pior corrupção, só pensavam no poder e nas suas clientelas. O exército, que talvez não se importasse de sustentar o rei, não queria sustentar aquilo.
Por isso, a partir de 1910, falharam sempre as tentativas de restauração. Voltar atrás, muito bem. Excepto aos “rotativos” (o que se chama agora o “arco da governação”). Só que, tirando os “rotativos” não existia nada. Basta imaginar este nosso Portugal de 2014 sem o PS e o PSD. Qual deles seria capaz de inspirar um país exausto e desesperado? E uma coligação seria um centro de intriga mercenária e estúpida. Dada a inutilidade prática da extrema-esquerda e do CDS, começaria por deslizar para um caos relativamente manso e tarde ou cedo chegaria às mãos de um homem forte qualquer.
O episódio da “Tecnoforma”, qualquer que seja o seu fim, impedirá Passos Coelho de readquirir o respeito do cidadão comum e, por isso, em última análise, a sua presente autoridade sobre o partido. Se o PSD perder as legislativas de 2015, ficará por força à mercê das luzes de meia dúzia de autarcas, que, além de não se interessarem pelo país, vêem tudo pela fresta dos seus negócios locais. Do lado do PS, a campanha das primárias não serviu, como Seguro julga, para “democratizar” a eleição de um putativo chefe, serviu principalmente para nos mostrar o partido por dentro; o ódio fraternal que é a força motora daquela agremiação de ressentimentos. O partido não ganhará a famigerada “maioria absoluta”, que por aí apregoa, e o seu destino não irá além de uma coligação impotente, que, com ou sem o PSD, consumará o desastre.

2º Texto:
Desculpa, desculpa
Vasco Pulido Valente
20/09/2014
Toda a gente já sabia, e muito principalmente no ministério e na Procuradoria-Geral da República, que a “plataforma informática” dos tribunais não fora convenientemente preparada para a reforma judicial. E, como não fora, ficaram parados 3,5 milhões de processos.
O presidente do Instituto de Gestão Financeira e Equipamento da Justiça “assegurou” a Paula Teixeira da Cruz que as coisas tinham corrido muito bem e estavam prontas para começar. No dia seguinte, de advogados a simples cidadãos, Portugal inteiro constatou que não estavam e o sr. presidente do instituto veio dizer que esse “colapso” era previsível, “mas não havia forma de desenvolver uma plataforma alternativa em tão curto espaço de tempo”. Este aviso manifestamente não se aplicava a ele próprio, nem à ministra Teixeira da Cruz, que desde 2011 trabalhava para esta mudança.
Perante esta catástrofe, a senhora resolveu ir à televisão e pedir “desculpa”, como se a “desculpa” a limpasse da irresponsabilidade do passado. Agora, conta que a “plataforma” precisa de ser substituída rapidamente, porque corre o perigo de estoirar de vez. Pedro Passos Coelho não achou necessário correr com a ministra, que lá continua sentada a congeminar asneiras, em prol da Pátria. De resto, o exemplo pegou. Nuno Crato, que tem meses para organizar a colocação de professores, arranjou também ele maneira de provocar um tumulto ou deixar que se provocasse um tumulto por causa de umas “bolsas” de professores que o ministério organizou. A irritação surpreendeu o ministro, mas, seguindo o exemplo da santíssima Teixeira da Cruz, lá apareceu muito lampeiro na televisão, a pedir “desculpa” às suas vítimas e a explicar que a trapalhice era o resultado de uma “fórmula matemática” errada.
O dr. Passos também percebeu a terrível angústia do sr. dr. Crato e deixou que ele permanecesse na 5 de Outubro, a ver se consegue aumentar a atávica barafunda  da Educação portuguesa. A semana passada o secretário-geral da UGT falou com eloquência do “sentimento de orfandade” dos funcionários do BES, com o recente retiro para o Estoril do dr. Ricardo Salgado, que tanto os protegeu. Há por aí com certeza um arcebispo de Mitilene in partibus ou qualquer outro beato que absolva os portugueses da negligência, da mentira, da irresponsabilidade e da estupidez, como nós gostamos e nos damos bem. 

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