sexta-feira, 2 de março de 2018

Colin Firth



A capa do Público de 27/2 apresenta o quadro de Vermeer “Rapariga com brinco de pérola”, excelente apelativo para expressivo texto no interior do jornal. E de facto, o artigo de Lucinda   Canelas, «Como é que Vermeer pintou esta Rapariga? A ciência vai tentar explicar, 350 anos depois» é ilustrativo não só do valor e reconhecimento mundial do quadro, que, encontrado em mau estado de conservação, é restaurado e agora sujeito técnicas de análise, como, pelo mistério e beleza da modelo, logo originando precioso filme, onde o quadro – certamente que em reprodução – foi vastamente visto e romanceada a história da sua modelo, humilde mas sensível colaboradora do seu patrão Vermeer no fabrico das tintas e objecto de intenso ciúme da mulher deste. O meu grande espanto e prazer foi, contudo, ter reconhecido no actor com o papel de Vermeer, Colin Firth, tantas vezes visto na série “Orgulho e Preconceito”, ao lado da tão expressiva Jennifer Ehle, de uma história de amor do século XIX. A televisão fez-me reencontrar Colin Firth em vários outros filmes e o prazer pela sua actuação, geralmente humorística - “The importance of beeing Earnest”, os "diários de Brigit Jones", "Mamma Mia", "Nanny McPhee" e outros mais – proporcionam facetas de transporte para mundos de fantasia que nos põem de bem com a vida. Momentaneamente, que esta é mais dada à desgraça.


Como é que Vermeer pintou esta Rapariga? A ciência vai tentar explicar, 350 anos depois
Os cientistas que agora vão estudar este retrato foram buscar tecnologia de ponta e querem saber que materiais usou este artista do século de ouro holandês. No fim, garantem, será como ver Vermeer trabalhar.
LUCINDA CANELAS                                                
PÚBLICO, 27 de Fevereiro de 2018
Passaram quase 25 anos desde que Rapariga com Brinco de Pérola, uma das mais celebradas pinturas da idade de ouro holandesa, esteve sob o microscópio, sujeita ao escrutínio de historiadores de arte e restauradores. Agora, este retrato de Johannes Vermeer, imagem de marca do museu Mauritshuis, em Haia, volta ao estirador para ser examinado com recurso às mais modernas tecnologias. E o que querem com este diagnóstico os investigadores? Perceber, explica a galeria no seu site, como foi pintado e com que materiais, nada mais.
Os trabalhos de análise, todos com base em técnicas não invasivas, vão prolongar-se até 11 de Março e decorrerão à vista do público. Em vez de pegar na tela e de a levar para os laboratórios deste museu que guarda uma das melhores colecções de pintura holandesa do mundo, a equipa do Mauritshuis resolveu construir na sala onde habitualmente é exposto uma caixa de vidro em que os conservadores vão trabalhar 24 horas sobre 24 horas, actualizando diariamente os relatórios da intervenção, dando conta do que vão descobrindo sobre os métodos daquele que permanece como um dos mais misteriosos mestres da pintura do Norte no século XVII.
O projecto, a que deram o nome de Girl in the Spotlight (qualquer coisa como “Rapariga sob os holofotes”) e que não inclui quaisquer trabalhos de restauro e conservação, recorre a uma série de técnicas exploratórias (tomografia de coerência óptica, microscopia digital, fluorescência de macro raios-X), algumas delas do campo da medicina, para reunir um enorme manancial de informação que não implica qualquer recolha de amostras para saber mais sobre os óleos e pigmentos que o artista usou há 350 anos. 
Abbie Vandivere, conservadora-chefe de pintura da Real Galeria de Pinturas do Mauritshuis, nome oficial do museu, dirige esta equipa de investigação que inclui técnicos de várias instituições nacionais e internacionais, como as universidades de Antuérpia, Delft e Maastricht, a National Gallery de Washington e o Instituto dos Países Baixos para a Conservação, Arte e Ciência, que traz consigo o Rijksmuseum.
“É uma honra colaborar com uma equipa como esta”, disse Vandivere, num comunicado do museu, congratulando-se com o facto de à experiência dos especialistas poder juntar “tecnologia de ponta”: “Durante duas semanas o museu terá um dos centros de pesquisa mais avançados do mundo.” No fim deste projecto, acredita a conservadora, Rapariga com Brinco de Pérola estará certamente entre as “obras mais bem documentadas” de sempre (na corrida a este “título” estarão, certamente, Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, e Guernica, de Pablo Picasso).
No final, explicou ao diário norte-americano The New York Times Joris Dik, um investigador da Universidade de Tecnologia de Delft que integra a equipa, “teremos uma espécie de Google Earth em que se pode clicar nas distintas camadas e ampliar ou reduzir para ver diferentes elemetos em cada uma delas”.
Rapariga com Brinco de Pérola (c. 1665) está desde 1881 em exposição no museu de Haia, instalado num edifício do século XVII no centro da cidade e inaugurado há quase 200 anos. Teve, no entanto, de esperar mais de cem para se transformar na estrela que é hoje, sendo o principal íman para boa parte dos 400 mil visitantes que o Mauritshuis recebe todos os anos, apesar de na sua colecção se encontrarem outras pinturas incontornáveis da arte holandesa do século XVII, como A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp, de Rembrandt, e O Pintassilgo, de Carel Fabritius, um homem que teve o autor de A Ronda da Noite como mestre e Vermeer como aluno.
À grande popularidade que Rapariga com Brinco de Pérola agora tem não será estranha, porventura, a digressão que fez, com outras obras desta galeria, pela Itália, pelos Estados Unidos e pelo Japão quando o museu, privatizado em 1995, fechou durante dois anos para ampliação.
Um romance e um filme
A obra de Johannes Vermeer (1632-1675) – um óleo sobre tela com dimensões modestas (44,5X39 cm) – foi comprada num leilão no final do século XIX por pouco mais de dois florins (hoje, cerca de um euro) e em muito mau estado. Só em 1994 seria objecto de uma complexa operação de restauro que lhe deu o aspecto – e o brilho – que hoje tem. No ano seguinte fez parte de uma exposição que juntou o museu de Haia e a National Gallery de Washington, o seu passaporte para a fama, devidamente carimbado quando, em 1999, Tracy Chevalier publicou o romance Rapariga com Brinco de Pérola, que mais tarde foi adaptado ao cinema por Peter Webber.
Neste filme de 2003, a actriz Scarlett Johansson é a jovem criada que no livro serve de modelo a Vermeer (papel confiado a Colin Firth), um artista perseguido tanto pela ganância da sogra como pelos ciúmes da mulher, perfeccionista até à obsessão e claramente atormentado pela beleza da rapariga que não pode deixar de pintar.
Os especialistas dividem-se quanto ao modelo a que o artista terá recorrido nesta Rapariga com Brinco de Pérola. Para uns, é claro que se trata de uma amante ou de uma das filhas (se for este o caso, não lhe terá faltado por onde escolher, já que o artista teve 15 filhos e, dos dez que não morreram ainda bebés, sete eram mulheres), para outros, é simplesmente um retrato que partiu da imaginação de Vermeer, sem que a esta jovem sedutora corresponda uma mulher real.
Garantiu já Emilie Gordenker, directora do museu Mauritshuis, que o novo projecto de investigação não pretende afastar-se das provas físicas, materiais, para entrar no domínio da interpretação e criar ou apoiar teorias sobre a identidade da modelo deste retrato. “Uma das coisas que faz com que este quadro seja tão espectacularmente atraente é o facto de não sabermos [quem é ou sequer se existe]”, disse ao New York Times.
O que Vermeer nos dá nesta obra conhecida como “Mona Lisa do Norte” – o nome que hoje tem integra uma lista de que fazem parte outros como Um Retrato ao Estilo Turco, ou os mais descritivos Jovem com Turbante e Cabeça de Jovem – é uma mulher que parece interpelar quem a olha, de turbante azul e amarelo na cabeça, lábios entreabertos, brilhantes, e um brinco de pérola (há quem defenda que se trata de um pendente de metal, provavelmente prata, ou até de vidro veneziano envernizado por causa da forma como o artista pinta a luz a reflectir-se nele). Se existiu ou não, pouco importa. O que interessa, defende Abbie Vandivere, a conservadora-chefe do museu de Haia, é o que pode ensinar-nos ainda sobre a forma como Vermeer trabalhava, como pensava. E isso, quando se trata de um artista que pintou como poucos a mulher na intimidade da casa e que deixou apenas cerca de 30 obras, já não é nada mau.


Nenhum comentário: