sábado, 31 de março de 2018

Domingo de Páscoa



Muda a Páscoa com a Lua
Muda a data, sempre incerta,
Da Ressurreição de Cristo,
Embora calhe ao domingo
O que é pura anomalia,
Mas o que conta é o simbolismo
E as férias das nossas metas.
Domingo primeiro, após
A lua cheia seguinte
À entrada na primavera
No nosso Norte lunático
Diz, didáctico, Nuno Crato.
Uma data memorável,
Num calendário mutável,
Bissexto de vez em quando
Também por conta da Lua
Que tanta influência tem
Sobre os destinos da Terra
Com o mar e as marés
Aos altos e baixos, a lembrar
A Humanidade, afinal,
Ora bem e ora mal,
Embora alguns não mudem
No seu estatuto nunca,
Os de cima sempre em cima
Os de baixo sempre em baixo.
Domingo primeiro, após
A lua cheia seguinte
À entrada na primavera:
Dia de Páscoa e doçura,
Que é o melhor da vida,
E este ano foi calhar
No primeiro dia de Abril
Que se chama de mentira
A condizer.

Porque está a Páscoa sempre a mudar?
OBSERVADOR, 28/3/2018
A resposta é simples: porque não há um número inteiro de dias nos meses lunares. Por isso a Páscoa é marcada como o primeiro domingo após a primeira lua cheia, durante ou após o equinócio da primavera
A culpa é da Lua.
Pois é, é o diabo da Lua, que não se conforma com os meses nem com a órbita da Terra, e que demora um pouco mais de 29 dias e meio a passar de lua cheia a lua cheia. Na realidade, pelos cálculos atuais, demora uma média de 29,530587981 dias, ou seja, 29 dias 12 horas 44 minutos e 2,8016 segundos. Que número! E não é ainda um número exato.
Está aqui uma fonte de problemas para os nossos calendários – a outra é a inexistência de um número inteiro de dias num ano solar. Conclusão: não há um número inteiro de dias nos meses lunares, tal como não há um número inteiro de meses lunares num ano. Os meses legais tiveram de se adaptar e ter um número de dias variável.
Ora a Páscoa foi primeiro marcada seguindo o calendário judeu, que é um calendário lunissolar, respeitando as lunações. Seguia o Pessach, a Páscoa judaica. Pelo século III, os cristãos começaram a tentar outra datação, insatisfeitos com a desordem do calendário judaico, que permitia que a Páscoa se celebrasse antes do equinócio da Primavera. Dionísio, bispo de Alexandria e outras autoridades eclesiásticas verificaram que isso contradizia a regra então assumida, que a Páscoa seria celebrada num domingo, depois de uma lua cheia e depois do equinócio. Era o que admitia sobre a data da ressurreição de Cristo.
Hoje, a datação da Páscoa segue um processo rigoroso. Está baseada no calendário Gregoriano, estabelecido em 1582. É marcada como o primeiro domingo após a primeira lua cheia, durante ou após o equinócio da primaveraCristóvão Clávio (1537-1612), matemático alemão que estudou em Coimbra e foi figura central na construção do novo calendário, estabeleceu tabelas que permitem calcular a data da Páscoa e construiu, com o italiano Aloísio Lílio (também chamado Luigi Giglio, ou Aloysius Lilius) um algoritmo para o cálculo dessas datas. Vários matemáticos construíram outros algoritmos de cálculo da Páscoa. O mais célebre deles deve ser o de Carl Friedrich Gauss (1777-1855).
Leu bem, leitor? É o primeiro domingo, após a primeira lua cheia, durante ou após o equinócio da primavera.
Como se isto não fosse já complexo, os acontecimentos podem não se registar nos mesmos dias legais em diferentes partes do globo. Este equinócio, por exemplo, registou-se na terça-feira 20 pelas 16h15 em Lisboa. Na mesma altura, eram 5h15 da madrugada de quarta-feira 21 na Nova Zelândia. Dois dias diferentes! A solução é a que se imagina: tudo está referido a Roma, ou melhor, ao Vaticano.
Nos dias de hoje, tudo isto é uma curiosidade: festejamos a Páscoa na data marcada no calendário. Mas houve tempos em que não era simples conhecer o equinócio, saber o dia do ano e fazer os cálculos. Cidades distantes e localidades isoladas deveriam festejar a Páscoa exatamente no mesmo dia. Por isso, a Páscoa foi um tremendo motor de desenvolvimento da astronomia. Construíram-se relógios e instrumentos solares nas igrejas, criaram-se as célebres meridianas. Procuraram-se processos de marcar os solstícios e equinócios, desenvolveram-se métodos astronómicos para caracterizar as datas e medir o tempo, estudaram-se as regularidades e as anomalias dos movimentos celestes. Os cristãos deveriam todos festejar a Páscoa na mesma data. E na data certa.
Boa Páscoa!


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