domingo, 11 de março de 2018

Um sufoco



Também me lembro, e deixei mesmo escrito no meu livro “Cravos Roxos”, entre outros, num Prefácio a “Literatura da Resistência”, a acrescentar a outras histórias do período vivido, crítica ligeira sobre o tipo de discursos que se faziam então, e que, afinal, pressagiavam tantos destes actuais, sobre desordens e corrupção a cada passo hoje. Eis uma referência sobre experiências vividas na altura, após o golpe desferido nesse fatal 11 de Março, cuja efeméride António Barreto tão expressivamente e profusamente evoca no seu texto “Faz hoje anos”:
«Não menos grotescas se tornavam no Metrópole as discursatas frequentes, o papaguear de noções colhidas à pressa nas conversas dos vizinhos ou na imprensa diária. O psitacismo, as frases feitas, os chavões banais como “batalha de produção”, “exploração do homem pelo homem”, “escalada revolucionária”, “serventuários do capital” e os diversos “ismos” resumidores de conceitos, imperavam nos diálogos radiofónicos” ou televisivos, nas canções enérgicas, energia só manifestada, infelizmente, através da garganta, de largo uso actual, e nas frequentes mesas redondas onde, em todo o caso, com certo malabarismo verbal notório, se conseguia ladear questões importantes sem se informar o público, objectivamente e com honestidade.»
“Recordar é viver”, informa António Barreto no seu texto. Melhor dizendo, “reviver” e perceber melhor os seus contextos e repercussões.
E seguidamente vibrar com o seu texto sobre a Ponte.

Faz hoje anos
É o 11 de Março de 1975! Provavelmente, um dos dias mais negros da história da liberdade no Portugal contemporâneo. Uma absurda tentativa de golpe de militares e gente de direita, a que presidia o general António de Spínola, foi derrotada pelo contragolpe das esquerdas.
Um ataque fulgurante dos militares revolucionários, ajudados por comunistas e grupos de extrema-esquerda, conduziu à tomada do poder. Foram atacados os centros políticos e militares, os organismos do Estado, as empresas privadas, os bancos, gente diversa de direita, capitalistas, militares...
Foi uma verdadeira provocação eficazmente aproveitada pelos revolucionários. Em poucos dias, em poucas semanas, todo o poder económico, político e militar tinha passado para as mãos dos revolucionários. E, em parte, dos comunistas.
Foi criado um Conselho da Revolução militar com plenos poderes. O CDS, o PSD e o PS temeram pela vida. As eleições constituintes correram o risco de não se realizar, mas foram adiadas para 25 de Abril, graças a uma intervenção de última hora do então Presidente general Costa Gomes.
Foi decretado o Pacto MFA - Partidos, que obrigava estes a aceitar a imposição de normas para a futura Constituição. A ideia e a inspiração do pacto foram de Álvaro Cunhal. Os partidos foram forçados a assinar. O pacto obrigava os partidos a inscrever na Constituição as "conquistas revolucionárias" e a "via original do socialismo português".
É nomeado um novo governo mais militar e mais à esquerda. É dissolvido o Conselho de Estado e extinta a Junta de Salvação Nacional. Além do Conselho da Revolução, só com militares, é criado um novo órgão de Estado, a Assembleia do Movimento das Forças Armadas, MFA! Ao Conselho da Revolução é conferido o direito de veto sobre todas as decisões do governo. A eleição do Presidente da República passará a ser da competência de um colégio composto pelos futuros deputados e pelos militares da Assembleia do MFA. Este colégio terá uma maioria de militares.
São assaltadas sedes de partidos do centro e da direita, assim como a da confederação patronal CIP. Vários pequenos partidos de direita e de esquerda (PDC, MRPP, AOC, FEC-ML...) são suspensos e é-lhes interdita e participação em futuras eleições. A lei coloca na reserva os oficiais das Forças Armadas que não acatem os princípios definidos pelo MFA. O herói do dia é o MFA e Vasco Gonçalves o seu príncipe.
O Copcon, comando militar revolucionário, prende duas centenas de pessoas, entre militares e empresários, sem mandado nem acusação. Mais tarde, muitos oficiais são expulsos das Forças armadas por terem participado no golpe. É criado um "tribunal revolucionário" para julgar "os golpistas". Os comandos das Forças Armadas são quase todos substituídos. Aceleram-se os processos de independência de Cabo Verde, Moçambique, São Tomé, Angola e Timor. Chegam cada vez mais repatriados e retornados de África. O essencial da economia foi nacionalizado ou colocado sob intervenção do Estado. Foi dada luz verde e incentivada a ocupação de terras, de explorações agrícolas, de casas de habitação e de empresas de todos os sectores, da indústria aos serviços, do comércio à banca, da saúde ao agro-alimentar, dos transportes públicos à comunicação social. Nos dias e nas semanas seguintes, são nacionalizados os bancos, menos os estrangeiros, assim como as companhias de seguros, menos as estrangeiras. Depois são nacionalizadas a TAP e a Siderurgia. A seguir, serão nacionalizadas as empresas de produção e distribuição de energia, dos tabacos, dos cimentos, da celulose, dos petróleos, dos transportes públicos, da indústria química e dos adubos, menos as estrangeiras. Serão também nacionalizados os jornais O Século, Jornal do Comércio, O Comércio do Porto, Diário Popular, A Capital, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Diário de Lisboa.
Foram presos capitalistas, proprietários, gente da direita e do centro, sem mandado, sem acusação... Uns tantos fugiram para Espanha, Brasil e outros sítios.
Recordar é viver!

As minhas fotografias
O MAAT e a Velha Senhora. Os últimos dias trouxeram aquilo que poderia ser um problema difícil, mas parece ser apenas uma trapalhada habitual. A Velha Senhora, a bela ponte do Tejo, tem rugas! É normal, estranho seria que assim não acontecesse. Claro que se vai discutir o preço e sobretudo quem paga. Vai ver-se que o contrato deixou o Estado a perder, o que também é habitual. Que os partidos estão a fazer uma cena, nada de novo. E que as autoridades, não se sabe por que carga de água, tentaram manter confidenciais relatórios e despachos. Deve ser uma história de rugas, que toda a gente tenta esconder. Verdade é que esta maravilhosa ponte continua ali, altiva, suave e bonita. E por mais anos estará. E nem sequer é ofuscada pelas novas criações que surgem à sua beira. A começar por este MAAT, que já transformou parte da margem direita e que, depois do espalhafato da novidade, tem agora uns poucos anos para mostrar o que vale.


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