Os
dois textos que seguem, de João Miguel Tavares, mais uma vez
demonstram uma capacidade de reflexão pouco comum, apesar dos comentários
daqueles em cujo espírito não penetram argumentos – provavelmente nenhuns nunca
– mas sobretudo se pertencem a alguém não alinhado politicamente com esses,
pese embora o pretensiosismo dessa justificação.
O primeiro artigo é sobre alguém que foi um
representante-mor da Justiça no seu país e se revelou apenas triste espécime
representante de uma nação, ultimamente e cada vez mais mergulhada no dolo e na
insanidade próprias da nossa pobre mediania que, naturalmente, esse tal
contribuiu para acentuar. O segundo artigo, aceitando os malefícios do Facebook
na manipulação das massas, pretende salientar a responsabilidade dos que o
utilizam, e igualmente, como jovem moderno que JMT é, revelar outras projecções
apensas a esse sistema, através do confronto com os outros media no seu começo
- radio e televisão. Na realidade, em tudo o que se cria há facetas positivas e
negativas, a questão está em saber controlar ou moderar, e o mesmo se passa com
os remédios.
Transcrevo um comentário apenso ao segundo
artigo, que me parece completar e desenvolver o raciocínio de JMT, embora
conteste o paralelismo do Facebook com os media, por aquele dar voz a
manifestações do egocentrismo desordeiro e pouco educado, contrariamente aos
media, com os seus projectos específicos de orientação e informação.
OPINIÃO
Foi isto um procurador-geral da República
A entrevista a Pinto Monteiro mostra como uma
pessoa com o seu perfil pode ser uma desgraça à frente do Ministério Público, e
demonstra a importância fulcral de reconduzir Joana Marques Vidal no seu cargo.
PÚBLICO, 6 de Março de 2018
A entrevista que Fernando Pinto Monteiro concedeu ao PÚBLICO e à
Rádio Renascença na semana passada é a mais reveladora de toda a sua carreira.
Ela demonstra, ainda que de forma involuntária, as razões por que Pinto
Monteiro assumiu o papel de guarda-costas oficioso de José Sócrates entre 2006
e 2011, e por que se afundaram no Ministério Público todas as investigações que
envolveram o então primeiro-ministro.
Sobre as mentiras de Pinto Monteiro nessa entrevista já Luís Rosa
escreveu um excelente texto no Observador (O legado de Pinto
Monteiro). E sobre tantos aspectos ainda por esclarecer da sua nomeação – como
a relação de proximidade de José Sócrates com o seu irmão, o professor de
Direito de Coimbra António Pinto Monteiro, ou a possibilidade de ter sido
Proença de Carvalho a sugerir o seu nome – já Vítor Rainho escreveu um bom
artigo no Sol (Um procurador que gosta de José Sócrates). Eu prefiro
chamar a atenção para dois aspectos que esses textos não desenvolvem: os
seus tristes comentários sobre o processo Face Oculta; e as barbaridades
que disse como se fossem banalidades, tão sintomáticas do seu carácter.
Quanto às famosas destruições das escutas do processo Face Oculta,
o ex-Procrador-geral da República admite na entrevista que delas constam a
venda da TVI, pelo que se pressupõe que Sócrates foi mesmo apanhado a
discutir os seus detalhes. Pinto Monteiro desvaloriza esse facto com o
rigor habitual – “a estação de televisão de que está a falar já foi vendida e
revendida 30 vezes!” –, e utilizando um argumento decisivo: “Aquilo não tem
nada a ver com crime de atentado ao Estado de Direito! Sabe o que é um atentado
ao Estado de Direito? Dou-lhe um exemplo: é um Governo acabar com o Tribunal
Constitucional.”
Eis um exemplo extraordinário, que entronca numa interpretação que Freitas
do Amaral já tinha desenvolvido em 2010 nas páginas da revista Visão.
O texto chamava-se Decifrai o Procurador e nele Freitas
acusava o procurador-geral da República de ter optado “por uma interpretação
muito restritiva do conceito de atentado ao Estado de Direito.” Ou seja, Pinto
Monteiro mandou destruir as escutas não porque elas fossem inocentes, mas
porque no seu entendimento um atentado ao Estado de Direito envolve a
destruição de uma instituição – conspirar sobre a sua venda parece ser
insuficiente.
Esta interpretação tão estrita daquilo que constitui uma conduta
criminosa, e esta visão tão lata daquilo que é permitido a quem ocupa cargos de
poder, está espalhada por toda a entrevista. Pinto Monteiro assume que atendeu
chamadas de Rui Rio a queixar-se da justiça (“telefonava-me de vez em quando a
protestar contra as fugas”) e que isso não tem mal algum; declara que ir a
lançamentos de livros de políticos sobre os quais tomou decisões judiciais é a
coisa mais banal do mundo; confessa ter sido “principescamente” tratado quando
viajou até Angola para assinar protocolos de cooperação e não lhe passa pela
cabeça que ser “principescamente” tratado levante problemas éticos.
Não creio que Pinto Monteiro algum dia tenha sido corrompido por
dinheiro. É o próprio a autocorromper-se por vaidade – deslumbrado pelo poder, fascinado por
políticos, e, como qualquer bom português, muito amigo dos seus amigos. Embora
lamentável a vários títulos, a entrevista a Pinto Monteiro tem esta dupla
vantagem: mostra como uma pessoa com o seu perfil pode ser uma
desgraça à frente do Ministério Público, e demonstra a importância fulcral de
reconduzir Joana Marques Vidal no seu cargo.
O Facebook não ganha eleições
Convém denunciar as más actividades do Facebook
sem transformar os seus utilizadores em meras marionetas de Mark Zuckerberg.
PÚBLICO, 22 de Março de 2018
Tenho uns amigos que resmungam diariamente contra o Facebook, e que
consideram as redes sociais a maior praga jamais saída de Silicon Valley. Eu
argumento que é apenas um meio, um instrumento semelhante a uma faca afiada,
que tanto pode servir para esventrar o próximo como para cortar bifes. As facas
foram usadas ao longo da história para assassinar milhões de pessoas, mas nem
por isso as deixamos de utilizar na cozinha. São-nos úteis, desempenham um
papel insubstituível e, em última análise, são neutras — a responsabilidade
pela sua boa ou má utilização é de quem segura a faca, não de quem a fabricou.
Como é evidente, se as facas são reguladas — lâmina igual ou superior a
dez centímetros é classificada como arma branca e a sua posse, fora do contexto
de um talho ou de uma cozinha, ilegal —, também o Facebook deve cumprir
regras estritas no domínio da privacidade dos seus clientes ou da propagação
deliberada de fake news. Contudo, convém não sermos demasiado literais na
interpretação do famoso “o meio é a mensagem” de McLuhan, concluindo a partir
da eleição de Donald Trump — mensagem errada para 95% dos jornalistas
e opinion makersdo planeta, eu incluído — que tal se deveu à manipulação
das cabeças mais frágeis da população americana, via Facebook. Apesar de tudo,
e mesmo discordando delas, tenho as cabeças da população americana em muito
melhor conta.
As práticas lastimáveis da empresa Cambridge Analytica, que têm estado a
ser publicamente desmascaradas, são com certeza muito relevantes. A forma como
os dados pessoais de 50 milhões de utilizadores foram parar às suas mãos
representam uma enorme falha de segurança do Facebook, que nos deve preocupar a
todos — e se um dia se descobrir que a empresa do senhor Zuckerberg esteve
envolvida no tráfico de dados privados deve ser punida por isso. O modo
frenético como Stephen K. Bannon circula pelo mundo numa jihadpolítica e
cultural mortinha por aceder directamente ao cerebelo de cada eleitor e
despejar lá para dentro a sua propaganda é com certeza merecedora de atenção.
Mas saltar daí para mais um discurso apocalíptico sobre um novo meio de
comunicação não só me parece brutalmente exagerado como francamente aborrecido.
Todos nós já ouvimos esta conversa nos primórdios da rádio — veja-se o
pânico causado pela encenação da Guerra dos Mundos de Orson Welles em
1938 —, tal como a ouvimos com o advento da televisão — recorde-se o momento em
que um muito transpirado Richard Nixon perdeu o primeiro debate televisionado,
e de seguida as eleições, para um jovem, calmo e confiante John Kennedy, em
1960. Talvez a História
venha a confirmar que em 2016 foi via Facebook, e graças às fake news, que
Trump venceu as presidenciais. Mas em todos estes casos, os meios utilizados,
embora importantes, nunca deixaram de ser instrumentais.
Admito que o título deste artigo pudesse ser mais exacto: o Facebook
ganha tanto eleições como a televisão, a rádio ou os jornais. Posso até admitir
que o seu poder de persuasão é maior, e que chega com mais eficácia a milhões
de eleitores. Mas isso não modifica a natureza do exercício da propaganda. A Cambridge Analytica é uma agência de
comunicação política 2.0 sem escrúpulos — nem mais nem menos do que isso. É
preciso bem mais do que um feed amestrado para conseguir manipular
milhões de votos. Convém denunciar as más actividades do Facebook sem
transformar os seus utilizadores em meras marionetas de Mark Zuckerberg.
23.03.2018
1 - Aconselho as pessoas a verem a "quadratura do
círculo" da sicnotícias de 22 Março 2018. Pacheco Pereira sintetiza bem o
que é o facebook e as redes sociais. Já há doenças relacionadas com as redes
sociais. As redes sociais causam adição às pessoas que não conseguem viver se
não tiverem a vida exposta na net ou que sentem sensação de felicidade quando
entram no facebook. Pior mesmo é que geração está a ser criada quando se está
tão dependente da rede?
2 - Os problemas do facebook (e das redes
sociais em geral) são mais profundos e merecem uma análise social e psicológica
sobre as consequências e perigos que geram. Criar um mundo superficial e
virtual de amigos e de popularidade baseado em likes é nefasto. Não se pode
comparar o facebook aos media tradicionais (muito menos a uma faca). Estes têm
o princípio de informar de forma isenta e com respeito a um código deontológico
(embora nem sempre o façam é certo) ao passo que as redes sociais são a voz
feroz da população capaz de engolir quem tenha opiniões diferentes das massas
(Umberto Eco disse: "as redes sociais deram voz aos imbecis")
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