Do texto anterior, comentado neste
blog, da autoria de Alberto Gonçalves. João Miguel Tavares descreve mais
uma anomalia grave, sintomática da estultícia de um país que continua aferrado à
“podridão” do seu AO, justificativo de tantas destas anomalias
subsequentes a que muitas outras se seguirão, não temos dúvidas em o
crer, pois já os atropelos da língua ao nível da oralidade são pertença de
muito apresentador público, que o laxismo linguístico de que aquele é
responsável, a somar ao laxismo educacional que se tem vindo a processar, nas etapas
primária e posterior, não deixarão de ter cada vez mais repercussão na etapa
universitária, como este extraordinário texto de João Miguel Tavares vem
revelar já hoje:
Algo está podre no
reino da universidade
O comportamento de
Barreiras Duarte é uma vergonha absoluta. O facilitismo da Universidade
Autónoma de Lisboa não lhe fica atrás.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO, 17 de Março de 2018
Numa semana, Feliciano
Barreiras Duarte transformou-se no alvo de todas as piadas políticas e
académicas em Portugal, e existem boas razões para isso. Contudo, a
Universidade Autónoma de Lisboa, que lhe conferiu o grau de mestre, está
estranhamente a passar por entre os pingos da chuva. Sim, foi Feliciano quem
concluiu a sua tese de mestrado desta forma: “Em conclusão, a elaboração deste
relatório, com os fins e objectivos anteriormente referidos, pretende-se que
seja consabido, o relacionamento entre a primeira e a segunda parte do mesmo,
com a evidência principal, que de entre a multiplicidade do currículo do seu
autor, poderá sobressair e outrossim destacar, o fio condutor de que nas suas
múltiplas actividades e intervenções, académicas, profissionais, não
profissionais, mas de servidor público, jurista, professor, investigador,
conferencista, autor e afins, está sempre presente uma trave mestra – a saber –
que é a problemática do sistema jurídico e político português.” Mas foi a
Universidade Autónoma de Lisboa quem aprovou esta babugem.
Foi Feliciano quem decidiu demonstrar todo o
seu domínio da língua inglesa no abstract da tese: “The report about
the professional activity here by developed in form and content, in strict
compliance with legal and regulatory provisions in force, and has as goal
getting the author, a master’s degree in law variant in legal and political
sciences from the Autonomous University of Lisbon.” Mas foi a
Universidade Autónoma de Lisboa – e também a Autonomous University of Lisbon –
quem se convenceu de que isto era inglês de um visiting scholar de
Berkeley.
Foi Feliciano quem se
apresentou, no seu relatório profissional, como “conselheiro económico do
município de Anfhn, na província de Guijhou”, China, entre 2007 e 2011, embora
ainda ninguém tenha conseguido descobrir onde fica Anfhn; e também foi graças a
ele que soubemos que a elaboração do artigo “Peniche capital do surf” (JN,
4/1/2010) merece constar do seu currículo para a obtenção do grau de mestre em
Direito. Mas foi graças ao escrutínio das redes sociais que eu soube disto, e
ao facto de a Universidade Autónoma de Lisboa, depois de acolher esta magnífica
tese, a ter disponibilizado na sua base de dados.
Foi Feliciano quem efectuou
um estudo de mestrado de uma originalidade avassaladora, que após enfrentar um
surto de vírgulas descontroladas chega à nunca vista conclusão de que o regime
português é semipresidencialista: “A segunda parte deste relatório é na prática
um estudo jurídico do sistema jurídico político português, que o seu autor,
procura qualificar como sendo um sistema semipresidencialista, ao mesmo tempo
em que é feita uma comparação com vários sistemas jurídico políticos
comparados.” Mas foi a Universidade Autónoma de Lisboa, e o júri por ela
escolhido, quem deu a esta coisa a unânime nota de 18 valores.
E que júri foi esse, afinal? Diogo Leite Campos, ex-vice-presidente do PSD,
orientou a tese. A presidente do júri foi Constança Urbano de Sousa, futura
ministra da Administração Interna do PS. O terceiro elemento do júri foi
António Carlos dos Santos, antigo secretário de Estado do PS. Pelos vistos, é
habitual os júris de mestrado da UAL parecerem uma comissão parlamentar no
momento de avaliar a competência académica de um político. E isto não foi em
2004 – foi em 2014. O
comportamento de Barreiras Duarte é uma vergonha absoluta. O facilitismo da
Universidade Autónoma de Lisboa não lhe fica atrás.
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