domingo, 18 de março de 2018

Um comprovativo



Do texto anterior, comentado neste blog, da autoria de Alberto Gonçalves. João Miguel Tavares descreve mais uma anomalia grave, sintomática da estultícia de um país que continua aferrado à “podridão” do seu AO, justificativo de tantas destas anomalias subsequentes a que muitas outras se  seguirão, não temos dúvidas em o crer, pois já os atropelos da língua ao nível da oralidade são pertença de muito apresentador público, que o laxismo linguístico de que aquele é responsável, a somar ao laxismo educacional que se tem vindo a processar, nas etapas primária e posterior, não deixarão de ter cada vez mais repercussão na etapa universitária, como este extraordinário texto de João Miguel Tavares vem revelar já hoje:
Algo está podre no reino da universidade
O comportamento de Barreiras Duarte é uma vergonha absoluta. O facilitismo da Universidade Autónoma de Lisboa não lhe fica atrás.
JOÃO MIGUEL TAVARES                                  PÚBLICO, 17 de Março de 2018
Numa semana, Feliciano Barreiras Duarte transformou-se no alvo de todas as piadas políticas e académicas em Portugal, e existem boas razões para isso. Contudo, a Universidade Autónoma de Lisboa, que lhe conferiu o grau de mestre, está estranhamente a passar por entre os pingos da chuva. Sim, foi Feliciano quem concluiu a sua tese de mestrado desta forma: “Em conclusão, a elaboração deste relatório, com os fins e objectivos anteriormente referidos, pretende-se que seja consabido, o relacionamento entre a primeira e a segunda parte do mesmo, com a evidência principal, que de entre a multiplicidade do currículo do seu autor, poderá sobressair e outrossim destacar, o fio condutor de que nas suas múltiplas actividades e intervenções, académicas, profissionais, não profissionais, mas de servidor público, jurista, professor, investigador, conferencista, autor e afins, está sempre presente uma trave mestra – a saber – que é a problemática do sistema jurídico e político português.” Mas foi a Universidade Autónoma de Lisboa quem aprovou esta babugem.
Foi Feliciano quem decidiu demonstrar todo o seu domínio da língua inglesa no abstract da tese: “The report about the professional activity here by developed in form and content, in strict compliance with legal and regulatory provisions in force, and has as goal getting the author, a master’s degree in law variant in legal and political sciences from the Autonomous University of Lisbon.” Mas foi a Universidade Autónoma de Lisboa – e também a Autonomous University of Lisbon – quem se convenceu de que isto era inglês de um visiting scholar de Berkeley.
Foi Feliciano quem se apresentou, no seu relatório profissional, como “conselheiro económico do município de Anfhn, na província de Guijhou”, China, entre 2007 e 2011, embora ainda ninguém tenha conseguido descobrir onde fica Anfhn; e também foi graças a ele que soubemos que a elaboração do artigo “Peniche capital do surf” (JN, 4/1/2010) merece constar do seu currículo para a obtenção do grau de mestre em Direito. Mas foi graças ao escrutínio das redes sociais que eu soube disto, e ao facto de a Universidade Autónoma de Lisboa, depois de acolher esta magnífica tese, a ter disponibilizado na sua base de dados.
Foi Feliciano quem efectuou um estudo de mestrado de uma originalidade avassaladora, que após enfrentar um surto de vírgulas descontroladas chega à nunca vista conclusão de que o regime português é semipresidencialista: “A segunda parte deste relatório é na prática um estudo jurídico do sistema jurídico político português, que o seu autor, procura qualificar como sendo um sistema semipresidencialista, ao mesmo tempo em que é feita uma comparação com vários sistemas jurídico políticos comparados.” Mas foi a Universidade Autónoma de Lisboa, e o júri por ela escolhido, quem deu a esta coisa a unânime nota de 18 valores.
E que júri foi esse, afinal? Diogo Leite Campos, ex-vice-presidente do PSD, orientou a tese. A presidente do júri foi Constança Urbano de Sousa, futura ministra da Administração Interna do PS. O terceiro elemento do júri foi António Carlos dos Santos, antigo secretário de Estado do PS. Pelos vistos, é habitual os júris de mestrado da UAL parecerem uma comissão parlamentar no momento de avaliar a competência académica de um político. E isto não foi em 2004 – foi em 2014. O comportamento de Barreiras Duarte é uma vergonha absoluta. O facilitismo da Universidade Autónoma de Lisboa não lhe fica atrás.

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