Os comentários que seguem o
artigo de José Pacheco Pereira sobre o país, que, devido a um atraso
crónico e a duplicidades entre os dois partidos “irmãos” – PS e PSD – não há
meio de se erguer da sua posição de inferioridade económica e cultural, explicitam
melhor o que o discurso refinado de Pacheco Pereira placidamente deixa entrever,
não só na sua elegância discursiva, mas no afastamento altivo da trama de
sordidez que sugere, Pilatos lavando as mãos já imaculadas. A verdade é que não
podemos esquecer que, com o seu poder magnetizante, de senhor do espírito e da
palavra, ele próprio foi um condutor de opinião, aquando das eleições que atropelaram
direitos, levando maquiavelicamente o país pela trama dos seus próprios interesses
políticos de anteriores – mas sempre presentes - princípios marxistas, de cariz
maoísta, ao que leio, pese embora a sua filiação no PSD, dificilmente credível,
tal a agressão – placidamente maligna dos seus comentários magistrais.
OPINIÃO
Se são todos iguais como é que podem ser diferentes?
As explicações sobre o
carácter manipulador de Costa, a anestesia face ao PS e às suas politicas, a
eventual duplicidade de critérios nas críticas ao governo anterior em contraste
com as deste, não explicam nada.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 31 de Março de
2018
A discussão sobre as
forças do governo e as fragilidades da oposição não é uma verdadeira discussão
porque parte de premissas falsas. A mais importante dessas premissas é a
de que há uma diferença de fundo nas políticas económicas, quando não há. E se
não as há em matéria de condução económica muito menos existem no mais
importante terreno das relações institucionais com a União Europeia e com o
Eurogrupo, assim como a aceitação da menorização da soberania nacional com a
perda de autonomia orçamental, a capitulação do parlamento português à
burocracia europeia e aos interesses dominantes, que impedem uma política que
melhor corresponda às nossas necessidades e assegure o desenvolvimento de um
dos países mais atrasados da Europa.
É por isso que as
explicações sobre o carácter manipulador de Costa, a anestesia face ao PS e às
suas politicas, a eventual duplicidade de critérios nas críticas ao governo
anterior em contraste com as deste, não explicam nada, a não ser aquilo
que consiste na principal dificuldade da oposição, é a de que não é oposição, é
que não está em quase tudo em oposição ao governo e no que está são meros
aspectos quantitativos, muitas vezes tão grosseiros que ninguém os leva a
sério. Na verdade, a oposição critica o governo às segundas, quartas e
sextas de pôr em causa a saúde económica do país com as “reversões” e nas
terças, quintas e sábados, para dizer que o crescimento económico do país se
deve ao governo anterior. Ou seja, o Diabo anda por aí, embora atrasado
em cumprir as suas obrigações com Passos, e o Anjo passeia-se com um
autocolante do PS em vez de andar com um do PSD-CDS. Percebe-se? Não, não se
percebe, ou melhor percebe-se muito bem, que é um discurso vazio sobre
uma plataforma vazia numa gesticulação vazia que não pode dar resultados porque
não convence ninguém, nem os próprios.
Significa isso que o PCP
e o BE têm razão sobre a existência de uma espécie de “bloco central” não
assumido entre o PS, o PSD e o CDS? Têm e não têm. Têm porque
como vimos existe um acordo de fundo sobre a governação entre PS, PSD e CDS,
mas esse acordo conta com o beneplácito do PCP e do BE. Ambos aceitaram, por
razões que não são menores, deixar de lado do acordo da “geringonça”, o centro
da política económica para obterem ganhos políticos, sociais e “culturais” no
plano simbólico. Os ganhos políticos principais são dois: um, e o
fundamental, é impedir, pelo exercício da maioria absoluta PS-BE-PCP, o acesso
dos partidos do PAF, PSD e CDS, à governação; e o outro é a travagem do
processo legislativo anti-sindical e contra os direitos laborais que estava em
curso nos anos da troika e que teria certamente continuado se o PAF pudesse
governar. Não são pequenos ganhos, mas tem o preço da deslocação da luta
política e do voto parlamentar para fora do núcleo central da governação
económica, conforme as imposições do Eurogrupo, como se verifica no
Orçamento. Em complemento, as questões de política externa e de defesa, assim
como o aspecto crucial das relações europeias, fica igualmente de fora. Não
contam com o voto do PCP e do BE, mas não pagam o preço dessas políticas nas
decisões centrais do Orçamento, embora obtenham muitas vezes de parte do PS uma
política de prudente omissão para não criar problemas à “geringonça”. Podem
assim continuar a ter uma política tribunícia e declarativa sem afectar a
coligação.
Ganharam também no plano
social, reivindicando reversões e vantagens para reformados e trabalhadores,
muitas vezes apresentando-se como vitoriosos de combates, sobre aumentos de
reformas, sobre medidas sociais, sobre a precariedade, sobre o salário mínimo,
quando o PS e o governo fariam em quaisquer circunstâncias o mesmo. Esse jogo
competitivo de autoria entre BE e PCP, mas também com o PS, é um ganho para o
BE e PCP que podem assim justificar a sua permanência no terreno da governação
com a satisfação de reivindicações a que tem dado patrocínio político.
Por fim, o discurso
político da governação do PS com o apoio parlamentar do BE e do PCP, fez uma
ruptura com o discurso da “austeridade” do governo anterior. Essa mudança não
deve ser menosprezada, mesmo que em muitos aspectos seja apenas retórica,
porque rompeu com o processo de culpabilização de trabalhadores, reformados,
funcionários públicos, classe média, sindicatos e de um modo geral o “Estado”,
pela situação económica do país, colocou-se no terreno da Constituição e deixou
de considerar que esta era uma força de bloqueio para “reformas”, deixou alguns
aspectos do “economês” da troika e apresentou-se com uma agenda com diferentes
prioridades. Insisto, muitas vezes tal discurso foi mais retórico do
que real, em particular na submissão às chamadas “regras europeias”, mas é
errado menosprezar este aspecto “cultural” simbólico da política. Gente
diferente fala diferente, mesmo que faça muita coisa igual.
A questão permanece a
mesma: não há oposição a este governo sem sair do terreno da economia da
“troika” e do questionar a actual Europa, e quer o CDS quer o PSD não o querem
fazer, ou têm medo de o fazer e o BE e o PCP não o podem fazer sem pôr em causa
a sua partilha da governação.
O problema principal que
deveria preocupar quer PS, quer PSD, é o do país real em que vivem, e que deveriam
olhar com alguma distanciação da politiquice habitual, e com consciência de que
o bom momento que se vive na economia nos dias de hoje, tem um enorme
efeito de ocultação enquanto dura e, quando acabar, vai substituir a ocultação
pela recriminação. É o costume, num país em que os grandes partidos da
governação abandonaram de todo o debate político, o pensar fora da ortodoxia,
têm um medo pânico de se portarem de forma inconveniente face aos controleiros
a que se submeteram. Isso é válido em primeiro lugar para a economia,
mas é-o também para a política externa, como se vê com Angola e Espanha,
para a escola onde arrastamos um ensino muito pouco eficaz, para a
justiça, para tudo o que seja instituições onde a rotina é regra, ou
estão instalados muitos interesses, mesmo quando nada funciona.
Sim, Portugal mudou
muito nos últimos anos, inclusive no quadro da União Europeia, mas há
fragilidades de fundo, atrasos atávicos, desigualdades gritantes, uma enorme
falta de competitividade, má preparação dos empresários, baixa qualificação dos
trabalhadores, apatia cívica, corrupção dos grandes e dos pequenos,
clientelismo e amiguismo numa administração distante de qualquer critério de
mérito, mas muito próxima da “cunha”. Se olharem por detrás do fumo da retórica
dos “sucessos”, deixarem o futebol, meia dúzia de casos de êxito empresarial,
cientifico, cultural, desportivo, o país continua muito pouco preparado,
demasiado boçal e inculto, e indefeso. E como são sempre os
mesmos a pagarem os custos das asneiras e como são sempre os mesmos que as
fazem que se escapam ao seu custo, o país reproduz com muita eficácia o que não
deve numa rotina pastosa entrecortada por crises que nada mudam. E, no
entanto, podia fazer-se muito diferente, se fossemos mais livres da cabeça.
A chave está aí: mais livres da cabeça, menos comprometidos com a banalidade e
com a tenebrosa herança salazarista do “respeitinho”.
Comentários
CISTEINA
Porto 01.04.2018 01:15
Boa e oportuna questão, por
demais conhecida e menos combatida. É a democracia que temos, o tal
"respeitinho", agora (e sempre assim foi) muito em voga por causa dos
interesses (e "tachos") em disputa. Antes, esse lugares
(interesses) eram, quase sempre, disputados e preenchidos tendo em conta
competência bastante, agora é o que se vê, cativações (uma necessidade, o
perímetro orçamental é curto e os juros da dívida longos) e incompetência dá no
que dá, uma administração pública às aranhas, saem os melhores e esta malta não
tem experiência e, como tal, cumpre os mínimos, logo se verá se corre mal. E
corre mesmo muito mal ... não faltam exemplos mas a conjuntura mascara. Rui
Rio poderá fazer diferente, colaborando mas sem "respeitinho", isto
é, gritando sempre que o rei sair nu do palácio.
JOSE
31.03.2018 15:46
O que há em disputa entre
ganhar o PSD ou o PS é quem vai distribuir tachos nos órgãos sociais das
empresas e instituições privadas e públicas para os seus correligionários. Nada
mais. António Costa tem colocado bastantes correligionários de Rio: na TAP,
ANA, CGD, CTT, Santa Casa... Já é um avanço para o bloco central de interesses
JONAS ALMEIDA
Stony Brook NY, Marialva Beira Alta31.03.2018
13:33
Altura de facto de o dizer
de facto - a governação do protetorado é assegurada por um bloco central que no
essencial vive de e para a vassalagem a interesses externos. A conversão do que
era um país independente numa roça de que eles sejam capatazes é o modelo
estratégico dos gémeos PS-PSD. O facto de todos sabermos isto torna ainda mais
importante que alguém o diga. Obrigado Pacheco Pereira por ser essa voz
inconveniente.
JOSE
31.03.2018 12:29
Quando o PS reúne para, tem
à volta da mesa quadros dirigentes de empresas e instituições privadas e públicas
por onde passam os fluxos de riqueza que circulam em Portugal. Essas pessoas
que são camaradas, companheiros e senhores querem baixo custo para despedir,
fracos vínculos laborais, muitas isenções fiscais, subsídios às empresas e
instituições que dirigem com os seus iguais do PSD e CDS. Essa é a política
real que encolheu a economia e transferiu a sua propriedade para estrangeiros.
Portugal ficou depenado, sem condições de decidir mais que manter esses boy's a
apodrecer de ricos. Quando reúne o PCP tem lá operários vítimas, com
seus camaradas de "escravatura", do empobrecimento, precariedade e
desemprego. Quando reúne o BE tem pessoas de € 3000/mês, existencialismo e
moral cristã.
JONAS ALMEIDA
Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 31.03.2018
13:42
Da EDP aos CTT temos dois
claros exemplos de como esses fluxos de riqueza com base no saque do erário
público e evasão fiscal são orquestrados por governos diferentes apenas no nome
da franchise partidária.
CAETANO BRANDÃO
MATOSINHOS 31.03.2018 09:24
Mais uma análise superior
com categoria, que explica verdades inconvenientes sobre este país, no fundo
espelhado na sangria costumeira em que os jovens bons e promissores, com ideias
e atitudes novas, voam para o estrangeiro, deixando por cá a mediocridade e a
rotina pastosa de que PP fala.
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