Foi o que me lembrou este texto de António Barreto. Não
lhe sei a letra, que a Internet não forneceu ainda, só lembro a música revoluteante
do seu «gomara saia» a juntar ao estribilho: Elisa ué, Elisa uá, Elisa ué
gomara saia.
Lembrei-me por analogia e por contraste, pois o texto
de António Barreto também usa o mesmo processo definidor do nosso temperamento.
Afinal temos tanto, que dantes não tínhamos, e, em vez do reconhecimento
esperado, continuamos a lembrar os dados negativos da falta de condições
hospitalares, num coro de protestos que lembra a Elisa ué, Elisa uá,
repetitivo, contrastando, embora, com a beleza airosa da canção do Duo “Ouro
Negro”. Não, os nossos protestos, embora revoluteantes sempre, graças à batuta
mágica dos orquestradores sindicais em serviço permanente, não são belos assim,
e nisso contrastam, protesto de povo mesquinho e ingrato que cospe na mão do
benfeitor, Calimero insatisfeito e pipilante, desprotegido e ingrato.
Mas
o avanço nos dados, em compasso orquestrado, por António Barreto, aí está,
impecável de apuramento e de incompreensão, lembrando também, ressalvadas as
distâncias e as intenções, o “sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa
nem outra” de um intelectual argutamente derrotista e autodestruidor genial, como
foi Álvaro de Campos, para além do seu "lagarto a quem cortam o rabo, e que é rabo para aquém do lagarto, "remexidamente"....
Elisa remexida? Calimero pipilante?
Entre danças e gemidos – ou rosnadelas - salva-nos sempre Pessoa.
Tentar
perceber a saúde
ANTÓNIO BARRETO
DN, 29/4/2018
Na União Europeia, Portugal é o quinto país, à
frente de vinte, com mais médicos por habitante! Muito acima da média! Quase o
dobro do Reino Unido e do seu National Health Service!
Na UE e na OCDE, é o quarto país com menos
habitantes por profissional de saúde, melhor do que a média! Na União Europeia,
Portugal é o país com mais médicos de família por habitante. Mas é verdade que
também é um dos países com menos enfermeiros por habitante.
Na Europa, Portugal é um dos países com menos
camas hospitalares por habitante, está em sétimo lugar. Mas, abaixo, estão por exemplo a Dinamarca,
a Espanha e o Reino Unido!
Os vencimentos dos médicos estão, em termos
absolutos, entre os mais baixos da Europa. Em paridade de poder de compra,
estão na primeira metade, acima da média. Como parte do PIB, o total dos
vencimentos dos médicos está entre os mais elevados da OCDE. Isto é, os médicos
têm uma das maiores fatias do PIB. Ganham pouco, mas o PIB é muito pequeno.
Em despesa pública e privada com a saúde, por
habitante, Portugal fica ligeiramente abaixo da média, atrás de catorze países
e à frente de onze. Mas em percentagem do PIB fica em sétimo lugar, acima da
média e à frente de mais vinte.
Com todos estes dados, é difícil perceber por
que razão há "falta de médicos" e filas de espera para consultas e
cirurgias.
As organizações mais credíveis (UE, OCDE, OMS,
INE) surpreendem-nos com observações favoráveis e elogiosas, mas os partidos
denunciam um verdadeiro inferno e os utentes queixam-se. A esquerda diz que a
direita "destruiu" o SNS. A direita garante que a esquerda nada fez
de jeito em três anos.
Pelas más razões, a saúde está de novo no
centro do debate político e das tensões sociais. O tempo e as filas de espera
aumentam. Os custos sobem, os preços também. O orçamento não chega. O défice
cresce. Há luta de classes no sector.
Tudo leva a crer que a saúde esteja em crise.
Não se conhecem bem as causas, mas parece que tem havido menos investimento. Só
que não se sabe se isso é realmente importante. A diminuição de investimento
não parece ter sido assim tão grande. E convém não esquecer que a saúde é há
muito considerado o sector de actividade em que há mais desperdício e pior
gestão.
O debate político sobre a saúde e o Serviço
Nacional de Saúde está a ficar insalubre. Com a aproximação de mais um
orçamento, do ano eleitoral e da revisão das alianças, os nervos estão tensos.
Os ânimos ficam exaltados e a reflexão simples.
Esquerda e direita pensam menos. A primeira é
totalmente a favor do Estado e contra os privados. A segunda é o contrário. O que não parece ajudar muito. Este clima
não é propício ao rigor dos factos e do diagnóstico. Concretamente, não se sabe
por que razões o país tem tão bons indicadores quantitativos (médicos,
hospitais, camas, equipamentos, consultas, urgências), alguns muito bons
resultados (esperança de vida, mortalidade infantil, vacinações) e tão maus
índices de qualidade (espera, acidentes, desigualdades, preços dos medicamentos,
horrendas condições de espera e atendimento nos serviços públicos).
Será que um dia, como já aconteceu duas ou três
vezes desde 1974, poderemos voltar a tratar da saúde sem fanatismo político?
Será que se poderá olhar a sério para a organização dos hospitais? Para a
exigência de condições decentes de atendimento? Para as horas de serviço dos
médicos e dos enfermeiros? Para a necessidade de estabelecer a exclusividade de
funções? Para os efeitos nefastos da acumulação de funções públicas e privadas
de tantos profissionais? Para a inflação de custos de medicamentos e
equipamentos? Para a diminuta prestação de cuidados continuados e paliativos e
de cuidados aos idosos e doentes no domicílio? Para o facto de os blocos
operatórios funcionarem poucas horas por dia, muito abaixo dos padrões de
segurança e eficiência?
Sem a estupidez do fanatismo político, a saúde
e o Serviço Nacional de Saúde poderiam ser a mais formidável realização da
democracia portuguesa.
As minhas fotografias
Almoço em Alfama, com sardinha e turista.
Na casbah lisboeta, ali para os lados de Santo Estêvão, duas
senhoras, certamente turistas, mostram ao que vieram. Uma faz contas à vida,
depois das sardinhas e da mousse de chocolate. Outra, com parceiro,
preparara-se para atacar uma dúzia de sardinhas, o que revela fome e um
estômago de respeito! O turismo já mudou as grandes cidades. Agora, a
respectiva temporada é quase o ano todo. Há vinte anos, era no Algarve. Há dez,
em Lisboa e no Porto, uma novidade. Há cinco, uma alegria. Hoje, já começa a
ser motivo de insatisfação: tuk-tuks, enchentes, barulho, carteiristas,
preços dos restaurantes, alojamentos, rendas de casa, despejos de inquilinos
antigos... É o costume: há sempre alguém que aproveita, há sempre alguém a
rosnar!
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