segunda-feira, 2 de abril de 2018

Pontos de Vista



Os comentários que seguem o artigo de José Pacheco Pereira sobre o país, que, devido a um atraso crónico e a duplicidades entre os dois partidos “irmãos” – PS e PSD – não há meio de se erguer da sua posição de inferioridade económica e cultural, explicitam melhor o que o discurso refinado de Pacheco Pereira placidamente deixa entrever, não só na sua elegância discursiva, mas no afastamento altivo da trama de sordidez que sugere, Pilatos lavando as mãos já imaculadas. A verdade é que não podemos esquecer que, com o seu poder magnetizante, de senhor do espírito e da palavra, ele próprio foi um condutor de opinião, aquando das eleições que atropelaram direitos, levando maquiavelicamente o país pela trama dos seus próprios interesses políticos de anteriores – mas sempre presentes - princípios marxistas, de cariz maoísta, ao que leio, pese embora a sua filiação no PSD, dificilmente credível, tal a agressão – placidamente maligna dos seus comentários magistrais.
OPINIÃO
Se são todos iguais como é que podem ser diferentes?
As explicações sobre o carácter manipulador de Costa, a anestesia face ao PS e às suas politicas, a eventual duplicidade de critérios nas críticas ao governo anterior em contraste com as deste, não explicam nada.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 31 de Março de 2018
A discussão sobre as forças do governo e as fragilidades da oposição não é uma verdadeira discussão porque parte de premissas falsas. A mais importante dessas premissas é a de que há uma diferença de fundo nas políticas económicas, quando não há. E se não as há em matéria de condução económica muito menos existem no mais importante terreno das relações institucionais com a União Europeia e com o Eurogrupo, assim como a aceitação da menorização da soberania nacional com a perda de autonomia orçamental, a capitulação do parlamento português à burocracia europeia e aos interesses dominantes, que impedem uma política que melhor corresponda às nossas necessidades e assegure o desenvolvimento de um dos países mais atrasados da Europa. 
É por isso que as explicações sobre o carácter manipulador de Costa, a anestesia face ao PS e às suas politicas, a eventual duplicidade de critérios nas críticas ao governo anterior em contraste com as deste, não explicam nada, a não ser aquilo que consiste na principal dificuldade da oposição, é a de que não é oposição, é que não está em quase tudo em oposição ao governo e no que está são meros aspectos quantitativos, muitas vezes tão grosseiros que ninguém os leva a sério. Na verdade, a oposição critica o governo às segundas, quartas e sextas de pôr em causa a saúde económica do país com as “reversões” e nas terças, quintas e sábados, para dizer que o crescimento económico do país se deve ao governo anterior. Ou seja, o Diabo anda por aí, embora atrasado em cumprir as suas obrigações com Passos, e o Anjo passeia-se com um autocolante do PS em vez de andar com um do PSD-CDS. Percebe-se? Não, não se percebe, ou melhor percebe-se muito bem, que é um discurso vazio sobre uma plataforma vazia numa gesticulação vazia que não pode dar resultados porque não convence ninguém, nem os próprios.
Significa isso que o PCP e o BE têm razão sobre a existência de uma espécie de “bloco central” não assumido entre o PS, o PSD e o CDS? Têm e não têm. Têm porque como vimos existe um acordo de fundo sobre a governação entre PS, PSD e CDS, mas esse acordo conta com o beneplácito do PCP e do BE. Ambos aceitaram, por razões que não são menores, deixar de lado do acordo da “geringonça”, o centro da política económica para obterem ganhos políticos, sociais e “culturais” no plano simbólico. Os ganhos políticos principais são dois: um, e o fundamental, é impedir, pelo exercício da maioria absoluta PS-BE-PCP, o acesso dos partidos do PAF, PSD e CDS, à governação; e o outro é a travagem do processo legislativo anti-sindical e contra os direitos laborais que estava em curso nos anos da troika e que teria certamente continuado se o PAF pudesse governar. Não são pequenos ganhos, mas tem o preço da deslocação da luta política e do voto parlamentar para fora do núcleo central da governação económica, conforme as imposições do Eurogrupo, como se verifica no Orçamento. Em complemento, as questões de política externa e de defesa, assim como o aspecto crucial das relações europeias, fica igualmente de fora. Não contam com o voto do PCP e do BE, mas não pagam o preço dessas políticas nas decisões centrais do Orçamento, embora obtenham muitas vezes de parte do PS uma política de prudente omissão para não criar problemas à “geringonça”. Podem assim continuar a ter uma política tribunícia e declarativa sem afectar a coligação.
Ganharam também no plano social, reivindicando reversões e vantagens para reformados e trabalhadores, muitas vezes apresentando-se como vitoriosos de combates, sobre aumentos de reformas, sobre medidas sociais, sobre a precariedade, sobre o salário mínimo, quando o PS e o governo fariam em quaisquer circunstâncias o mesmo. Esse jogo competitivo de autoria entre BE e PCP, mas também com o PS, é um ganho para o BE e PCP que podem assim justificar a sua permanência no terreno da governação com a satisfação de reivindicações a que tem dado patrocínio político. 
Por fim, o discurso político da governação do PS com o apoio parlamentar do BE e do PCP, fez uma ruptura com o discurso da “austeridade” do governo anterior. Essa mudança não deve ser menosprezada, mesmo que em muitos aspectos seja apenas retórica, porque rompeu com o processo de culpabilização de trabalhadores, reformados, funcionários públicos, classe média, sindicatos e de um modo geral o “Estado”, pela situação económica do país, colocou-se no terreno da Constituição e deixou de considerar que esta era uma força de bloqueio para “reformas”, deixou alguns aspectos do “economês” da troika e apresentou-se com uma agenda com diferentes prioridades. Insisto, muitas vezes tal discurso foi mais retórico do que real, em particular na submissão às chamadas “regras europeias”, mas é errado menosprezar este aspecto “cultural” simbólico da política. Gente diferente fala diferente, mesmo que faça muita coisa igual.
A questão permanece a mesma: não há oposição a este governo sem sair do terreno da economia da “troika” e do questionar a actual Europa, e quer o CDS quer o PSD não o querem fazer, ou têm medo de o fazer e o BE e o PCP não o podem fazer sem pôr em causa a sua partilha da governação. 
O problema principal que deveria preocupar quer PS, quer PSD, é o do país real em que vivem, e que deveriam olhar com alguma distanciação da politiquice habitual, e com consciência de que o bom momento que se vive na economia nos dias de hoje, tem um enorme efeito de ocultação enquanto dura e, quando acabar, vai substituir a ocultação pela recriminação. É o costume, num país em que os grandes partidos da governação abandonaram de todo o debate político, o pensar fora da ortodoxia, têm um medo pânico de se portarem de forma inconveniente face aos controleiros a que se submeteram. Isso é válido em primeiro lugar para a economia, mas é-o também para a política externa, como se vê com Angola e Espanha, para a escola onde arrastamos um ensino muito pouco eficaz, para a justiça, para tudo o que seja instituições onde a rotina é regra, ou estão instalados muitos interesses, mesmo quando nada funciona.
Sim, Portugal mudou muito nos últimos anos, inclusive no quadro da União Europeia, mas há fragilidades de fundo, atrasos atávicos, desigualdades gritantes, uma enorme falta de competitividade, má preparação dos empresários, baixa qualificação dos trabalhadores, apatia cívica, corrupção dos grandes e dos pequenos, clientelismo e amiguismo numa administração distante de qualquer critério de mérito, mas muito próxima da “cunha”. Se olharem por detrás do fumo da retórica dos “sucessos”, deixarem o futebol, meia dúzia de casos de êxito empresarial, cientifico, cultural, desportivo, o país continua muito pouco preparado, demasiado boçal e inculto, e indefeso. E como são sempre os mesmos a pagarem os custos das asneiras e como são sempre os mesmos que as fazem que se escapam ao seu custo, o país reproduz com muita eficácia o que não deve numa rotina pastosa entrecortada por crises que nada mudam. E, no entanto, podia fazer-se muito diferente, se fossemos mais livres da cabeça. A chave está aí: mais livres da cabeça, menos comprometidos com a banalidade e com a tenebrosa herança salazarista do “respeitinho”.


Comentários
CISTEINA
  Porto 01.04.2018 01:15
Boa e oportuna questão, por demais conhecida e menos combatida. É a democracia que temos, o tal "respeitinho", agora (e sempre assim foi) muito em voga por causa dos interesses (e "tachos") em disputa. Antes, esse lugares (interesses) eram, quase sempre, disputados e preenchidos tendo em conta competência bastante, agora é o que se vê, cativações (uma necessidade, o perímetro orçamental é curto e os juros da dívida longos) e incompetência dá no que dá, uma administração pública às aranhas, saem os melhores e esta malta não tem experiência e, como tal, cumpre os mínimos, logo se verá se corre mal. E corre mesmo muito mal ... não faltam exemplos mas a conjuntura mascara. Rui Rio poderá fazer diferente, colaborando mas sem "respeitinho", isto é, gritando sempre que o rei sair nu do palácio.
JOSE
 31.03.2018 15:46
O que há em disputa entre ganhar o PSD ou o PS é quem vai distribuir tachos nos órgãos sociais das empresas e instituições privadas e públicas para os seus correligionários. Nada mais. António Costa tem colocado bastantes correligionários de Rio: na TAP, ANA, CGD, CTT, Santa Casa... Já é um avanço para o bloco central de interesses
JONAS ALMEIDA
 Stony Brook NY, Marialva Beira Alta31.03.2018 13:33
Altura de facto de o dizer de facto - a governação do protetorado é assegurada por um bloco central que no essencial vive de e para a vassalagem a interesses externos. A conversão do que era um país independente numa roça de que eles sejam capatazes é o modelo estratégico dos gémeos PS-PSD. O facto de todos sabermos isto torna ainda mais importante que alguém o diga. Obrigado Pacheco Pereira por ser essa voz inconveniente.
JOSE
 31.03.2018 12:29
Quando o PS reúne para, tem à volta da mesa quadros dirigentes de empresas e instituições privadas e públicas por onde passam os fluxos de riqueza que circulam em Portugal. Essas pessoas que são camaradas, companheiros e senhores querem baixo custo para despedir, fracos vínculos laborais, muitas isenções fiscais, subsídios às empresas e instituições que dirigem com os seus iguais do PSD e CDS. Essa é a política real que encolheu a economia e transferiu a sua propriedade para estrangeiros. Portugal ficou depenado, sem condições de decidir mais que manter esses boy's a apodrecer de ricos. Quando reúne o PCP tem lá operários vítimas, com seus camaradas de "escravatura", do empobrecimento, precariedade e desemprego. Quando reúne o BE tem pessoas de € 3000/mês, existencialismo e moral cristã.
JONAS ALMEIDA
 Stony Brook NY, Marialva Beira Alta 31.03.2018 13:42
Da EDP aos CTT temos dois claros exemplos de como esses fluxos de riqueza com base no saque do erário público e evasão fiscal são orquestrados por governos diferentes apenas no nome da franchise partidária.
CAETANO BRANDÃO
 MATOSINHOS 31.03.2018 09:24
Mais uma análise superior com categoria, que explica verdades inconvenientes sobre este país, no fundo espelhado na sangria costumeira em que os jovens bons e promissores, com ideias e atitudes novas, voam para o estrangeiro, deixando por cá a mediocridade e a rotina pastosa de que PP fala.


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