domingo, 8 de abril de 2018

Domingo, dia de festa



Com a leitura dos textos de Alberto Gonçalves e de António Barreto:
O primeiro, de Alberto Gonçalves,  pela sua verve crítica, que a verrina mais eleva, pois bate em cheio na grosseria de actuações e reivindicações nacionais fraudulentas, como a da história que relata sobre um “génio” arrivista/vigarista, em busca de sucessivas aplicações do seu talento e de requisição de subsídio estatal, como artista e reivindicador social, que a protecção de Catarina Martins provavelmente fará eleger ao posto competente, num meio pouco exigente de competências reais, como este nosso, tosco e esmoler: A história de Bernardo Lapa, homem da “Cultura”, uma “peça de arte”, complementada com as Notas de rodapé, tão justas, sobre o caso “Lula da Silva” e do presidente do Sporting.
O segundo texto, de António Barreto, um violento libelo contra os perigos de redes sociais ou outras mais subtis, de que ninguém pretende desfazer-se, na defesa da sua liberdade como direito conquistado, preferindo – ou não – ser informado sobre os perigos que corre, de devassa pessoal, a renunciar à sua liberdade de opção. Um artigo circunstanciado, ao jeito crítico de uma argumentação perfeitamente sequente, que causa prazer e assusta. Concluindo com a bela foto do Jardim da Estrela, com as suas referências históricas de tanto interesse onde não falta também o sentido crítico, sobre o desleixo e a incultura nacionais.

A história de Bernardo Lapa, homem da “Cultura”
7/4/2018
Bernardo Lapa celebrou o governo de esquerda, que assumiria a responsabilidade que lhe cabe na Cultura, distribuindo os rendimentos da população bronca pelos agentes” susceptíveis de a iluminar.
É tempo de contar a história de Bernardo Lapa, tão verídica quanto o país. Ainda muito novo, Bernardo Lapa desconfiou que via o mundo de modo diferente. Três oftalmologistas garantiram tratar-se de astigmatismo, mas um tio ligado à mediação de seguros e às artes (participou em três “colectivas” de pintura e visitou outras dezasseis) falou-lhe no “olhar artístico” e desde então Bernardo Lapa não mais deixou de procurar a própria “voz”. Sempre era melhor do que procurar emprego.
No final da adolescência, a par do curso de Antropologia, Bernardo Lapa já havia percorrido inúmeras formas de expressão, da banda desenhada à fotografia, do candomblé à olaria, da acupuntura ao batuque. E causou brado, junto de dois primos, a sua fugaz aparição na curta-metragem “Mariana, ou da Natureza das Coisas”. Aos 21 anos, julgou ter descoberto o seu habitat no universo literário, que depressa abandonou ao perceber que, além de conceber o romance “A Côdea” (o relato de um flautista de rua que convence um gestor de activos a tornar-se flautista de rua), teria também de escrevê-lo. O rigor burguês e acomodado da gramática não o seduzia.
Aos 24 anos, após sucessivos retiros num mosteiro budista e no sofá-cama da namorada, Bernardo Lapa optou por romper com quaisquer abordagens tradicionalistas e dedicou-se a promover instalações. Embora nunca tenha instalado um ar-condicionado ou uma torneira de passagem, ficou relativamente célebre a ocasião em que se instalou num restaurante do Chiado, engoliu um arroz de tamboril com vinho branco e, no momento de pagar a conta, denunciou aos berros a perseguição aos artistas. Nessa época, repetiram-se os berreiros e as greves de fome, nenhuma superior a quatro horas.
A caminho dos 30 e a meio caminho entre a casa dos pais e as vigílias por causas sortidas, Bernardo Lapa viu um mendigo sem pernas e, ao contorná-lo a sete metros, teve uma epifania: só havia uma arte capaz de retratar sem constrangimentos os abismos para que se precipitam as almas, as brechas nos muros da incomunicabilidade, a complexidade da existência, enfim. Nesse instante, permanentemente acometido de uma forte consciência social, Bernardo Lapa comprou duas Sagres Mini e decidiu dedicar a vida ao teatro de marionetas.
Um ano depois, a companhia Cabaça dos Mafarricos, que Bernardo Lapa fundara com um amigo e cinco bonecos, adquirira largo prestígio no eixo Príncipe Real-Campo de Ourique. Restava um problema: estava-se em 2012 e a austeridade “neoliberal” restringia selvaticamente os subsídios à “Cultura”. Por motivos óbvios, a sra. Merkel e Pedro Passos Coelho não queriam expor o povo ao exacto tipo de conhecimento patente nas obras da Cabaça dos Mafarricos. A peça inaugural, “Presos Por um Fio”, descrevia justamente (nos dois sentidos) a angústia de um licenciado em malabarismo – Tomás – que, por intervenção de um poder maligno e avesso à criatividade, se vê forçado a descer a trabalhos típicos da ralé. No derradeiro acto, desesperado pela falta de apoios, Tomás lança-se de um rés-do-chão e magoa-se um bocadinho. Na estreia, os seis espectadores aplaudiram de pé.
Nessa época, a contestação de Bernardo Lapa não se limitou aos fantoches. Politizado, marchou quase diariamente contra Israel, as touradas, a destituição daquela senhora brasileira, o exílio do cançonetista Tordo, o consumo de bacalhau, o aquecimento global, o arrefecimento global, o sr. Trump, a proibição das drogas, o boicote ao Haiti, perdão, a Cuba (ele confundia-os), o Belenenses e, claro, cantou a “Grândola” nas imediações de cada ministro da “direita”. Afinal, Bernardo Lapa era um homem da “Cultura”.
E foi enquanto homem da “Cultura” que Bernardo Lapa celebrou o advento de um governo de esquerda. Finalmente, julgou, o Estado assumiria a responsabilidade que lhe cabe no sector, distribuindo os rendimentos da população bronca pelos “agentes” susceptíveis de a iluminar. No princípio, tudo correu bem. Através de uma ou duas “cunhas”, a Cabaça dos Mafarricos obteve o financiamento de “Um Furúnculo em Setembro”, crítica implacável do turismo nas grandes cidades. Recentemente, porém, Bernardo Lapa soube que a encenação seguinte, ainda com título, tema, enredo e bonecos a definir, não conseguira a subvenção que ele e a humanidade naturalmente esperavam. Num ápice, tirou a conclusão inevitável: o governo de esquerda quer igualmente matar a cultura.
Nos últimos dias, Bernardo Lapa tem-se desdobrado em protestos. Perante as câmaras televisivas, empunhando um cartaz com o slogan “Só a ditadura não gosta da Cultura!!”, explicou às massas que a arte não pode depender do gosto delas, mas apenas do dinheiro. O vídeo, com 374 “visualizações” (e 41 “gostos”), tornou-se viral. Na sexta-feira, Bernardo Lapa desfilou ao lado da dona Catarina do BE, ruidosa adversária do Orçamento que aprova na AR. Começa a falar-se dele para um lugar na Direcção Geral das Artes ou até no ministério. Assim os deuses permitam, já que a “Cultura” é um direito divino.
Notas de rodapé
1. O sr. Lula? Sinceramente, custa-me a crer que um sujeito com passado ilustre no comunismo, no sindicalismo e na apresentação de livros assinados por José Sócrates esteja envolvido num dos maiores esquemas de corrupção da história dos esquemas de corrupção. Se calhar, os tipos fizeram mal as contas e não desapareceu um tostão. Ou então é mesmo má vontade e há uma data de gente interessada em prejudicar a democracia, o progresso social, a paz, o pão, a habitação, etc. Entretanto, espera-se que resultem os esforços dos nossos “media” na beatificação do ex-metalúrgico: é que todos os dias entram por aí brasileiros assustados e convencidos de que esse santo é o demónio em forma de analfabeto. E o modo como o santo evitou entregar-se às autoridades para forçar baderna e sangue mostra que os brasileiros têm alguma razão. O sr. Lula não será o demónio, mas é dos maiores canalhas disponíveis no mercado.
2. Inúmeros desmancha-prazeres pedem a demissão do presidente do Sporting. Nem a brincar. O sr. Bruno de Carvalho é das raras fontes de diversão que o país possui. Deve ser um dom natural, mas a verdade é que tudo o que o homem diz ou faz tem graça. Ontem, foi a suspensão do “plantel” em peso. Amanhã, será a transladação para os Jerónimos da sua vivíssima pessoa. Querer acabar com isto, e com o gozo alheio, é coisa de malucos. E ainda juram que o maluco é ele.

 A liberdade é melhor do que a censura
ANTÒNIO BARRETO
DN, 8/4/18
Perante os evidentes abusos cometidos pelas grandes operadoras de "redes sociais", eleva-se o clamor: mata, esfola, proíbe, censura, vigia, controla e regula! São estas as palavras-chave que descansam os incautos e os virtuosos, mas acabam por permitir aos operadores continuar a fazer os seus negócios, com mais ou menos exigências, mas negócios apesar de tudo.
A verdade é que estas "redes" correspondem a objectos de sedução e criam necessidades de consumo (artificiais, pois claro, como praticamente todas as necessidades de consumo). Fomentam novos costumes e hábitos. Estabelecem padrões de comportamento. Resultam de uma enorme capacidade de manipulação do mercado e de um formidável talento para inventar necessidades sedutoras e irresistíveis.
Estas "redes" vieram para ficar. Sejam as mais conhecidas (as ditas "sociais", a começar pelo famigerado Facebook) sejam todas as outras, fechadas, discretas, profissionais ou diletantes. Há comportamentos, hábitos, sistemas de educação e de ciência, circuitos artísticos e de informação e sobretudo negócios que já não dispensam as "redes".
Estas vivem das decisões individuais de centenas de milhões de pessoas que, no mundo inteiro, aderem e utilizam. Sem essa adesão, não há "redes". O único controlo que se conhece é o exercido por governos ditatoriais, que têm os meios políticos e técnicos para filtrar e censurar como querem e entendem. Também existe o "acompanhamento" feito por empresas e Estados (mesmo democráticos, como se vê agora), que espiam, gravam e observam. É talvez este o sistema prevalecente.
Proibir estas "redes"? Só as ditaduras. Controlar? Ilusão total. No dia seguinte ao estabelecimento de um qualquer procedimento, logo a seguir os operadores de "redes" inventarão outros sistemas e outras "redes". Vigiar e regular? Fora de questão. Primeiro, porque já se faz e ou as pessoas não sabem, ou sabem e não se importam, ou os Estados e as empresas que o fazem não confessam. Segundo, porque, neste capítulo, o Estado merece tanta confiança quanto os operadores e as empresas.
A solução para este problema, se é que tem solução, é a velha e santa liberdade. Informada, pois claro. Por outras palavras: quem pode deve dar meios para que o cidadão decida. Informar e publicar listas exaustivas dos perigos, das faculdades concedidas, dos dispositivos que não estão explícitos mas que podem funcionar (localização das pessoas, listas de contactos, inventários de preferências, actividades viciosas e virtuosas, etc. ...) e dizer o que se deve recear, o que se pode esperar, o que se pode fazer para contrariar, como se pode apagar uma app, como se pode não descarregar os dispositivos... Publiquem-se as listas dos intrusivos e dos que perseguem os cidadãos.
Cada um decida por si. Quanto mais informado melhor. O Estado (e, já agora, jornais, televisões, universidades, associações privadas...) pode elencar os perigos e as soluções, as ameaças e as vacinas. Mas deixem a cada um escolher os seus vícios, os seus defeitos, as suas virtudes, os seus prazeres e a sua curiosidade... E defender a sua privacidade. Ajudem cada um a saber às quantas anda e o que pode fazer...
Há muito a fazer. Pelo Estado, pelos cidadãos, pelas associações, pelas universidades, pelos organismos de defesa dos consumidores... A palavra de ordem é avisar. Informar sobre as consequências e os efeitos, sobre os perigos e as ameaças. Que acontece a quem se inscreve no Facebook? Que se deve fazer para evitar ser perseguido pelo telemóvel, pelo computador e pelas redes? Que app se deve liquidar para que não saibam com quem se anda, a fazer o quê e aonde? Isso é que ajudaria o consumidor e o cidadão! Isso é que dava meios para escolher melhor, para defender a liberdade e para ajudar à autonomia de cada um.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
As minhas fotografias
Arvoredo e Antero de Quental no Jardim da Estrela, em Lisboa. Este é sem dúvida um dos mais belos jardins urbanos de Lisboa e do país. Pequeno, com menos de cinco hectares, foi inaugurado em 1853, tendo sido mandado construir uns anos antes por Costa Cabral. Foi rebaptizado Jardim Guerra Junqueiro, mas a designação caiu em desuso. Aqui viveu em tempos, numa jaula, o famoso Leão da Estrela. Hoje, recebe todos os dias crianças, velhotes, jogadores de sueca e bisca, namorados, feiras de várias especialidades, grupos de piquenique e gente avulsa à procura de paz. Que encontra. Várias estátuas povoam o jardim, quase todas espatifadas e grafitadas. Salva-se, como um fantasma no meio da verdura, este Antero de Quental, da autoria de Barata Feyo. O jardim tem uma encantadora colecção de árvores. Infelizmente, como quase sempre em Portugal, estas não são identificadas, não se lhes conhece o nome vulgar nem a designação erudita, muito menos a data aproximada de nascença. Falta de lucidez e de cultura das autoridades
   FOTOGRAFIA DE ANTÓNIO BARRETO


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