Repoltreado na sua cadeira de inércia
estudiosa, Pacheco Pereira adverte e condena, como sempre fez, e, também como
já fez, vai orientando “este humano povo entre quem lida”, na sua missão
de “enviado” de um demiurgo, se é que não se sente, ele próprio, o demiurgo. Pena
que as suas análises, bafejadas, neste caso, por uma clareza que deveria surtir
mais efeito, no que concerne, pelo menos, à reconstrução, às pressas, das
cidades turísticas, ou à dispersão televisiva pelos futebóis e discussões sem
tento consagradores da idiotia nacional, não surtam, de facto, esse efeito.
Serve, o seu texto, ao menos,
para recordar o soneto XIII de Passos da Cruz, de Fernando Pessoa,
que me lembrou, por deferência.
XIII (de Passos da Cruz)
Emissário de
um rei desconhecido
Eu cumpro
informes instruções de além,
E as bruscas
frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um
outro e anómalo sentido...
Inconscientemente
me divido
Entre mim e a
missão que o meu ser tem,
E a glória do
meu Rei dá-me o desdém
Por este
humano povo entre quem lido...
Não sei se
existe o Rei que me mandou
Minha missão
será eu a esquecer,
Meu orgulho o
deserto em que em mim estou...
Mas ah, eu
sinto-me altas tradições
De antes de
tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus
as minhas sensações...
OPINIÃO
Perguntas que não levam a parte nenhuma por causa das respostas
Centeno quer matar a
“geringonça”? Quer. A “geringonça” quer matar Centeno? Quer.
JOSÉ PACHECO PEREIRA,
PÚBLICO, 14 de Abril
de 2018,
Centeno quer matar a “geringonça”? Quer.
Podia dizer-se de
Centeno que está sentado em duas cadeiras ao mesmo tempo, mas não está. Quem
está sentado em duas cadeiras, uma ao lado da outra, dividindo a sua anatomia
pelas duas é António Costa e o PS. Parece que o espaço duplo é
reconfortante, mas a prazo ver-se-á que não é. Centeno já está noutra, os
resultados portugueses que vier a obter dentro da ortodoxia do Eurogrupo
destinam-se essencialmente a reforçá-lo nas suas novas funções. Por isso está a
ser excessivo com o défice, mesmo com o risco de ajudar a derrubar o Governo, e
isso está a trazer-lhe vários apoios e não são dos socialistas.
A verdade é que alguns
dos compromissos do acordo entre PS-BE-PCP não estão a ser cumpridos.
Há alguns socialistas mais ingénuos e outros de má-fé que pensam que se o
Governo cair o caminho para uma maioria absoluta está garantido. Não está e
uma queda do Governo, mesmo por aquilo que alguns podem considerar benéfico com
a nova ideologia do défice, é sempre má para o PS ir para eleições, e ainda
pior, se depois delas ficar com maioria simples. Não se iludam que o caminho
com o PSD é muito mais complicado do que se pode imaginar nestes dias, apesar
de tudo, de calmaria antes da tempestade.
A “geringonça” quer matar Centeno? Quer.
PCP e BE, se tivessem a
campainha do mandarim, há muito a tinham tocado para pôr Centeno
definitivamente em Bruxelas.
Quer o Presidente ver o Governo cair? Já estive mais certo de que
não queria...
... e não lhe vão faltar
pretextos. É que ele já está a definir casos que servem de pretextos,
condições, para preparar o terreno. Não estou inteiramente certo, presumo que
nem o Presidente, mas a tentação começa a ser muito visível. E ele é um homem
de tentações.
Um dia o turismo diminui ou acaba. O que é que vai sobrar nas
cidades de Lisboa e Porto? Imensos estragos.
Eu percebo que enquanto
dura se aproveite a benesse. O boom do turismo é
positivo em muitos aspectos para as duas cidades em que ele tem tido imenso
impacto, Lisboa e Porto. Tem havido alguma remodelação urbana em centros que
estavam degradados, e há alguma vida de dia e de noite em cidades que pareciam
adormecidas.
Mas se há casos em que a
palavra conjuntura é bem aplicada é para o actual boom turístico. Tudo ajudou, a
insegurança de muitos destinos, as qualidades do clima português, a facilidade
de adaptação de muita gente que rapidamente criou empresas turísticas para
responder à pressão, o efeito de “estar na moda” alimentado por operadores e
por jornalistas de viagens, os preços baratos, mesmo quando subiram muito, a
facilidade de acesso ao país, tudo mesmo. Só que “não há bem que sempre dure”.
Lembram-se do boom das
lojas que compravam ouro? Convém lembrar.
Se passarmos os olhos
sem qualquer ilusão e auto-engano, nem complacência escapistas, sobre o que
realmente está a “mudar”, em particular nas cidades, deveríamos assustar-nos.
Estão-se a fazer hotéis, hostels, restaurantes a mais e tudo isso vai ficar
um dia, que pode não ser muito longínquo, vazio, falido, a estragar-se. Faz-me
lembrar um outro boom dos anos da crise,
quando abriam lojas de compra de ouro por tudo quanto é esquina. Vejam lá as
que sobram.
E pelo caminho, por muito
brilhantes que sejam as suas fachadas — e, se virem bem, poucas o são, e
percebe-se que para andar depressa os projectos arquitectónicos, as obras de
remodelação, os interiores são pouco cuidados e muito estereotipados, feitos
para um turismo barato e pouco exigente —, estão a criar problemas na
cidade a montante e a jusante que muitas vezes não ligamos directamente
ao boom dos hotéis. Por exemplo,
o crescente tráfego em ruas pouco preparadas de veículos de serviços e
distribuição, que servem a qualquer hora lavandarias, bares, restaurantes,
reparações, que a pressão hoteleira fez aumentar consideravelmente. Já para não
falar dos tuk-tuk.
E não só, olhem para
muitas lojas em pleno centro que substituíram o comércio mais antigo, acabando
no centro das cidades, por exemplo, com livrarias, alfarrabistas, e outras
indústrias “culturais”, para venderem literalmente pechisbeque e bugigangas
para turistas que compram souvenirs, que não são eles
mesmos muito qualificados. Alguém tem alguma dúvida que nada
daquilo tem qualquer capacidade para sobreviver, nem sequer agora, quanto mais
depois. Subam, por exemplo, a Rua 31 de Janeiro no Porto e olhem para as lojas.
Ao lado daquilo prefiro mil vezes as mercearias paquistanesas, que são mais
úteis e certamente mais sustentáveis.
As cidades vão ficar
muito estragadas e não vai ser fácil recuperar. É verdade que já estavam, mas
não é a mesma coisa, porque, entretanto, muita coisa foi destruída pelo
caminho.
O que se passa no Sporting é divertido? É.
Porque não é sério. Não
dou um átomo de interesse e relevância às cenas absurdas que se passam num
clube desportivo, que são tão ridículas que não podem ser tomadas a sério. O
que seria, se as tomássemos a sério? Um homem entre o vociferante e o
esquisito preside ao clube. Alguém o pôs lá, alguém o mantém, e gente da
mesma natureza dos dois “alguéns”, nalguns casos os mesmos, vai acabar por o
tirar de lá. Mas quem é que quer saber disso? Os sportinguistas, claro. Não têm
mesmo mais nada para fazer?
Os jogadores protestam,
são suspensos, são readmitidos. Mas quem é que quer saber disso? Os
sportinguistas, claro. Não têm mesmo mais nada para fazer?
Há mais duzentas
perguntas destas que se podem fazer. Mas não vale a pena. Mas quem é que quer
saber disso? Os sportinguistas, claro. Não têm mesmo mais nada
para fazer?
O que se passa na comunicação social com histórias como as do
Sporting é sério? É.
O país encontra no
futebol a sua fábrica de irrelevância e distracção barata, e também uma cultura
de violência consentida e sobre a qual há enorme complacência. Não é bom.
Mas encontra uma outra coisa mais séria — uma comunicação social em crise que
se agarra ao futebol como tábua de salvação, varrendo todos os outros
interesses, todas as outras preocupações, todos os outros temas. É bom para o
poder, é mau para as pessoas e é péssimo para a comunicação social cuja degradação
se acentua à medida que a tabloidização cresce e as notícias e o jornalismo
perdem relevância.
Veja-se o caso do cabo.
Os canais de cabo era suposto serem canais especializados em notícias e haver
uma panóplia de canais dedicados a públicos muito especiais, a quem gosta de
“memória”, de filmes e séries, quem gosta de touradas, de vida na natureza,
antiguidades, certos desportos, religião, ocultismo, arranjos caseiros,
culinária, etc. Estes últimos estão lá, mas são os canais de notícias, os
que foram mais importantes no cabo, que estão a passar a ser canais de futebol.
Era suposto haver canais específicos para futebol e há, só que todos os
outros dedicam horas a jogos e à logomaquia que se lhes segue. E é isso
que as farsas como a do Sporting mostram à evidência. Partilham com os crimes,
as histórias de mães criminosas e filhos abandonados as luzes da ribalta,
porque o nada tem um especial atracção pela televisão.
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