Dois textos sobre Pedro Passos Coelho, há
muito apagado dos meios mediáticos, e que reencontro no OBSERVADOR, como
luz que se reacendeu, a provar que muitos sentem a necessidade de um retorno,
como o mito do Bandarra pôde outrora manter viva a esperança de uma nova dinastia
liberta do domínio espanhol, em ressurreição restauradora. Um texto já antigo,
de Rui Ramos, revelador de seriedade e rigor objectivo, de historiador não orientado
por demagogias que o rancor domina. Aponho-lhe um comentário – decente – (entre
os cerca de quinhentos escritos que o seu artigo mereceu, muitos a merecer mesa
censória, na denguice grotesca das suas intervenções inócuas), que confirma o
meu parecer genérico.
O segundo texto, de Alexandre Homem Cristo,
explica os motivos do silêncio - as vozes caladas depois de terem produzido o
seu efeito destruidor sobre a “carreira” de docência universitária de Passos
Coelho, pela desistência de duas universidades de o contratar, após a algazarra
protestante dos puristas e “purificadores” de esquerda. Um belo texto de Alexandre
Homem Cristo, corajoso e frontal, na denúncia do totalitarismo e implacabilidade
governativa, com a bengala apoiante dessa esquerda virtuosa.
Esse texto, um copo de água pura em
bocas ressequidas - na continuação da metáfora da luz, do texto anterior…
Quem tem medo de Passos Coelho?
OBSERVADOR, 16/3/2018
Na história portuguesa, Passos Coelho foi o primeiro chefe de governo
que, num ajustamento, não pôde dissimular os cortes com desvalorizações
monetárias. Governou com a verdade.
Como acontece no resto do mundo, e como em Portugal aconteceu por
exemplo com Mário Soares, uma universidade decidiu contratar um ex-primeiro
ministro com o estatuto de “professor convidado”. Mas como não acontece no
resto do mundo, e como nunca tinha acontecido em Portugal, a extrema esquerda
mobilizou logo os seus activistas para uma campanha em nome, imagine-se, do
“ensino”. Não vale a pena retomar essa discussão, toda movida a má fé. O que
interessa é notar que, se alguém por acaso duvidou da continuada relevância de
Passos Coelho, terá certamente deixado de duvidar.
Segundo ensinam os seus inimigos, Passos aproveitou a troika para, por
mero capricho ideológico, “destruir a economia” e “desmantelar o Estado
social”. Teria passado pelo poder como uma espécie de Nero, a recitar Hayek
enquanto a sociedade portuguesa ardia. Ora bem, se foi assim, não bastará isso
para o desacreditar? Para que se preocupam tanto com ele?
Acontece que não foi assim, e é esse o problema dos inimigos do
ex-primeiro ministro. Afinal, a economia destruída cresce e recupera emprego
desde 2013. Afinal, o Estado social desmantelado nunca precisou de ser
reconstruído — e pôde até encaixar as cativações da “geringonça” em 2017. É
verdade: Vítor Gaspar agravou brutalmente os impostos. Mas se isso prova alguma coisa, é o carácter de
emergência pública da governação de Passos, que teve de recorrer, para
equilibrar as contas vandalizadas por seis anos de socialismo, ao que não é
costume os “neo-liberais” recomendarem.
O radicalismo liberal de Passos nunca foi mais do que um mito urbano. O
liberalismo de Passos é apenas aquela parcela de liberalismo que, perante o
estatismo deste regime, já existia na “social democracia” de Sá Carneiro, de
Pinto Balsemão ou de Cavaco Silva: a ideia de que sem uma sociedade civil mais
forte e sem um Estado mais viável a democracia nunca estará consolidada em
Portugal. Leia-se o
programa da AD de 1980. Foi um liberalismo que nos últimos anos se tornou mais
notório, não porque o PSD se tivesse feito mais liberal, mas apenas porque o PS
e a restante esquerda se fizeram mais estatistas.
Passos Coelho teve de conduzir um ajustamento que não o deixou ser
“social democrata”, tal como Mário Soares não pôde ser “socialista” em 1978 ou
em 1983. Mas ao
contrário de Mário Soares, Passos não pôde, por causa do Euro, recorrer ao véu
da inflação. Na
história portuguesa, foi o primeiro chefe de governo que, num ajustamento, não
pôde dissimular os cortes com desvalorizações monetárias. Governou com a
verdade. Frequentemente sozinho entre uma oligarquia desorientada, não desistiu
e poupou o país à via grega dos resgates sucessivos.
Para quem teve de suportar descontos e impostos, talvez a verdade tenha
parecido fria. A coligação PSD-CDS perdeu votos entre 2011 e 2015. Mas muita
gente percebeu: a prova é que em 2015, contra toda a expectativa, Passos Coelho
derrotou o candidato do PS a primeiro-ministro, António Costa.
Os inimigos de Passos Coelho nunca recuperaram do susto de 2015.
Juntaram-se então todos para o afastar, mas mesmo seis meses depois de ele ter
anunciado que não se recandidataria à liderança do PSD, o tema ainda tem de ser
Passos Coelho. É que os oligarcas não se sentem seguros. Sabem que tudo é
demasiado conjuntural. E se as coisas mudarem? Não irá o povo dizer — ao menos,
aquele não nos enganou…? É preciso, por isso, continuar a combatê-lo. Com
inimigos destes Passos não precisa de amigos para ser lembrado e até
homenageado.
UM COMENTÁRIO:
ANTÓNIO JOSÉ RODRIGUES REBELO
Gostei de ler este artigo; é excelente, pela simplicidade e
humildade, em termos de conteúdo, que assumiu. Constitui só a verdade. Muitas
mais coisas poderiam ser ditas, mas o articulista foi objetivo, enunciou os
aspetos essenciais: o país estava na bancarrota, Pedro Passos Coelho, evitou,
com a sua seriedade humana e política, o desgaste dos resgastes sucessivos dos
gregos. A prova é que a partir do seu governo, todos podiam pegar nele, e foi
assim que foi gerada a geringonça. Toda a gente agora pode dar o que a política
de Pedro Passos Coelho guardou, ou, mais propriamente, resgatou.
II TEXTO:
Coragem
OBSERVADOR, 9/4/2018
É razoável supor que os protestos produziram dano efectivo na vida de
Passos Coelho: antes havia três universidades interessadas na sua contratação,
depois dos protestos só uma realmente avançou.
No início de Março, o país soube que, assim que abandonasse o
parlamento, Pedro Passos Coelho daria aulas
em três universidades – duas públicas e uma privada. O ISCSP
foi a primeira instituição a avançar, contratando o ex-primeiro-ministro para
leccionar Economia e Administração Pública, com o estatuto de catedrático
convidado. Rapidamente estalou o verniz – protestos de académicos,
críticas de políticos, ebulição nas redes sociais. A discussão foi longa,
justificou inúmeros ângulos de análise e permitiu
constatar o óbvio: o problema não era, como se alegava, o estatuto de
catedrático convidado, porque muitos outros políticos (nomeadamente do PS)
haviam recebido iguais convites sem despoletar um centímetro de resistência. O
problema era o ódio a Passos Coelho: a esquerda nunca lhe daria paz, fosse
qual fosse o rumo da sua vida profissional.
Aparentemente, funcionou: por mais que se tivesse concluído que toda a
discussão foi ridícula, que se saiba só o contrato com o ISCSP avançou.
Isto é, tanto quanto se sabe, as outras duas instituições (uma pública e uma
privada) desapareceram de cena. Ou seja, é razoável supor que os protestos
produziram dano efectivo na vida de Passos Coelho: antes dos protestos havia
três universidades interessadas na sua contratação, depois dos protestos só uma
realmente avançou.
A regra não-escrita é conhecida: “quem se mete com o PS, leva”. E se Passos Coelho é um
exemplo óbvio e recente, existem muitos outros. Veja-se a onda de ódio que caiu
subitamente sobre Nádia Piazza assim que foi tornada pública a sua participação
num grupo de trabalho do CDS – insinuações, ataque à sua credibilidade,
desrespeito total pela sua decisão e pela sua perda pessoal. E uma mensagem
clara: qualquer independente que, como ela, colabore com críticos do governo PS
será alvo de retaliação. Recordem-se também as ameaças (físicas e
profissionais) de que tem sido alvo o juiz Carlos Alexandre, que lidera as
investigações a José Sócrates e a Ricardo Salgado, cujo objectivo não poderia
ser mais claro: dissuadir quem investiga. Ou, em escalas menos públicas mas
igualmente intimidatórias, reveja-se como humoristas, jornalistas ou
cronistas pagam o preço profissional quando o seu trabalho tem por alvo figuras
influentes do regime e do aparelho socialista.
Dir-me-ão que nada disto é novo. Certo: o PS sempre se considerou dono
do regime e agiu como tal impondo-se no controlo dos negócios, da comunicação
social e das movimentações na sociedade civil – afinal, não é um acaso que
Sócrates tenha feito o que fez, ao lado de quem fez e durante tanto tempo sem
que uma alma o denunciasse. Mas o ponto agora a reter é que, com as mãos dadas
a PCP e BE, o domínio do PS não enfraqueceu – pelo contrário, tem tudo para se
acentuar, pela simples razão que encontra ainda menos obstáculos.
É mais do que sabido que uma das razões do
sucesso do actual governo está no controlo da contestação social organizada –
factor para o qual contribuem PCP e BE, diminuindo a crispação nas suas
estruturas sindicais e profissionais. O que menos vezes é assinalado é que esse
controlo da máquina do protesto não serve só para influenciar o ambiente do
debate político e a tomada de decisão quanto a medidas concretas. Esse domínio
do poder e do protesto organizado, estendido às redes sociais através de contas
(algumas anónimas) com milhares de seguidores, é também uma arma de intimidação
constantemente apontada a quem ousa desafiar os planos dos seus titulares. A
retaliação é implacável: acusações, pressões institucionais, agressões pessoais
e envolvimento da família – o que for necessário para, mais do que abafar a
mensagem, fazer o mensageiro pagar o preço. E, assim, lançar também um aviso
público: quem ponderar seguir pelo mesmo caminho fica a saber o que esperar.
Do outro lado da barricada, surge a pergunta que, goste-se ou não, é
inevitável: valerá a pena passar por isto, tornar-se saco de pancada e
arriscar consequências pessoais e profissionais? São muitos mais os que decidem
que não, não vale a pena: basta ouvir o que tantos empresários, políticos,
jornalistas e académicos dizem em privado e depois não repetem em público.
Poder-se-ia, então, concluir que esta máquina de intimidação funciona porque a
cobardia é mais numerosa do que a valentia. Por mais que tudo isso seja
desanimador, o ponto que importa não é esse. O verdadeiro ponto está na
pergunta de partida ter de ser colocada: algo está mal quando o poder se
alimenta da intimidação e quando o exercício concreto da liberdade ascende a
acto de coragem.
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