Pátrias perdidas, chefes perdidos, povos perdidos. Ou talvez não. A
Itália, nação sempre assolada por lutas e divisionismos, mas forte e poderosa e
gloriosa, tão criadora de beleza, tão extraordinária nas suas gentes, tão
defensora da alegria de viver! Foi nela que começou, já na Meia Idade, o
Renascimento com os seus ideais humanistas vivificados, que os outros povos
adaptaram aos seus escritos e artes. Não, a Itália, solo de tantas Repúblicas,
hoje um país uno, ou mesmo que o não seja, saberá seguir em frente, como
sempre seguiu, na força das suas gentes. Afinal, foi um seu compositor que escreveu a ópera de que se
extrai o “Canto dos Escravos Hebreus”, o “Va pensiero”, coro de
saudade do solo natal, em tempo de repressão - caso da ocupação austríaca do
Norte da Itália, no tempo em que Verdi a escreveu, sobre o cativeiro de
Babilónia dos Judeus, no tempo de Nabucodonosor. É dele que se serve Rui
Tavares, para comentar as eleições italianas actuais, que se revelaram tão indecisas, nos seus nacionalismos descrentes
e nas suas dúvidas sobre chefes com autenticidade, - além das liberdades
democráticas com dispensa generalizada de ideologias – trazendo cada vez mais confusão e
indefinição nessas chefias - eleições de resultados, pois, catastróficos para uma
coesão governativa pretendida.
Por cá, temos o chefe recente de um partido – Rui Rio – que não
tem oferecido urgência nas respostas às exigências dos seus apoiantes, ele
próprio também, talvez, dispensando as ideologias. David Dinis, na sua
Editorial, usa uma espécie de estribilho sobre o tempo vazio de produção, de
Rui Rio, desde que foi eleito e tomou posse, que, talvez como lamento,
talvez como ironia, faz lembrar também o tal Coro, que, por isso, reproduzo, e
que se escuta sempre com gosto e emoção. Por ser tão belo, é certo. Tão
diferente da nossa míngua.
OPINIÃO Da pátria tão bela e perdida
Se o governo italiano for construído pelo Movimento 5 Estrelas com um
apoio tácito de uma parte da esquerda pode ser que daqui a uns tempos se
escrevam sobre a Itália os artigos a que agora nos habituámos sobre a
geringonça portuguesa.
RUI TAVARES PÚBLICO, 9 de Março de
2018
Florença, Itália. — O Nabucco de Verdi estreou há 176 anos, na
noite de 9 de março do ano de 1842, no Teatro alla Scala de Milão. Reza a lenda
que quando ouviram então os versos do seu coro mais conhecido — o Va
Pensiero, em que os judeus cantam as suas saudades da pátria no período do
exílio babilónico —, os italianos puderam imediatamente tomar essas palavras
como expressão do seu próprio anseio de unidade em época de dominação
austríaca. Reza a lenda, digo eu, porque é bem possível que apenas
retrospectivamente se tenha inventado esta explicação.
O que é certo é que menos de vinte anos depois a Itália era declarada
oficialmente unificada pela mesma geração que ouvira o Nabucco. Desde
então se falou muito de fazer do Va, Pensiero o hino do país — apenas
mais uma das tantas coisas que os políticos italianos foram deixando para mais
tarde, e que acabaram por não decidir.
Ora, uma das razões para que o Va, Pensiero não tenha sido
escolhido como hino de Itália é que o seu poema parece derrotista. É
nos seus versos que se fala de uma “minha pátria, tão bela e perdida” cujo
único pecado é definir demasiado bem a Itália nos dias em que os italianos se
sentem melancólicos.
Quase dois séculos depois, pouco se falou por aqui do aniversário
do Va, Pensiero. Mas os italianos estão ocupados a discutir algo que os
contemporâneos de Verdi imaginariam que viesse rapidamente a ser assunto
encerrado, a saber: como é possível que das eleições de passado domingo tenha
resultado um país partido ao meio?
Quem olhou para o mapa eleitoral de Itália viu uma mancha tricolor.
Ao Norte, a cor azul da aliança de direita que esconde na verdade o verde
escuro da Liga, partido que já foi separatista e então se chamava a “Liga
Norte para a Independência da Padânia” (hino oficial: para suprema ironia e
insulto, o Va, Pensiero de Verdi). Ao Sul, a paisagem eleitoral é
dominada pelo amarelo do Movimento 5 Estrelas, que foi o partido
mais votado do país.
É esta divisão geográfica e ideológica que levou os observadores
externos a declarar o país partilhado entre dois populismos — o da Liga e o
das 5 Estrelas — e a tomá-los por equivalentes. Daqui partiram as
leituras apressadas que identificaram o anti-europeísmo e a xenofobia da Liga
como se fosse transferível para as 5 Estrelas. O populismo é dominante em
Itália, é verdade. Mas não seria verdade já antes? Não era Berlusconi
populista? Não o era Renzi também, quando foi para um referendo proclamando que
ou era ele ou era o caos? A questão que os observadores externos não se colocam
mas que vai ocupar a mente dos italianos daqui para a frente é se todos estes
populismos são iguais, ou seja, se isto significa que todos os gatos são pardos
da mesma maneira.
E é aí que o voto no Sul vem dar algumas pistas para o futuro. O voto no
Movimento 5 Estrelas é, sim, o voto de uma parte do país que se sente
abandonada. Mas é, mais decisivamente ainda, um voto que vem da esquerda, e
muitas vezes em políticos que vêm da esquerda.
É também o voto de uma região que tem um entendimento muito diferente do
que deve ser a solidariedade na Itália e na Europa (críticos da Europa mais por
falta dela do que por excesso dela, por muito que isso desagrade aos
comentadores eurofóbicos).
É verdade que, no tempo de Beppe Grillo, o Movimento 5 Estrelas se aliou no
Parlamento Europeu ao grupo eurocético de Nigel Farage; mas também é verdade
que muitos dos seus deputados queriam fazer parte dos Verdes europeus, e que o
próprio Grillo tentou depois mudar para o grupo Liberal assumidamente eurofederalista.
Os comentadores tentam recriar um ambiente de conflito na zona euro após as
eleições italianas. Mas o anunciado ministro das finanças do movimento — que só
pronunciou uma frase em inglês na noite eleitoral, para dizer que a Itália não
sairia do euro - é um keynesiano heterodoxo que, se lá chegar, virá a ser no
eurogrupo um bom aliado de Mário Centeno.
Na sua cegueira, parece que a presidência da Comissão Europeia preferia
que Berlusconi tivesse ganho as eleições em Itália - isto quando o fim político
de Berlusconi foi das poucas boas notícias que a Itália e a Europa tiveram no
domingo. Mas se forem
menos cegas, e menos surdas, pode ser que as instituições europeias ainda
venham a encontrar razões para entender que o voto italiano tem aspectos
mais construtivos do que aquilo que até agora se pensava. Muita água vai
correr debaixo das pontes, mas se o governo italiano for construído pelo
Movimento 5 Estrelas com um apoio tácito de uma parte da esquerda pode ser que
daqui a uns tempos se escrevam sobre a Itália os artigos a que agora nos
habituámos sobre a geringonça portuguesa. Vai uma aposta?
Regressemos a Verdi. O patriotismo italiano do seu tempo já era um
patriotismo inclusivo e europeísta. Não é por acaso que um dos seus maiores
cultores, o político Giuseppe Mazzini, inseriu o seu movimento de unificação
italiana numa das primeiras associações políticas internacionais, a que chamou
“Jovem Europa”. Esta tinha por objetivo a libertação de todos os
europeus que viviam sob regimes absolutistas, ou seja, fazer da Europa (como da
Itália) uma pátria menos “bela e perdida”. Eis um espírito no qual faríamos bem
em procurar hoje alguma inspiração.
EDITORIAL Quanto tempo tem Rui Rio?
Se Rui Rio parte da certeza que tem o lugar
seguro até às legislativas, talvez seja bom lembrar-se do que aconteceu ao
único líder partidário que tinha Seguro no nome.
DAVID DINIS PÚBLICO, 9 de Março de 2018
Rui Rio foi eleito líder do PSD há 55 dias. E foi entronizado como
presidente do partido há 19 dias. Neste entretanto, passou pela residência oficial do primeiro-ministro, e
também pela sede do CDS. Ontem foi, finalmente, falar ao seu grupo parlamentar.
Tirando o circuito oficial, recebeu um líder partidário de São Tomé e Príncipe
e o embaixador alemão no seu gabinete. E saiu dele uma só vez, numa visita
guiada à Bolsa de Turismo de Lisboa.Rui Rio foi eleito há 55 dias,
entronizado há 19. E abriu negociações com o Governo sobre dois temas,
ambos propostos pelo Governo, em que o PSD tinha já posições definidas sobre o
assunto — sem que se conheça qualquer variante.
Rui Rio foi eleito há 55 dias, entronizado há 19. E já anunciou que terá um “Governo-sombra” — a
que não quer chamar “Governo-sombra”, mas sim “porta-vozes” do partido. Só não
terão ainda muito para dizer, porque para Rui Rio apresentar propostas é
precipitado (“depressa e bem, não há muito quem”, disse-nos ele em Belém).
Rui Rio foi eleito há 55 dias, entronizado há 19. Mas, das directas para cá, não pôs um
tema na agenda política. Neste tempo, disse-nos que “há vida e país para lá da
economia”, mas o primeiro debate que pediu na Assembleia foi sobre... economia
e desemprego.
Rui Rio foi eleito há 55 dias, entronizado há 19, e deixou o palco ao Governo, ao CDS e à sua
oposição interna, por quem mostra a indiferença que só alimenta a divergência.
Eleito há 55 dias, entronizado há 19, Rui Rio passou todo este tempo a “arrumar a
casa”, confiando que a opinião pública verá nele o pacificador construtivo que
faltava ao país. E não deve tardar muito a ter a sua primeira sondagem, que
será o primeiro teste à estratégia do capacete azul silencioso.
Ontem, já passados 54 dias da liderança de Rui Rio, 18 da
entronização, até Marcelo deixou o alerta: as primeiras eleições são já
daqui a um ano e será necessária “uma área de governo muito forte e uma área de
oposição muito forte”, para evitar brechas por onde entrem “demagogos,
populistas”.
Cinquenta e cinco dias, ou 19, se preferir, não serão suficientes para Rui Rio se impor
como líder, mas podem ser suficientes para se criar a ideia de que o seu
silêncio não é prudência, é impreparação. E se Rui Rio parte da certeza de que
tem o lugar seguro até às legislativas, talvez seja bom lembrar-se do que
aconteceu ao único líder partidário que tinha Seguro no nome.
Rui Rio foi eleito há 55 dias, entronizado há 19. Mas quanto tempo tem Rui Rio para nos
deixar a primeira ideia? Quanto tempo terá Rui Rio?
VA PENSIERO
Va',
pensiero, sull'ali dorate
Va', ti posa sui clivi, sui colli
Ove olezzano tepide e molli
L'aure dolci del suolo natal!
Va', ti posa sui clivi, sui colli
Ove olezzano tepide e molli
L'aure dolci del suolo natal!
Del Giordano
le rive saluta
Di Sïonne le
torri atterrate
Oh mia patria sì bella e perduta!
Oh membranza sì cara e fatal!
Oh mia patria sì bella e perduta!
Oh membranza sì cara e fatal!
Arpa d'or
dei fatidici vati
Perché muta dal salice pendi?
Le memorie nel petto raccendi
Ci favella del tempo che fu!
Perché muta dal salice pendi?
Le memorie nel petto raccendi
Ci favella del tempo che fu!
O simìle di
Sòlima ai fati
Traggi un suono di crudo lamento
Oh! T'ispiri il signore un concento
Che ne infonda al patire virtù!
Traggi un suono di crudo lamento
Oh! T'ispiri il signore un concento
Che ne infonda al patire virtù!
Che ne
infonda al patir
Al patire virtù
Che ne infonda al patir
Al patire virtù
Al patire virtù
Che ne infonda al patir
Al patire virtù
Al patire virtù!
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