quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Antes de ser já o era


“Um filme que não é” é o título da rubrica “Ainda ontem” do “Público” de 8 de Setembro, de Miguel Esteves Cardoso, sobre o filme “A Gaiola Dourada”. Um filme que não fui ver, que não tenciono ver, desconfiada do êxito de bilheteira do filme, que não acreditei que fosse, no que Esteves Cardoso me veio dar razão. Um filme de parolice, provavelmente de uma história banal de emigração penosa, de piada revisteira e muita troça, implícita ou explícita, à singularidade de um povo de baixo nível social e cultural, mas obstinado e afectivo, que seduz a população portuguesa provavelmente na graça tosca sobre os seus costumes, expressa como homenagem aos pais emigrantes por um dos filhos que aparentemente se cultivou, já como rebento de segunda geração, no país onde pôde cultivar-se. O filme é êxito cá, e se lá fora também for, será graças aos que se não envergonham das figuras “grossas”, amantes de comer, mais do que de estudar, porque nunca este último desafio esteve patente nas estruturas sociais elitistas do seu país de origem.

Vejamos o que dele diz Miguel Esteves Cardoso, a quem, naturalmente, desgostam não só as mazelas sociais e a banalidade efabuladora nele reproduzidas, mas também as características de pobreza fílmica que o filme de Ruben Alves reproduz, sem rebuço:

«A “Gaiola Dourada” é, até agora, o filme mais visto deste ano. Ultrapassou o “Velocidade Furiosa 6”  Decidi ver os dois filmes – mas não ir ver os dois filmes. Lembro-me sempre da valiosa distinção de Samuel Johnson, falando (injustamente) de Dublin e (justamente) da Giant’s Causeway a cinco quilómetros da destilaria de Bushmills. Boswell perguntou-lhe se não valia a pena ver a Giant’s Causeway e Johnson respondeu: “Se vale a pena vê-la? Vale sim senhor. Mas não vale a pena ir vê-la.”

São ambos maus filmes, mas o primeiro não só não precisa de ser visto num cinema como ganha em não ser visto em lado algum. Tinha uma impressão vagamente positiva do filme sem ter lido nada acerca dele. Mal o vi, perdi-a completamente. Numa coisa o realizador Ruben Alves teve razão: como português que sou, tive vergonha do filme, apesar de não ter tido nada a ver com ele. Os actores – sobretudo a maravilhosa Rita Blanco – são espantosos sobretudo por fazerem de conta que há portugueses assim, como a antítese da inteligente, autónoma e imaginativa pessoa que é a portuguesíssima Rita.

O “Velocidade Furiosa 6” de Justin Lin, é um filme estúpido mas é um filme de cinema, em que o movimento é aproveitado. Vê-se como pano de fundo, enquanto se lê um livro ligeiro. Levanta-se a vista de vez em quando: cada desilusão está garantida mas existe esperança antes de todas.

Já "A Gaiola Dourada” nem sequer uma boa merda é: é uma merda má. Não tem graça: nem uma desgraça consegue ser.»



Um filme, ao que parece, para guardar na gaveta envergonhada dos filhos da terceira geração, já, talvez, mais integrados num país de iluminismo antigo e benfazejo, mas que cada vez mais se vai diluindo, num país de fraca absorção das Luzes.
 





Nenhum comentário: