“Um
filme que não é” é o
título da rubrica “Ainda ontem” do “Público” de 8 de Setembro, de Miguel
Esteves Cardoso, sobre o filme “A Gaiola Dourada”. Um filme que não fui
ver, que não tenciono ver, desconfiada do êxito de bilheteira do filme, que não
acreditei que fosse, no que Esteves Cardoso me veio dar razão. Um filme de
parolice, provavelmente de uma história banal de emigração penosa, de piada
revisteira e muita troça, implícita ou explícita, à singularidade de um povo de
baixo nível social e cultural, mas obstinado e afectivo, que seduz a população portuguesa provavelmente
na graça tosca sobre os seus costumes, expressa como homenagem aos pais
emigrantes por um dos filhos que aparentemente se cultivou, já como rebento de
segunda geração, no país onde pôde cultivar-se. O filme é êxito cá, e se lá
fora também for, será graças aos que se não envergonham das figuras “grossas”,
amantes de comer, mais do que de estudar, porque nunca este último desafio
esteve patente nas estruturas sociais elitistas do seu país de origem.
Vejamos o
que dele diz Miguel Esteves Cardoso, a quem, naturalmente, desgostam não só as
mazelas sociais e a banalidade efabuladora nele reproduzidas, mas também as
características de pobreza fílmica que o filme de Ruben Alves reproduz, sem
rebuço:
«A “Gaiola
Dourada” é, até agora, o filme mais visto deste ano. Ultrapassou o “Velocidade Furiosa
6” Decidi ver os dois filmes – mas não
ir ver os dois filmes. Lembro-me sempre da valiosa distinção de Samuel Johnson,
falando (injustamente) de Dublin e (justamente) da Giant’s Causeway a cinco
quilómetros da destilaria de Bushmills. Boswell perguntou-lhe se não valia a
pena ver a Giant’s Causeway e Johnson respondeu: “Se vale a pena vê-la? Vale sim
senhor. Mas não vale a pena ir vê-la.”
São
ambos maus filmes, mas o primeiro não só não precisa de ser visto num cinema
como ganha em não ser visto em lado algum. Tinha uma impressão vagamente
positiva do filme sem ter lido nada acerca dele. Mal o vi, perdi-a
completamente. Numa coisa o realizador Ruben Alves teve razão: como português
que sou, tive vergonha do filme, apesar de não ter tido nada a ver com ele. Os
actores – sobretudo a maravilhosa Rita Blanco – são espantosos sobretudo por
fazerem de conta que há portugueses assim, como a antítese da inteligente,
autónoma e imaginativa pessoa que é a portuguesíssima Rita.
O “Velocidade
Furiosa 6” de Justin Lin, é um filme estúpido mas é um filme de cinema, em que
o movimento é aproveitado. Vê-se como pano de fundo, enquanto se lê um livro
ligeiro. Levanta-se a vista de vez em quando: cada desilusão está garantida mas
existe esperança antes de todas.
Já "A Gaiola
Dourada” nem sequer uma boa merda é: é uma merda má. Não tem graça: nem uma
desgraça consegue ser.»
Um filme,
ao que parece, para guardar na gaveta envergonhada dos filhos da terceira
geração, já, talvez, mais integrados num país de iluminismo antigo e benfazejo,
mas que cada vez mais se vai diluindo, num país de fraca absorção das Luzes.
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