Tenho uma prima em Pinheiro de Lafões, do concelho de
Oliveira de Frades, que, quando há dias lhe perguntei, preocupada, como corriam
as labaredas na zona de Vouzela e arredores, que os incêndios devastavam em
pujança, segundo as reportagens televisivas, e as condolências e o minuto de pesar,
da competência do Governo e do Parlamento – única ocasião de consenso, feito,
aliás, de silêncio - pelos bombeiros mortos e outros sofrendo queimaduras - ela
considerou que havia grandes interesses nestes desacatos nacionais,
inexistentes nos tempos de Salazar. Roçavam-se as matas então, para o estrume
dos campos e a cama dos gados, eu lembrei a participação infantil, da minha
irmã e minha, na limpeza do pinhal próximo da nossa casa, os chamiços e a
caruma que íamos buscar na canastrinha, para acender o lume, e evoquei a canção
que se cantava nas escolas:
«Ó meninos plantai
árvores
Para engrandecer a Nação,Vós dizeis que viva a Pátria,
A Pátria do coração!
A Escola que há-de erguer-vos
À vida, à glória imortal,
Nós somos
A carne, os nervos, o sangue de Portugal.»
A minha prima também se
lembrava de a ter cantado. Mas considerámos a falsidade dos dizeres nos tempos
de hoje, quer na questão do amor pátrio, quer na questão da arboricultura, um e
outra desfeitos em fumo, em várias frentes.
No blog A Bem da Nação, acabo de ler o artigo de José
Gomes Ferreira – A INDÚSTRIA DOS INCÊNDIOS
– que nos esclarece amplamente sobre os comos e os porquês de tal flagelo.
Gomes Ferreira começa por se pôr perguntas de arguta
análise, a que dá cabal resposta, envolvendo o conceito sintetizado no título,
sobre a indústria incendiária, abrangendo interesses muitos, e contestando as acusações
oficiais de crime de fogo posto, irresponsabilidade, vingança ou tendências
artísticas contemplativas. Um texto claro que conclui com sugestões para o que
se deveria fazer e não se faz. E com a informação do possível desastre final,
caso se não reverta a situação, das nossas futuras semelhanças com o terreno
marroquino.
Talvez fosse esse, todavia, um bom motivo para passarmos
a distribuir – e desta vez sem metáfora - a ofensiva designação por muitos, que
António Silva, zeloso pai e cidadão irascível, dirigiu a um só: “Ó seu camelo!”
O texto de José Gomes Ferreira:
A.INDÚSTRIA DOS INCÊNDIOS
A evidência salta aos olhos:
o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita
gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal.
Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.
Oficialmente, continua a
correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos
incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a
negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários
seriam pessoas mentalmente diminuídas.
Mas a tragédia não
acontece por acaso. Vejamos:
1 - Porque é que o
combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas
privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?
Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias
frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação
após tantos anos de ocorrências? Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros
para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma
dúzia de aviões Cannadair? Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para
combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis? Porque é que
as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao
combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?
2 - A maior parte da
madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada
após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os
madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o
negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona
Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a
dizer que não há motivações económicas nos incêndios...
3 - Se as autoridades não
conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se
especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram
incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra
o que diz a lei.
4 - À redacção da SIC e
de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do
seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística
em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não
quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.
5 - Infelizmente, no
Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas
primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para
os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta
realidade.
Há cerca de um ano e
meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das
três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a
transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era
que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a
praticar o crime... Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi
aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse
tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta – e até as
habitações – e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto
perfeitamente marginal?
Estranhamente, voltamos a
ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no
sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o
país.
Há uma indústria dos
incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas
têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de
crime.
Estranhamente, o Estado
não faz o que poderia e deveria fazer:
1 - Assumir
directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível.
Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de
equipamento militar.
2 - Distribuir as
forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de
vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções
pontuais de vigilância e combate às chamas).
3 - Alterar a moldura
penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e
investigar e punir efectivamente os infractores
4 - Proibir
rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos
na lei.
5 - Incentivar a
limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando
centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.
6 - E, é claro, continuar
a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.
Com uma noção clara das
causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar
que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de
África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com o deserto marroquino
serão inevitáveis a breve prazo.
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