Um texto já
antigo – de 2011 - de João César das Neves que o Dr. Salles achou por bem
colocar no seu blog “A Bem da Nação”, por, certamente, lhe parecer de uma
actualidade e pertinência totais. Antes
de condenarmos as acções dos que governam e impõem despedimentos, a isso
forçados, pelas razões óbvias de uma crise surgida há muito, também por excesso
de colocação, a dada altura dos trâmites piedosamente e astutamente
revolucionários, de funcionários não necessários, que oneraram
extraordinariamente os Serviços Públicos, deveríamos ponderar, como informa
César das Neves, na parte que nos cabe a todos, de aceitar que um ínfimo país
preguiçoso necessite de tantos funcionários, muitos deles oportunistas sem
brio, que não trabalham nem estão presentes, quando países de maior envergadura
reduzem o seu funcionalismo, ao qual fazem exigências de comportamento eficaz
que entre nós só seguem os profissionais autênticos, por motivação e zelo
pessoais.
ARMADILHA DE FUNCIONÁRIO
Os funcionários públicos têm
razão para se sentirem perseguidos, sempre chamados à primeira linha dos
sacrifícios. É compreensível que imaginem uma conspiração nacional contra eles
e é natural o desânimo, indignação, até raiva de tantos trabalhadores honestos,
cumpridores e dedicados à causa pública. Nestes momentos não é fácil fazer uma
análise serena e profunda da questão, mas é exactamente agora que é mais
necessária. Antes de julgar é preciso entender.
A simples observação
numérica mostra logo algo estranho. Nos indicadores da União Europeia vemos que
Portugal em 1995, primeiro ano comparável, era o sexto país com maior peso dos
salários de funcionários públicos no PIB, 12,5%. Acima de nós só os três
nórdicos, França e Áustria; a média dos então quinze era 10,8%. Dez anos
depois, em 2005, apesar do alargamento, subíramos para o impressionante quarto
lugar, com 13,9%, apenas ultrapassado por Dinamarca, Suécia e Chipre. Aí
começou a alegada perseguição. A austeridade do último Governo corrigiu em
parte a situação insustentável, mas em 2011 a nossa posição é ainda de 12.º,
com 11,5%, bem acima da média dos 27 (10,7%) e de parceiros como Espanha
(11,1%), Itália (10,7%), Holanda (9,7%) e Alemanha (7,1%). Temos de descer
mais.
A função pública é uma vasta
realidade, diversificada e complexa, impossível de resumir em alguns
parágrafos. Mas dois problemas básicos dominam a instituição e explicam a
referida perseguição. O principal drama dos funcionários públicos não é que
ganhem muito, mas que sejam muitos. São imensos, certamente mais de 12% da
população activa, valor impossível de suportar. A austeridade nunca consegue
actuar nessa dimensão, por ser quase proibido dispensar trabalhadores. Assim é
obrigada à alternativa de apertar a remuneração individual que não só é injusta
mas ineficaz.
Pior ainda, este problema
quantitativo é agravado por uma questão de qualidade. Os funcionários não só
aceitaram sem protestar que os seus números explodissem, mas permitiram que
fosse eliminada qualquer forma eficaz de avaliação relativa. Na função pública
existem os melhores e os piores trabalhadores do País, todos tratados da mesma
forma com iguais regalias e segurança. Há funcionários vitais e indispensáveis,
de quem depende a operação de serviços essenciais, ao lado de parasitas que
tomam café e complicam o trabalho alheio. As prateleiras douradas estão por
cima de repartições exemplares.
A nossa função pública tem
múltiplos serviços fundamentais e milhares de funcionários solícitos,
competentes e sacrificados. Mas, como eles sabem melhor que ninguém, também tem
múltiplos departamentos inúteis, ociosos e até nocivos, e graves problemas de
carreirismo, burocracia, desperdício e abuso. O simples facto de nem se saber
bem o total de servidores do Estado é disso sinal evidente. Entretanto, as
regras internas implicam que o único incentivo para a eficiência é a
consciência pessoal do próprio trabalhador, porque os apáticos ganham o mesmo
sem riscos.
As causas destes dois
problemas de quantidade e qualidade são variadas, mas o próprio corpo de
funcionários está longe de ser inocente. Acima de tudo a culpa cai na
responsabilidade directa de governantes laxistas e tíbios, que verteram
facilidades e benefícios sobre aqueles que davam corpo à sua acção. É verdade
que esses políticos saíram incólumes e hoje muitos gozam reformas de luxo,
enquanto os antigos subordinados suportam austeridade. Mas estes não se podem
eximir de culpas.
Aliás, ao lado do vaivém dos
políticos, supostamente responsáveis pelas decisões, a acção e estabilidade do sistema
deve-se precisamente aos servidores do Estado e às suas organizações. Foram
eles e elas que assistiram passivamente, senão activamente, ao degradar da
situação. Não podem hoje acusar do desastre os sucessivos ministros que
serviram. Não só porque ganharam muito com a derrapagem, mas sobretudo porque
permitiram em silêncio que a sua actividade tão digna fosse degradada. É esta a
terrível armadilha dos funcionários.
31 de Outubro de 2011
João César
das Neves
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