segunda-feira, 9 de setembro de 2013

«Doze indomáveis patifes»


Deu há dias, em mais uma reposição, o filme de Robert Aldrich, de 1967, leio na Internet, com Lee Marvin no principal papel – o de um entroncado Major do Exército Americano, encarregado de treinar um bando de condenados para uma missão suicida contra o exército germânico, durante a II Guerra Mundial, o que lhes dará a possibilidade de se livrarem das respectivas condenações, algumas das quais à morte. Um filme divertido, que revela espírito de rebeldia mas também a coragem que em muitos outros filmes da luta americana transparece como mensagem de um país poderoso, à imagem do povo viril e orgulhoso do seu poder, que bastas vezes acorreu em auxílio do Ocidente, não apenas por zelo de fraternidade, mas para criar barreiras à expansão de ideologias avassaladoras, destrutivas da liberdade humana. Grande parte das vezes, todavia, os interesses económicos dominadores presidem aos seus objectivos de ambiguidade e sofisma.

Tal como os actores americanos dos filmes estadunidenses de guerra, denunciadores da dimensão orgulhosa de um povo e uma nação, Barack Obama apresentou-se garbosamente nos centros europeus, pisando o chão com a autoridade do possuidor de um vasto chão, e transportando a sua mensagem da necessidade de punir os criminosos que mataram com arsenal químico, embora desconhecendo a autoria dos matadores. Tal como em tempos se fizera, nas alturas de Bush e de Saddam Hussein…

Também Obama se apresenta como o Jeová bíblico, tantas vezes castigador e dizimador, por conta da purificação dos costumes, embora sem resultados práticos. Vasco Pulido Valente várias vezes tem mostrado os cordéis que movem as políticas americanas ou outras, neste caso particular.  O artigo de 1 de Setembro «Uma guerra absurda», a que se seguirá, em 6 de Setembro “A ilusão de Obama”, mostra bem a preocupação que uma atitude de “força” ocidental poderá acarretar para o mundo inteiro:

«Uma guerra absurda»

«Cameron foi proibido pela Câmara dos Comuns de intervir na Síria por meios militares. Trinta deputados do Partido Conservador votaram contra o Governo e também nove deputados do outro partido da coligação. Cameron disse que tinha compreendido a ordem do povo e declarou que lhe obedeceria. Nunca tinha acontecido antes, que um primeiro-ministro perdesse uma votação quando se tratava de decidir entre a guerra e a paz. Sucedeu agora. Apesar de uma crescente dependência e disciplina, ainda apareceram nos grupos parlamentares 40 indivíduos que seguiram a sua opinião (e a sua consciência), em vez de seguirem obedientemente a política do seu chefe e senhor. A lição que a Câmara dos Comuns deu a Cameron não seria possível em Portugal. Em Portugal, a Assembleia da República faz tudo o que lhe mandam.

E assim Obama ficou sozinho. E por culpa dele. Primeiro, resolveu estabelecer perante o mundo a famigerada “red line” contra o uso de gás. A seguir, ameaçou com uma intervenção, como se não precisasse de um mandado da ONU ou sequer de esperar pelos peritos que foram à Síria. E, no fim, acabou internacionalmente isolado, sem o apoio dos países do Médio Oriente (tirando Israel), sem o apoio da “Europa” (tirando a França) e sem apoio do próprio Canadá. Vai meter a América numa nova aventura (mais perigosa sdo que a do Iraque e a do Afeganistão), acompanhado apenas pelo sr. Erdogan da Turquia e pela Arábia Saudita, dois parceiros que não se recomendam. O comportamento errático de Obama e as dezenas de erros que cometeu comprometem um mandato estimável e provavelmente acabarão por inutilizar o segundo.

Pior do que isso, Obama não pretende liquidar o regime de Assad (até porque não existe na Síria uma oposição capaz de o substituir) e sabe muito bem que um “ataque cirúrgico” não mudará em nada a situação estratégica. O que ele quer é castigar Assad pelo crime de matar com gás 1400 pessoas (4oo crianças) e, julga ele, impedir que o caso se repita. OP prestígio da América está em jogo, pensam loucamente os serviçais da Casa Branca e Obama imagina que uma pequena intervenção da América não trará consequências de maior. No que se engana: uma violenta retaliação de Assad é susceptível de sublevar o Médio Oriente inteiro e, em última análise, empurrar a América para uma longa, frívola e mortífera campanha. Que o sr. Hollande, impotente e desarmado, se alivie de algumas cretinices que pesam no seu doce coração não interessa muito. Mas que Obama o imite é com certeza catastrófico.»

Que a guerra contra o governo de Assad é absurda, não parece duvidoso. A maioria dos povos é contra, com medo das consequências sobre o mundo. Mas todas as guerras são absurdas, já o disse Pessoa no “Menino de sua mãe”, ou António Botto em “Baionetas de morte”. Ou mesmo Nicolau Tolentino na sátira "A Guerra", ou Vieira... Tantos! Mas as baionetas são material bélico ultrapassado, a guerra agora é espectáculo aéreo que os média gostarão de divulgar. Além disso, os versos de Botto ou de Pessoa não chegam aos olhos de Obama. Tampouco dos jornalistas. São mais de doze os patifes:


...Louvar a guerra? - Loucura
...Que é preciso arrancar
...De quem a quiser sentir!
...A humanidade não deve
...Atraiçoar a razão
...Fundamental de existir.
.
...
Punhais, espadas, metralha,
...Tudo isso para quê,
...Se a vida pode ser bela?
...- O homem à luz do amor
...Chegaria ao infinito
...Para tocar uma estrela!
.
...Viver na lama sinistra
...De uma trincheira atascada
...De mortos e podridão,
...É perder a consciência
...Do que vale para a vida
...Ter no peito um coração.
.
...
Morrem cem mil? Não importa?
...Em nome da Pátria, quantas
...Infames negociações!
...Soluços! Caem por terra
...Nas lágrimas dos vencidos
...As mais altas ilusões.
.
...
Conquistar novas bandeiras,
...Chegar além!..., Mais além!...,
...Matar, impor, destruir,
...É tombar, ingloriamente,
...Na maravilha fatal
...Do eterno Alcácer-Quibir!


in "Baionetas da Morte"
de António Botto, ed. 1936

 

 

 

 

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