Vasco Pulido Valente, refere - no
artigo do “Público” de 7/9 – “Não lhes toquem” - a imprudência de uma
intervenção baseada, ao que parece, em bons sentimentos, visto que punitiva, de
retaliação pelo uso de armas químicas sobre inocentes civis sírios, com origem
na governação de Bashar al-Assad contra a sua própria gente. No artigo de 13/9
– “A Rússia ganha” – refere a inépcia de Obama em todo o processo
interventivo junto da Rússia e outras competências europeias, com hipóteses de
resoluções sem fins, por enquanto, à vista, mas indiscutivelmente, com a
humilhação de Obama que, todavia, para salvar a honra do seu convento, informa
que “o acordo para a destruição de armas
químicas foi possível graças à "ameaça credível do uso da força pelos
EUA".
A
insistência de Pulido Valente na questão demonstra bem a preocupação acerca de
um conflito, que, a continuar segundo os trâmites da piedade castigadora do
Presidente americano poderá ter consequências terríveis à escala do orbe
terrestre e talvez mesmo do espaço envolvente, graças ao apuramento cada vez
mais sofisticado dos meios mortíferos criados pelo engenho humano, a quem não
falta igualmente a arte do espectáculo universal. As duas primeiras guerras do
século passado no-lo ensinaram, com a criação dos meios submarinos e aéreos,
além da fabricação da bomba atómica que os Estados Unidos não se importaram de
utilizar, aqui há uns anos – quase sete décadas - creio que também por motivos
de bons sentimentos, embora mais do foro nacionalista, de amor pátrio
contemplando um justo sentimento de vingança retaliatória.
Eis o
primeiro texto de Vasco Pulido Valente:
«Não
lhes toquem»
«Não há
diferença entre uma acção punitiva, como a que Obama planeia contra a Síria, e
uma guerra. Para ganhar uma guerra, são necessárias três condições. Primeira,
que os objectivos estejam bem definidos. Segunda, que uma vez cumpridos,
retirem radicalmente ao inimigo as possibilidades de retaliação. E terceira,
que o agressor tenha um plano para substituir o regime que liquidou ou caiu por
efeito da sua ingerência. Na Síria, a América não pode contar com nenhuma
destas condições. Não existe maneira de avaliar ao certo a que objectivos
(muitos deles dispersos, depois do anúncio oficial de Obama) os mísseis da
América conseguirão chegar. A queda imediata de Assad não parece fatal. E, pior
do que tudo isso, não existe um partido ou uma aliança política capaz de
sustentar em relativa ordem um novo regime.
As
fronteiras da Síria com o Líbano, a Jordânia, o Iraque, a Turquia e
principalmente Israel permitem a Assad criar o caos na região e alargar a guerra,
hoje propagandeada como uma espécie de “operação cirúrgica”, e uma guerra
regional em que, tarde ou cedo, o Irão também se envolverá. Diga Obama o que
disser, o que a América agora começar não acabará tão facilmente como começou.
Não surpreenderia ninguém que durasse tanto ou mais do que a campanha do Iraque
e do Afeganistão, que continua sem fim à vista, excepto o de uma retirada
vexatória. O “castigo” porque Obama e, por exemplo, Hollande, falam esta
linguagem “moralizadora” corre o perigo de se transformar num corpo a corpo
universal para a recomposição ”nacional” e religiosa do Médio Oriente, que a
Inglaterra e a França talharam e retalharam em 1918 para os seus próprios
interesses.
Sobre
isto, a oposição na Síria (como, em parte, o partido do Governo) é um
aglomerado de grupos, que se detestam por razões religiosas, políticas,
tribais, linguísticas, geográficas, mas fundamentalmente étnicas. Basta dizer
que, quando era uma colónia da França, a Síria foi dividida em quatro
províncias, que entre si viviam isoladas e só comunicavam com Damasco. Os
famosos “liberais” de que a propaganda ocidental não pára de falar, não passam
de uma pequena “clique”, sem força ou influência, perdida na turbulência da
guerra interna, para que, aliás, não contam. Obama devia perceber mas
provavelmente os seus serviçais não o ajudam, que a América, como a Europa, a
China, a Índia e o Brasil – gente de outros mundos, de outras culturas, de
outras tradições – não se pode imiscuir nos problemas dos islamismos, sem grave
risco para o Islão e para si mesmos.»
Eis o
segundo texto de Vasco Pulido Valente:
«A
Rússia ganha»
«A
intervenção cirúrgica que Obama prometeu foi felizmente comprometida pela
inabilidade dele e por causa de uma coisa de que já ninguém se lembrava, excepto
para a desprezar: a opinião pública. A data estava marcada e o plano pronto,
quando Cameron e Obama descobriram, para sua surpresa, que a Inglaterra e a
América não queriam qualquer espécie de guerra. O Parlamento paralisou Cameron;
e Obama, isolado doméstica e diplomaticamente, resolveu adquirir alguma
legitimidade e pedir ao Congresso que o apoiasse, mas logo se viu que esse
apoio era duvidoso, mesmo entre os representantes do seu próprio partido. De
fora, só ficou a França, que sempre viveu entre o autoritarismo e as
revoluções. Bastou a Hollande uma discussão sem votos na Assembleia Nacional
para reafirmar uma aventura que mais de 60 por cento o eleitorado rejeita.
A incerteza e as demoras que
estas peripécias provocaram deram à Rússia uma grande oportunidade: a
oportunidade de aparecer como intermediária entre a Síria e Obama numa situação
em que o Ocidente se tinha metido num beco sem saída. Que vantagens tira a
Rússia disso? Fora o prestígio de Estado “normal” (que anda longe de ser), mete
a América, se ela por acaso aceitar, num sarilho sem fim. A proposta de retirar
ou destruir o arsenal químico de Assad (que se calcula entre 1000 e 10000
toneladas de gás) é manifestamente absurda. Para começar, exige que Assad
confesse onde o escondeu, ou seja, por outras palavras, concede a Assad uma
grotesca confiança. Em segundo lugar, exige à volta de 1000 peritos, que para
se moverem em segurança, precisam de tropas da América, da Europa e da Rússia.
Em terceiro lugar, exige dinheiro, muito dinheiro. Em quarto lugar exige um
armistício entre as várias partes da guerra civil, que pode durar, com
optimismo, quatro ou cinco anos. Finalmente, exige o fortalecimento de Assad –
como se compreenderá, indispensável a tudo isto.
A situação agora é esta.
Se as negociações entre a América e a Rússia falharem, a Rússia acusará. Como de
costume, a América de imperialismo e má fé; e Obama ficará praticamente
impedido de avançar com a sua “intervenção cirúrgica”. Se as negociações não
falharem, a América entregará sem um gesto ao sr. Putin. Mas, pior do que isso,
a incapacidade da esquerda (americana ou não) para perceber as realidades do
poder será arrasadoramente provada e a América voltará tarde ou cedo a uma
forma atenuada de isolacionismo. O que de certeza não fará bem nenhum ao
mundo.»
No caso de não incumprimento do governo sírio,
transcrevo da Internet:
«Mas ainda que o plano traçado não se refira
directamente ao uso da força, os dois responsáveis comprometeram-se a
apresentar uma resolução no Conselho de Segurança que deixe em aberto o recurso
ao Capítulo VII da Carta
das Nações Unidas, se o regime sírio não cumprir a parte que lhe compete – como se pode ler no 4.º
parágrafo do texto do acordo (documento em inglês).
Este capítulo prevê "a interrupção completa ou parcial das
relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos,
postais, telegráficos, radioeléctricos, ou de outra qualquer espécie, e o
rompimento das relações diplomáticas", mas também dá ao Conselho de
Segurança a possibilidade de "levar a efeito, por meio de forças aéreas,
navais ou terrestres, a acção que julgar necessária para manter ou restabelecer
a paz e a segurança internacionais".
Como diria Heitor em “La
guerre de Troie n’aura pas lieu” de Jean Giraudoux: “Elle aura lieu”.
O farfalhudo das conversações, a luta das vaidades, vão empolar
a questão e conduzi-la ao irremediável.
Foi assim na primeira e na segunda guerras, foram muitos milhões os que
morreram e os que foram exterminados nas câmaras de horrores fabricadas pelos
homens para o domínio do seu universo.
Uma amiga minha mandou-me imagens da Síria – de Damasco e outras
terras, “antes que tudo isso fosse destruído”. Que beleza! Quanta
recordação do passado, quanta elegância do presente, na modernidade das
universidades, dos teatros, dos edifícios, o movimento, a simplicidade dos
estudantes no seu trajar, sem o pretensiosismo do trajar académico de alguns
nossos… Gostei das fotos reveladoras de um índice civilizacional elevado. Mas os
facciosismos religiosos e as lutas pelo poder impõem a guerrilha que degenerará
em guerra. La guerre qui aura lieu. Mundial. Salvadora da paz. Até um dia.
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