O dia de
ontem foi para mim prolixo em amostras da gente que somos no país que temos.
Começou
pela leitura do “Público “ de sábado passado, 21/9, no, habitualmente lido em
primeiro lugar, artigo de Vasco Pulido Valente: “Sem limites” foi sobre
o candidato Fernando Seara à Câmara de Lisboa, com promessas utópicas – eu
diria anedóticas - nos seus cartazes, para ganhar a Câmara, no que é apoiado pelos
partidos do Governo. Transcrevo o parágrafo final:
«António
Costa conseguiu ao fim de muito tempo e de muito esforço reduzir a dívida da
Câmara de Lisboa e chegar a uma situação financeira sustentável. O programa de
Seara (se merece o nome) iria numa dúzia de meses criar uma nova dívida muitas
vezes superior à antiga. Mas parece que ninguém lhe chamou a atenção para esse
ridículo pormenor; e nem o CDS nem o PSD se importam que ele faça uma campanha
destinada a arruinar o Estado e a ludibriar o eleitorado. Esta prática não
escandaliza agremiações que por ela sempre manifestaram uma especial deferência.
Só não se percebe como, no meio do regabofe estabelecido, o Governo ainda
arranja coragem para cortar “dez por cento aos pensionistas do Estado e aos
pobres reformados do “regime geral”. A desvergonha é ilimitada.»
Entretanto,
telefonou-me um amigo, contando da recandidatura de Carlos Carreiras, também do
PSD, à Câmara de Cascais, e a notícia do aumento descomunal da dívida da
autarquia relativamente à deixada pelo presidente anterior, António Capucho, que,
se bem me lembro, dali saíra por acusações graves de negócios obscuros e agora
se propunha para a Câmara de Sintra.
Eu acabara
de ler, no mesmo jornal, o texto de José Pacheco Pereira, de verrina contra
Paulo Portas – “A natureza da “crise Portas” é ser endémica” – e cansada
de tanto ataque certeiro e de tanto saber pujante, pensara na anomalia de um
país que vive de abocanhar, de largar bitaites, uns mais estudados do que
outros, todos na ânsia de valorização pessoal, mais do que de tentativa de
ajudar a salvar esse país. Pensara que, conhecendo pouco de política, ao que se
aponta, Passos Coelho era um homem decidido a tentar ultrapassar uma crise, e
Paulo Portas pretendia ajudá-lo nisso, e quando Portas usou o seu truque de
alarme de saída, tudo ficou aterrado e criticou Portas, com receio de que
faltasse a mama europeia, caso se mantivesse a resolução, que obrigou Coelho a
fazer cedências a Portas para que reconsiderasse. Mas retomou-se o fôlego, e desde
que tudo voltou ao normal tudo voltou a atacar em força, Marques Mendes, Constança
Cunha e Sá, os habituais comentaristas, tudo com muita seriedade – ou mesmo sem
ela - gente que se considera impecável, vomitando críticas ou impropérios, e embora
outros considerem que há factores económicos positivos, isso passa ao largo,
ninguém o reconhece ou todos os da crítica o minimizam .
E o que
respondi ao meu amigo foi que, entre tantos os nossos bem falantes, nenhum se
oferece para fazer melhor, substituindo os mal amados. No fundo, não passamos
duns pedantes tão ridículos como os emigrantes pilosos e palreiros que a “Gaiola
Dourada”, ao que se diz, põe em destaque. Piores do que estes, todavia, porque
estes, pelo menos, apesar dos hábitos parolos com que emigraram, construíram
filhos mais requintados, embora não suficientemente bem formados para não
cuspirem na malga de que provieram.
É isso que
fazemos bem. Cuspirmos, hábito muito nosso. Cospe Jardim também, no mesmo jornal
“Público”, com a parolice grosseira de sempre, ao defender “ser necessária
uma revolução no país para garantir que todas as conquistas do 25 de Abril não
se percam por “imposição do capitalismo estrangeiro”, astutamente fingindo ignorar
que as conquistas que conseguiu para a Madeira - tirante a independência desta “dos
do Continente” que almeja conseguir – se deveram ao tal capitalismo
estrangeiro, sem o qual tais conquistas turísticas não seriam possíveis. A
imposição pelo actual Governo, de colaborar no pagamento das dívidas,
restringindo-lhe o afluxo dos capitais anteriores, o torna eloquentemente
palrador sem respeito pela bandeira do “seu” país.
É um humor
sórdido e bem vaidoso o nosso. Acabei o dia a ver o Canal Memória, primeiro com
um episódio do Conde de Abranhos, cujos actores acentuam os traços encontrados
em Eça, a caricatura neste, transformada naqueles, em arrebiques de ostentação
irónica ou grotesca, caso do prego espetado na nádega do sr. desembargador, pai
da futura esposa de Alípio, que solícito, com mira na fortuna e mão daquela, o
extraiu com as cautelas e servilismos necessários . Mas os berros e gemidos que
o descritivo torna hilariantes, ostentados pelo actor-personagem tornam-se não
caricatos mas obscenos. Em seguida foi o programa “Por Outro Lado”, apresentado
com elegância por Ana Sousa Dias, de entrevista a António Lobo Antunes, que já
em tempos vira e me desconcertara pelos trejeitos de lábios e voz e mãos em
movimento, e dedos na boquinha ou no nariz, o olhar fugidio, em esgares e contorções,
dizendo coisas para surpreender, contestando, mostrando desgostos, usando
discursos pedantes de falsa modéstia e falsa vergonha a estralejar de orgulho e
de falsa bondade e compreensão.
Um dia em
cheio sobre as nossas gentes, imagem do que somos, papagaios vistosos e
palradores, pretensiosos conhecedores e críticos de nós próprios, mas ninguém se propondo para assumir e fazer
diferente. Os desligados do poder, apenas. Que os “ligados” condenam e prometem
mudança, mas apenas para efeitos eleitoralistas. As contingências do status não possibilitam diferenças. Senão para pior.
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