sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Variações em/com dó

   

O dia de ontem foi para mim prolixo em amostras da gente que somos no país que temos.
Começou pela leitura do “Público “ de sábado passado, 21/9, no, habitualmente lido em primeiro lugar, artigo de Vasco Pulido Valente: “Sem limites” foi sobre o candidato Fernando Seara à Câmara de Lisboa, com promessas utópicas – eu diria anedóticas - nos seus cartazes, para ganhar a Câmara, no que é apoiado pelos partidos do Governo. Transcrevo o parágrafo final:

«António Costa conseguiu ao fim de muito tempo e de muito esforço reduzir a dívida da Câmara de Lisboa e chegar a uma situação financeira sustentável. O programa de Seara (se merece o nome) iria numa dúzia de meses criar uma nova dívida muitas vezes superior à antiga. Mas parece que ninguém lhe chamou a atenção para esse ridículo pormenor; e nem o CDS nem o PSD se importam que ele faça uma campanha destinada a arruinar o Estado e a ludibriar o eleitorado. Esta prática não escandaliza agremiações que por ela sempre manifestaram uma especial deferência. Só não se percebe como, no meio do regabofe estabelecido, o Governo ainda arranja coragem para cortar “dez por cento aos pensionistas do Estado e aos pobres reformados do “regime geral”. A desvergonha é ilimitada.»

Entretanto, telefonou-me um amigo, contando da recandidatura de Carlos Carreiras, também do PSD, à Câmara de Cascais, e a notícia do aumento descomunal da dívida da autarquia relativamente à deixada pelo presidente anterior, António Capucho, que, se bem me lembro, dali saíra por acusações graves de negócios obscuros e agora se propunha para a Câmara de Sintra.

Eu acabara de ler, no mesmo jornal, o texto de José Pacheco Pereira, de verrina contra Paulo Portas – “A natureza da “crise Portas” é ser endémica” – e cansada de tanto ataque certeiro e de tanto saber pujante, pensara na anomalia de um país que vive de abocanhar, de largar bitaites, uns mais estudados do que outros, todos na ânsia de valorização pessoal, mais do que de tentativa de ajudar a salvar esse país. Pensara que, conhecendo pouco de política, ao que se aponta, Passos Coelho era um homem decidido a tentar ultrapassar uma crise, e Paulo Portas pretendia ajudá-lo nisso, e quando Portas usou o seu truque de alarme de saída, tudo ficou aterrado e criticou Portas, com receio de que faltasse a mama europeia, caso se mantivesse a resolução, que obrigou Coelho a fazer cedências a Portas para que reconsiderasse. Mas retomou-se o fôlego, e desde que tudo voltou ao normal tudo voltou a atacar em força, Marques Mendes, Constança Cunha e Sá, os habituais comentaristas, tudo com muita seriedade – ou mesmo sem ela - gente que se considera impecável, vomitando críticas ou impropérios, e embora outros considerem que há factores económicos positivos, isso passa ao largo, ninguém o reconhece ou todos os da crítica o minimizam .

E o que respondi ao meu amigo foi que, entre tantos os nossos bem falantes, nenhum se oferece para fazer melhor, substituindo os mal amados. No fundo, não passamos duns pedantes tão ridículos como os emigrantes pilosos e palreiros que a “Gaiola Dourada”, ao que se diz, põe em destaque. Piores do que estes, todavia, porque estes, pelo menos, apesar dos hábitos parolos com que emigraram, construíram filhos mais requintados, embora não suficientemente bem formados para não cuspirem na malga de que provieram.

É isso que fazemos bem. Cuspirmos, hábito muito nosso. Cospe Jardim também, no mesmo jornal “Público”, com a parolice grosseira de sempre, ao defender “ser necessária uma revolução no país para garantir que todas as conquistas do 25 de Abril não se percam por “imposição do capitalismo estrangeiro”, astutamente fingindo ignorar que as conquistas que conseguiu para a Madeira - tirante a independência desta “dos do Continente” que almeja conseguir – se deveram ao tal capitalismo estrangeiro, sem o qual tais conquistas turísticas não seriam possíveis. A imposição pelo actual Governo, de colaborar no pagamento das dívidas, restringindo-lhe o afluxo dos capitais anteriores, o torna eloquentemente palrador sem respeito pela bandeira do “seu” país.

É um humor sórdido e bem vaidoso o nosso. Acabei o dia a ver o Canal Memória, primeiro com um episódio do Conde de Abranhos, cujos actores acentuam os traços encontrados em Eça, a caricatura neste, transformada naqueles, em arrebiques de ostentação irónica ou grotesca, caso do prego espetado na nádega do sr. desembargador, pai da futura esposa de Alípio, que solícito, com mira na fortuna e mão daquela, o extraiu com as cautelas e servilismos necessários . Mas os berros e gemidos que o descritivo torna hilariantes, ostentados pelo actor-personagem tornam-se não caricatos mas obscenos. Em seguida foi o programa “Por Outro Lado”, apresentado com elegância por Ana Sousa Dias, de entrevista a António Lobo Antunes, que já em tempos vira e me desconcertara pelos trejeitos de lábios e voz e mãos em movimento, e dedos na boquinha ou no nariz, o olhar fugidio, em esgares e contorções, dizendo coisas para surpreender, contestando, mostrando desgostos, usando discursos pedantes de falsa modéstia e falsa vergonha a estralejar de orgulho e de falsa bondade e compreensão.

Um dia em cheio sobre as nossas gentes, imagem do que somos, papagaios vistosos e palradores, pretensiosos conhecedores e críticos de nós próprios, mas  ninguém se propondo para assumir e fazer diferente. Os desligados do poder, apenas. Que os “ligados” condenam e prometem mudança, mas apenas para efeitos eleitoralistas. As contingências do status não possibilitam diferenças. Senão para pior.

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