Vivemos num mundo maluco
De ventos incertos
E muitos moinhosQue Sócrates espalhou
Para criar energia,
Segundo explicou.
Contra esses, nem Quixote se atiraria,
Que logo seria levado nos aresE não se estatelaria
No chão pedregoso
Das suas manchegas andanças
Plenas de muita
Sabedoria,
Quando Quixote se punha a discursar
Com sensatez,
Fora do âmbito das histórias velhas
De cavalaria
Que a volta ao siso lhe deram
E quase o desfizeram.
Florian no cavaleiro pegou
E na ribalta o colocou
De um novo ofício.
Mas o artifício não lhe valeu
Como Florian provou
Com o prazenteiro expressar
Do seu humanístico saber:
«Forçado a renunciar à cavalaria
Dom Quixote decidiu um dia,Para se ressarcir dessa dor,
Levar uma vida mais doce,
E escolheu a vida de pastor.
Ei-lo, pois, que toma cajado e surrão
O chapeuzinho redondo guarnecido de fita
Fazendo sob o queixo uma roseta.
Julguem da graça e do ar
Deste novo Tircis!
Sobre a sua gaita de foles roufenha
Ele tenta o eco encantar
Daqueles cantões.
Compra dois carneiros no talho do lugar,
Arranja um cão sarnento e neste aparato,
No mais frio inverno, há muito não visto,
Conduzindo o seu gado pelas margens do Tejo,
No meio da neve, ele canta com garra
A primavera.
Até aqui, tudo bem : cada um à sua maneira
É livre de escolher o seu prazer.
Mas passou por ali uma gorda vaqueira ;
E o pastor, movido de amoroso desejo
Corre e cai a seus pés: ó bela Timarette
Disse ele, tu que vemos entre as tuas jovens irmãs
Como o lírio entre as flores,
Caro e cruel objecto da secreta chama
Que me inflama,
Abandona por momentos o cuidado dos teus cordeiros,
Vem ver um ninho de pombinhos
Que eu descobri neste carvalho.
Eu quero ofertar-tos, ai! É o meu único bem.
São brancos: é a tua, Timarette, a sua cor;
Mas para minha dor,
Não é o teu o seu coração.
A este discurso a Timarette,
Cujo verdadeiro nome era Fanchon,
(Tal como a bela Dulcineia fora
Uma tal Aldonça
Para mais, Lourenço),
Abre uma boca espantada,
Bem escancarada,
E com um olhar parado e animal
Contempla o velho Céladon.
Quando um criado da quinta, amoroso da bela,
Aparece de repente, aquele cai à paulada
Em cima do pastor terno e fiel
E estende-o sobre o relvado.
Dom Quixote gritava : “Pára,
Pastor ignorante e brutal ;
Não conheces as nossas leis ? O coração de Timarette
Deve ser o prémio dum combate pastoral.”
- “Canta e não batas”,
Em vão o pastor
implora. O outro desancava sempre,
E ainda desancaria Se não tivessem vindo o rapaz socorrer
E à fúria dele arrancá-lo.
Assim, curar uma loucura,
Por vezes não traduz mais do que mudá-la.»
A loucura de Quixote
Só contra ele se voltava.A loucura em que vivemos
Num mundo grotesco ou tosco,
A todos envolve
Em fraternidade,
Em animosidade:
Que a corda bamba
Em que nos balançamos,
Ao ser esticada,
Rebenta e lá vamos,
Lá vamos,
Lá vamos. Todos.
Sem nada.
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