quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Orates


Vivemos num mundo maluco
De ventos incertos
E muitos moinhos
Que Sócrates espalhou
Para criar energia,
Segundo explicou.
Contra esses, nem Quixote se atiraria,
Que logo seria levado nos ares
E não se estatelaria
No chão pedregoso
Das suas manchegas andanças
Plenas de muita
Sabedoria,
Quando Quixote se punha a discursar
Com sensatez,
Fora do âmbito das histórias velhas
De cavalaria
Que a volta ao siso lhe deram
E quase o desfizeram.
Florian no cavaleiro pegou
E na ribalta o colocou
De um novo ofício.
Mas o artifício não lhe valeu
Como Florian provou
Com o prazenteiro expressar
Do seu humanístico saber:

 »Dom Quixote«

«Forçado a renunciar à cavalaria
Dom Quixote decidiu um dia,
Para se ressarcir dessa dor,
Levar uma vida mais doce,
E escolheu a vida de pastor.
Ei-lo, pois, que toma cajado e surrão
O chapeuzinho redondo guarnecido de fita
Fazendo sob o queixo uma roseta.
Julguem da graça e do ar
Deste novo Tircis!
Sobre a sua gaita de foles roufenha
Ele tenta o eco encantar
Daqueles cantões.
Compra dois carneiros no talho do lugar,

Arranja um cão sarnento e neste aparato,
No mais frio inverno, há muito não visto,
Conduzindo o seu gado pelas margens do Tejo,
No meio da neve, ele canta com garra
A primavera.
Até aqui, tudo bem : cada um à sua maneira
É livre de escolher o seu prazer.
Mas passou por ali uma gorda vaqueira ;
E o pastor, movido de amoroso desejo
Corre e cai a seus pés: ó bela Timarette
Disse ele, tu que vemos entre as tuas jovens irmãs
Como o lírio entre as flores,
Caro e cruel objecto da secreta chama
Que me inflama,
Abandona por momentos o cuidado dos teus cordeiros,
Vem ver um ninho de pombinhos
Que eu descobri neste carvalho.
Eu quero ofertar-tos, ai! É o meu único bem.
São brancos: é a tua, Timarette, a sua cor;
Mas para minha dor,
Não é o teu o seu coração.
A este discurso a Timarette,
Cujo verdadeiro nome era Fanchon,
(Tal como a bela Dulcineia fora
Uma tal Aldonça
Para mais, Lourenço),
Abre uma boca espantada,

Bem escancarada,
E com um olhar parado e animal
Contempla o velho Céladon.
Quando um criado da quinta, amoroso da bela,
Aparece de repente, aquele cai à paulada

Em cima do pastor terno e fiel
E estende-o sobre o relvado.
Dom Quixote gritava : “Pára,

Pastor ignorante e brutal ;
Não conheces as nossas leis ? O coração de Timarette
Deve ser o prémio dum combate pastoral.”
­- “Canta  e não batas”,
Em vão o pastor implora. O outro desancava sempre,
 E ainda desancaria
Se não tivessem vindo o rapaz socorrer
E à fúria dele arrancá-lo.
Assim, curar uma loucura,
Por vezes não traduz  mais do que mudá-la.»

 

A loucura de Quixote
Só contra ele se voltava.
A loucura em que vivemos
Num mundo grotesco ou tosco,
A todos envolve
Em fraternidade,
Em animosidade:
Que a corda bamba
Em que nos balançamos,
Ao ser esticada,
Rebenta e lá vamos,
Lá vamos,
Lá vamos. Todos.
Sem nada.

 

 

 

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