Todos
eles referindo a celeuma provocada na imprensa, pela redução das bolsas de
doutoramento e pós-doutoramento, e analisando a crise na Ciência sob as
perspectivas de cada um. O slogan “LUTO PELA CIÊNCIA” encimando o último artigo,
resume, de certa forma, o espírito que envolve os três, quer na crítica a um statu
de deficiência do panorama científico português, quer na crítica a um Governo
que segue a eito na sua política de “poda”, aparentemente para ganhar novos
créditos exteriores, mas demonstrando uma insensibilidade grande pelos valores
científicos em causa. Nesta data -4/2 - ainda se desconhecia a “bomba” da venda
de quadros de Miró, demonstrador de igual insensibilidade em relação aos
valores artísticos a preservar, além da dilapidação sucessiva das riquezas
pátrias, com que se vai empobrecendo e degradando o país - de que a língua,
principal instrumento cultural, adulterada por um Acordo Ortográfico de estulta
proveniência, foi o primeiro passo no desrespeito que, todavia, não parece revoltar
as consciências dos que se insurgem na questão da Ciência ou do espólio das pinturas.
O
artigo “Ciência e equívocos” disserta sobre os elementos
responsáveis pela ciência, os financiamentos e a sua finalidade, considerando
os dois equívocos em que assenta ultimamente entre nós. Tem a ver o primeiro equívoco
com a visão “míope”, tanto da direita como da esquerda: visão optimista
da esquerda, considerando que ”foi o melhor dos mundos” o anterior, que protegeu
a ciência no país: “financiamento recorde, crescimento exponencial dos
primeiros indicadores, aproximação a galope dos países mais desenvolvidos.” Visão
pessimista da direita: “À direita há quem fale de “obscurantismo” provocado
por uma política estatal insustentável a longo prazo, apontando como solução a
universidade”. Considera o articulista uma visão limitada esta de atribuir
à universidade o papel de mentora da política científica, quando os demais
países desenvolvidos –“Estados Unidos à cabeça - têm agências governamentais
responsáveis pelas respectivas políticas da ciência”.
“Já
os defensores da primavera rosa parecem ter a vista obnubilada pelo brilho dos
powerpoints. Parecem não querer ver que uma bolsa não é um emprego. E
que para criar empregos é necessário ir contra interesses instalados, já para
não falar nos modos de fazer e de pensar clientelares tão profundamente
enraizados entre nós. Este foi, provavelmente, o erro mais grave dos últimos 10-15
anos. Em vez de se começar a abrir as universidades ao mérito e ao esforço,
entrelaçando ensino e investigação, e de se criar incentivos às empresas
para contratarem pessoal qualificado, optou-se por criar um sistema de
laboratórios associados paralelo às universidades, um sistema tão moderno
quanto efémero. Perdeu-se com isto uma oportunidade de ouro para
efectivamente modernizarem as universidades. Pior: criou-se uma situação em que
ao primeiro abalo todo o sistema soçobraria, deitando a perder o investimento
de centenas de milhões de euros entretanto realizado. É esta a situação em que
agora nos encontramos. Uma reforma por fazer, investimento em risco de se
perder e pouca clarividência sobre as razões das nossas dores.
O
segundo equívoco tem a ver com a política do actual Governo. Quem corta nas
bolsas fá-lo com o argumento de que teríamos entrado numa segunda face do
processo de desenvolvimento científico: à fase de expansão seguir-se-ia
agora a fase da consolidação. Esta tese da poda enferma de um pequeno
problema. Ignora o país que (ainda) somos. Temos décadas de atraso, não
um excesso de qualificações.”
Segue-se
que é necessário investir mais no ensino e na sua difusão por mais alunos,
exigir mais bolsas, “mais emprego científico nas universidades e nas
empresas”, “procedimentos de avaliação mais transparentes”, ao contrário do
que se faz.
O
artigo “Ciência… que Ciência?”, bastante negativo, assinala a “desaceleração
no desenvolvimento da Ciência, e a lamentável situação de desemprego e
subemprego dos nossos mestres e doutores”, responsáveis pelo fluxo de
artigos mediáticos dos que protestam pela situação. E neles, domina uma forma “pragmática
e economicista” de encarar a ciência, “identificada como mais um “modo
de produzir do que como uma descoberta ou uma nova maneira de interpretar o
mundo e a vida.”
Considera
que “neste país não há lugar para cientistas”, como não há lugar para
nenhum modo de vida (o que me parece falso). “Por isso se aconselharam os
portugueses a emigrar ou a conseguir algum subemprego mal pago e com poucas ou
muitas horas de trabalho, que os levassem a sair da situação estatística de “desempregados”.
E por isso se utilizam chavões como “empreendedorismo”, para não falar
do desenvolvimento que escasseia ou para mascarar a frustração de
muitos que têm apenas o desejo de ter um trabalho honesto, desempenhado e pago
honestamente, como cientistas, professores, operários de uma fábrica.”
Referindo-se
ao “processo de Bolonha” que sempre contestou, informa que “No
fundo , está nela a potencialidade de fazer com que os estudantes permaneçam
no ensino superior o mais tempo possível. Se a licenciatura – pouco
exigente – não serve para nada, caminha-se para o mestrado, naturalmente menos
exigente do que no passado. E como o mestrado para nada serve, segue-se para o
terceiro ciclo, o doutoramento, onde quase todos os estudantes podem entrar -
(No meu tempo, só os que obtinham média de dezoito na licenciatura
tinham acesso ao doutoramento) – em muitos casos não para obter uma
habilitação que lhes dê acesso a um emprego ou à investigação científica, para
que se sentem vocacionados, mas porque, com ilusões ou já desiludidos, não
conseguiram nenhum trabalho anteriormente. Assim, vão colecionando graus,
passando finalmente da situação de doutorados para pós-doutorados e daí, por
vezes, para a “sensação de incompetência”(num processo algo parecido com o
princípio de Peter) que os leva a procurar um outro lugar fora de ciência ou da
profissão que queriam escolher, em Portugal ou no estrangeiro, onde, todavia,
em alguns países há mais possibilidades de trabalho efectivo.”
Prossegue
o artigo referindo as diferenças entre os cientistas velhos –inadaptados – e os
novos, aparentemente mais bem preparados, os que são “a nata das natas”
e obtêm bolsas, porque fazem “investigação de qualidade” ou “porque
melhor se integraram no sistema: os que têm mais artigos online e em inglês,
e que por isso são mais citados, que estiveram em centros que se presume de
melhor qualidade (sobretudo no estrangeiro), que souberam criar de forma real
ou artificial projectos internacionais. Seja como for, o que é preciso -
diz-se – é criar “massa crítica”, mesmo que , individualmente ou em grupo, haja
pouca consciência crítica no domínio da ciência, como no domínio da observação
do que se passa na sociedade. É por isso que nas acções cívicas quase não há
jovens, que procuram de preferência as juventudes partidárias que lhes dão o
emprego que a competência não lhes permite alcançar.”
Prossegue
o artigo pontuando os valores do capital presidindo o actual “mundo da
ciência e da tecnologia acríticas e dos gestores da sociedade capitalista sem
ética”, e naturalmente condenando um Governo que escolheu meter a
democracia na gaveta, fabricando os seus “cientistas de eleição”,
numa “sociedade à sua medida”.
O
artigo de José Sande Lemos – “Algo está mal no reino da Fundação
para a Ciência e a Tecnologia” insurge-se mais especificamente
contra o corte das bolsas em que, num concurso com 3416 concorrentes , apenas
298 as obtiveram, ou seja, menos de 10%, excluídos da bolsa para doutoramento
os dois melhores alunos - 19 e 18 valores - do Curso de Mestrado em Engenharia
Física Tecnológica do Instituto Superior Técnico.
A
justificação para o corte das bolsas individuais é sugerida pelo efeito de
terem sido desviadas muitas bolsas para escolas doutorais, a
que se apontam os erros seguintes:
1-
“Foram criadas ad hoc, transversais à estrutura das universidades”: “Não só não
houve preocupação em dar suporte a estruturas existentes, com provas dadas, mas
foram as novas escolas atribuídas a esta ou aquela área científica de uma forma
casuística e conforme as apetências desse júri.”
2-
“O júri do concurso para as escolas doutorais foi assegurado por 17 pessoas
apenas, tendo estas que emitir uma opinião sobre a totalidade do pensamento
humano, indo da literatura à astrofísica e da história à biomedicina. Estes
membros do júri não se envergonharam de decidir sobre matérias (e áreas
inteiras) sobre as quais eram completamente ignorantes, o que por si só é de um
exotismo nunca antes visto.”
3-
Finalmente, e relacionado com as bolsas individuais, tendo as bolsas atribuídas
às escolas doutorais sido possivelmente retiradas do conjunto das bolsas do
concurso nacional, não era difícil prever que os melhores alunos que se não
encaixassem nesta nova moda de programas doutorais, poderiam vir a não receber
bolsa – o que sucedeu com os alunos supracitados.
Segue-se
a crítica do articulista à arrogância da política governamental em querer
seguir no rasto de outras nações incomparavelmente mais estruturadas, e à
ineficiência do actual presidente da FCT.
Três
artigos que, condenando as políticas científicas do Governo, sob diversos
aspectos, omitem as condicionantes que implicaram o corte nas bolsas,
semelhante a outros cortes, e não dão ao Governo o voto de confiança num amanhã
de recomeço. O costume.
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