Numa Terra que se desterra
Invadida pelas águas
Do mar revolto,
Pelos ventos sibilantes
Do céu inclemente,
Procurámos numa qualquer
fábula de antigamente
Algo que nos desviasse a
atenção
De tanta aflição
Que vai por esse mundo
fora,
Que desse, sem demora,
Alguma calma à nossa alma
Que chora.
Encontrámos em La Fontaine
Uma história de Cupido,
Que poderia ser algo de
divertido
Por ser ele o deus do Amor
Encantador.
Mas o conto divertido
Revelou - na sua alegoria
humanista,
Que nela enfia
Os deuses olímpicos para
melhor dimensionar
A psicologia mista
Da humana condição -
Ser um cliché de efeitos
trágicos e cómicos
Que simboliza o Amor,
afinal,
Na sua estranha
realização,
Sempre amalgamado na perversão
Dos muitos sentimentos
Que ora o engrandecem
Ora o envilecem.
Donde a conclusão
De que a Loucura da
alegoria
- Ou não -
É seu guia.
«O Amor e
a Loucura»
«Tudo é mistério no
Amor,
As suas flechas, a sua
aljava, a sua infância
Que Cupido tão
gentilmente simboliza:
Não é obra para um só
um dia
Esgotar esta ciência.
Não pretendo, pois, aqui
tudo explicar:
O meu intuito é somente
À minha maneira contar
Como é que um cego – um
Deus -
Perdeu a luz,
Que sequelas teve este
mal
Que provavelmente até foi
um bem:
Disso qualquer amante
será juiz,
Não me compete a mim
decidir.
A Loucura e o Amor
brincavam
De companhia.
Este não fora ainda
Dos seus olhos privado.
Uma disputa se
engendrou,
Enlouquecedora,
Bem própria do Amor e
da Loucura.
O Amor exigiu
Que o conselho dos
deuses fosse reunido,
A outra perdeu a
paciência.
Um bofetão lhe deu
Tão esforçado
Que a luz dos olhos
aquele a perdeu.
Vénus exigiu vingança
Sem mais detença.
Mulher e mãe,
Bem podemos imaginar a
gritaria
Que ela faria.
Os deuses ficaram
Atordoados:
Júpiter, Némesis, os
Juízes do Inferno,
Enfim, toda a
confraria.
Vénus declarou a
enormidade do caso:
Sem cajado,
Sem cajado,
Seu filho não poderia dar
um passo.
Nenhum castigo era
bastante
Para crime tão
indecente.
O prejuízo tinha que
ser reparado.
Após tudo bem
considerado –
- O interesse do Público,
o da Parte pessoal,
A decisão, enfim, do
Supremo Tribunal
Foi, sem mais clamor,
A de condenar a Loucura
A servir de guia
Ao Amor.»
Mas se fosse hoje-em-dia,
Onde é que La Fontaine acharia
Loucura suficiente
Para o Amor descrever
De modo eficiente?
Não nos clássicos, certamente.
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