« Os amanhãs que desafinam”, (DN,
7/9), outro dos artigos do Fórum dominical subscrito por Alberto
Gonçalves, que tanto deliciam pelo arrojo e pertinência da sua crítica como
pela graça da sua sátira. E retomo a frase «por incontáveis desgraças que espalhe à sua
passagem, a esquerda é sempre o alvo da estima geral» para confirmar da sua verdade, em momentos-chave das discursatas gerais
que alardeiam sobre a seriedade daqueles que, afinal, não se coibem nunca de
desestabilizar criando o caos, no incitamento às reivindicações e às paragens
no trabalho, a pretexto da melhoria de
condições do "povo infeliz".
Álvaro Cunhal era um dos que, arrimado ao seu
passado de aprendiz de teorias em terras bastas nelas, as veio impingir assim
que pôde, de acordo com a agulha do seu gramofone incontornável na sua luta pelo poder, que outros mais
espertos lhe retiraram, tirando o chapéu sempre, contudo, à perseverança na
manutenção do disco rachado. Jerónimo de Sousa pretende imitá-lo, numa dança
simultaneamente guerreira e paternalista, vomitando ódios mas sorrindo aos seus
com um carinho de que Cunhal era mais parco. A verdade é que se impõem, pois
que os deixam respeitosamente vociferar, enquanto os das outras secções
partidárias de idênticos princípios não costumam ter igual tratamento,
provavelmente porque não foram fundadores, as fundações dando sempre carisma e
lucro:
Terça Feira, 2 de Setembro
Os amanhãs que desafinam
«Enquanto aproveitava a Universidade de Verão
do PSD para defender o belíssimo Preâmbulo da Constituição, o ministro Miguel
Poiares Maduro afirmou que o Governo português é dos mais esquerdistas da
Europa. Embora esta seja uma dolorosa evidência, aliás confirmada na minha
liquidação de IRS, ainda sou do tempo em que o académico Poiares Maduro me
enviava os seus - recomendáveis - livros com dedicatórias de apreço. Dado que
eu não mudei, presumo que o Dr. Poiares Maduro tenha mudado.
A menos que a caracterização do Governo tenha
um tom crítico, que francamente não se notou, o Dr. Poiares Maduro utiliza o
conceito de "esquerda" a título elogioso. Surpreendente? Nem por
isso. É apenas o hábito da casa em matéria de ideologia: por incontáveis
desgraças que espalhe à sua passagem, a esquerda é sempre o alvo da estima
geral. E o destino de quem salta das teses de amor à liberdade para a
pragmática dependência do voto. O liberalismo de cada um termina onde começa o
socialismo de todos.»
Outro artigo desta Página de Alberto
Gonçalves intitula-se «O martírio
da emigração», de uma graça marota, indiciadora do cinismo dos que
falam no tema, sempre em termos incriminatórios do Governo, que ao que dizem é
único responsável pelo surto migratório, sem tomarem em conta outros factores
de responsabilidade, além dos interesses pessoais dos que emigram, entre os
quais os participantes nos actos de terrorismo dos radicais islâmicos, de
irrefutável monstruosidade e idiotia:
Quinta-feira, 4 de Setembro
O martírio da emigração
«Os lamentos face à emigração parecem-me coisa de ressabiados. Sempre que um português parte, os portugueses que ficam fingem chorar a partida quando na verdade choram o facto de ficarem. Os que, em razão da idade, da saúde ou do carácter, resolvem permanecer por aqui de facto invejam aqueles que não estão para isso. E o resto é folclore, que inclui, por exemplo, a cantilena da "fuga de cérebros", a qual, além de trair a hipocrisia vigente (afinal, sair do País é mau para os que saem ou é mau para o País?), esquece o pormenor de que, entre os fugitivos, há muitas criaturas sem cérebro nenhum.
Veja-se o caso da pequena, mas simbolicamente
notável, corrente migratória rumo ao terrorismo. Embora sem atingir os números
de França, Inglaterra ou Alemanha, parece haver cerca de uma dúzia de
compatriotas nossos nas fileiras do Estado Islâmico. O Expresso fala de dois
deles, um casal, Fábio dos arredores de Lisboa, Ângela alentejana. Hoje, o par
combate na Síria ao lado dos radicais que, segundo a radical ingenuidade do
Ocidente, fundariam a Primavera Árabe. Por enquanto, a Primavera abunda em
decapitações, fuzilamentos e massacres sortidos. Ângela explica: "A jihad
é uma coisa boa, não é má como dizem na televisão." Depende da televisão,
digo eu.
Ângela, que segundo a reportagem guarda Pepsi
e Nutella no frigorífico, prossegue: "Quando olhamos para o cano de uma
arma vemos o paraíso, quando um avião sobrevoa as nossas casas estamos prontos
para receber a bomba, quando um pai cai mártir o filho está pronto para
substituí-lo." Seria uma inominável desfeita não atendermos às preces de
Ângela, que conclui: "Faremos tudo para manter e expandir o nosso Estado
Islâmico. Como se pode ganhar a um povo que não teme a morte?" Pelo menos
há que tentar. E se na Europa e nos EUA houvesse mais cérebros do que o
estimado, já o teríamos tentado com outro empenho.
Finalmente, «Vestígios da civilização» pretende
mostrar uma euforia espalhafatosa e malandra sobre o nosso “estado de
Direito”, tendo em conta as sentenças punitivas do processo Face Oculta,
coisa nunca cá vista, pelo menos em tal quantidade punitiva. Não podemos
esquecer, todavia, que ainda falta a Última Instância para liquidar a “justiça”
da primeira:
Sexta-feira, 5 de Setembro
Vestígios da civilização
«Posso
ser um bocadinho optimista? Muito obrigado. É verdade que o desfecho do caso
Face Oculta se fez tipicamente esperar. É verdade que ainda estará sujeito aos
recursos da praxe (e, talvez, aos beneplácitos da praxe). É verdade que a
decisão do tribunal não apaga o papel de altos magistrados na sabotagem do
processo. É verdade que a figura maior desta história passou entre os pingos da
chuva. E é verdade que castigar a trapaça do sucateiro socialista não castiga
outras trapaças que envolvem outros partidos ou "personalidades".
Mesmo
assim, o que aconteceu em Aveiro, da sentença aos rostos perplexos dos
condenados, é um sinal de que nem tudo é permitido nem a impunidade é
inevitável. Por uma vez, se calhar sem exemplo ou repetição, ganhei confiança
na justiça. Enquanto não voltar a perdê-la, permitam-me festejar durante uns
dias o célebre Estado de direito. E quem diz uns dias diz uns minutos, ou o
tempo em que Portugal se assemelhou à civilização.»
Um encanto esta Página do DN, subtil antídoto contra o marasmo de um tempo sem saída.
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